Paulo Moreira Leite
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".

















Não dá para esquecer que Copa do Mundo é fantasia e transgressão


Cuidado, meus amigos.



A judicialização se aproxima do futebol. Já podemos imaginar o dia em que os lances duvidosos serão levados para os tribunais,  que terão a palavra final sobre o que aconteceu em campo.

Como aconteceu com a política, a judicalização entrará nos estádios pelo jornalismo. Você já reparou que, pouco a pouco, nossos comentaristas esportivos perderam espaço para os chamados repórteres investigativos? Pois é.


De denúncia em denúncia, a Justiça ganhará musculatura e será chamada a agir.

É um fenômeno mundial, nós sabemos. A CNN norte-americana divulgou que a Interpol decidiu investigar esquemas para forjar resultados na Copa. A Polícia Federal desmentiu a notícia mas o assunto está no ar. Você imagina: depois de correr os 90 minutos em campo, vai ter time correndo da polícia na hora de subir a tribuna de honra e pegar a taça?  Pode?

Claro que pode. Como também aconteceu com a política, atividade que muitas pessoas hoje confundem com uma forma de crime, o futebol perderá o encanto que merece.

(E que a política também possui, apesar de todas as distorções, falhas e desvios inaceitáveis que todos conhecemos).

 Aos poucos, aquelas falhas de arbitragem que os  comentaristas hoje consideram “absurdas” serão classificadas  como “indícios da corrupçao da máfia do futebol”. Não haverá alternativa.

 Cria-se assim uma situação-limite. Ou a Justiça esportiva mostra a que veio, ou ficará desmoralizada. Vão cobrar providências. Vão pedir medidas exemplares. Derrotados em 2014, os mais exaltados, claro, tentarão boicotar a próxima Copa em nome da moralidade.

 Veja o que aconteceu anteontem, com aquele pênalti do Fred. E outros lances complicados das partidas seguintes.

 Vi a jogada na área da Croácia inúmeras vezes e achei que houve uma falta. O vídeo mostra quando um zagueiro da Croácia, pelas costas, segura Fred pelo ombro, impedindo seus movimentos.

Claro que, a seguir, um jogador experimentado como Fred fez uma encenação: abriu os braços, deixou-se cair no chão. Mas ele já fora imobilizado na área pelo adversário. Não é falta?

Você pode discordar. Também pode admitir que era o clássico lance duvidoso.

Se o pênalti não tivesse sido marcado, certamente iríamos ouvir um coro de descontentes.

Ou não, já que a torcida pela seleção brasileira é muito mais sincera e eloquente nas casas e bares onde o povo assiste a TV  mas minoritária em muitas  cabines esportivas de onde veio a certeza de que o árbitro errou a nosso favor. É lá, claro, que se trabalha pela judicialização.

Você pode dizer que sou suspeito porque, como torcedor, torcia pelo Brasil e queria que fosse pênalti. É claro.

Sou torcedor e a graça do futebol é esta. Torcer. Ser parcial.

Ao contrário da política, o futebol permite a trangressão.

Enganar o juiz é parte das competências de qualquer craque. Por isso eles fazem pressão, simulam indignação o tempo inteiro,  contestam toda e qualquer decisão, correta ou não, que seja favorável ao adversário.

É parte da arte. Lembrem de Newton Santos, salvando o Brasil na Copa de 1962 com um passo para fora da área que iludiu um juiz e impediu a marcação de um penalti num jogo decisivo. Lembrem quantos penaltis foram cavados por grandes craques, a começar por Pelé.

Este mundo é  da fantasia, do imaginário. Há algo mais abstrato do que ser corinthiano, santista, palmeirense?


Qual a importancia real de um distintivo, de uma camisa?

Não importa. Uma vitória faz um torcedor sentir-se bem (e até muito bem) ainda que sua vida real tenha permanecido igualzinha a que era antes. E vice-versa.


Mas não adianta. Tem gente que não perde a mania de querer ensinar ao povo a maneira correta do cidadão comum se divertir.

Para concluir, um pouco de sociologia. A judicialização do futebol tornou-se uma necessidade com o mercado. Quando grandes investidores, nacionais e internacionais, tomam posse dos grandes clubes -- em companhia de organizações de tipo mafioso -- é preciso dar credibilidade aos investimentos na esperança de um retorno compensador.  Os jogadores, times e seleções devem tornar-se investimentos confiáveis. Fica difícil, então, admitir a trangressão e a fantasia. 

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