O pior estava para vir, chama-se ISIS e prepara-se para destruir de vez o Iraque


Teerão diz-se pronto a colaborar com os EUA no “combate aos terroristas” que entraram no Iraque vindos na Síria e prometem só parar em Bagdad. Bin Laden morreu mas tem seguidores e dissidentes.
Voluntários xiitas que responderam ao apelo de Sistani e se preparam para defender Bagdad ALI AL-
Semeia-se, colhe-se, pede-se, recebe-se. Às vezes a dobrar, às vezes o que se pensou que se ia combater e que se acaba por criar. Um monstro, cem, mil. Osama bin Laden era muito perigoso, Abu Mussab al-Zarqawi também. Abu Bakr al-Baghdadi, que desde 2010 lidera o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS), é tão ou mais assustador.
Gente criminosa que se aproveita dos erros cometidos por políticos, líderes eleitos ou ditadores, gente sem escrúpulos que decapita e cruxifica como quem estala um dedo. Gente assim mete medo. E leva meio milhão de pessoas a fugir em dois dias de uma cidade de três milhões, como Mossul, no Iraque, e uma capital de seis milhões a fechar-se em casa. É Bagdad.

Gente desta não precisa de grandes exércitos, daqueles que estão prontos a enfrentar “dois conflitos simultâneos”, assim dizia a doutrina Powell (de Colin Powell), enterrada antes de tempo por Rumsfeld (Donald Rumsfeld). Os Estados Unidos saíram do Iraque em 2011 e não vão voltar. “Soldados no terreno” nem pensar, já disse Barack Obama. Ninguém esperava o contrário. O Presidente iraniano, Hassan Rouhani, diz que se Teerão vir “que os EUA agem contra os grupos terroristas” pode ponderar uma cooperação. Rohani também diz que alertou Washington para o que estava a acontecer na Síria. E é verdade, só que não é a história toda.
Já Bin Laden tinha desaparecido em Tora Bora quando Powell foi à ONU dizer que um dos motivos para invadir o Iraque era o terrorista jordano Zarqawi e as suas ligações a Saddam, que alegadamente o financiava e lhe dava abrigo (como os taliban afegãos a Bin Laden). Saddam não sabia muito sobre Zarqawi mas muitos iraquianos e norte-americanos demoraram pouco a descobrir. Houve gente queimada e pendurada em pontes, houve tantos, tantos atentados suicidas.
De tão brutal, os iraquianos dispostos a resistir e a aliar-se a quem viesse para tentar combater e expulsar os ocupantes acabaram por se aliar aos invasores para o derrotar. Zarqawi morreu, em 2006, debaixo de duas bombas de 500 quilos. Na altura, era líder da Al-Qaeda no Iraque. Sucedeu-lhe Abu Omar al-Baghdadi, que mudou o nome do grupo para Estado Islâmico no Iraque. Esse Abu foi morto, em 2010, por forças norte-americanas. Foi quando outro, o actual líder do que é hoje o ISIS, entrou em campo.
Abu Bakr al-Baghdadi soube aproveitar-se do caos que a repressão de Bashar al-Assad lançou na Síria e internacionalizou o grupo. Há dois anos, montou sede no país de Assad e cresceu, à medida que a guerra civil piorava e que os rebeldes, desaustinados, lutavam entre si. A Al-Qaeda herdeira de Bin Laden, chefiado pelo seu velho lugar-tenente, o egípcio Ayman al-Zawahiri, declarou que o ISIS não podia reclamar-se parte da Al-Qaeda – o seu braço na Síria era a Frente Nusra. Baghdadi fez pouco caso de Zawahiri, afirmando que ninguém o impedia de combater quem considerasse seu inimigo, Assad, os rebeldes sírios da oposição, a Frente Nusra.
Desde então, o ISIS conquistou vastas zonas no Norte da Síria, de Alepo à fronteira com a Turquia, passando por Raqqa ou Deir Ezzor, a leste. Em Idlib, mandou matar o líder da Frente al-Nusra, a sua mulher, os seus filhos e cada um dos seus familiares. Também fez cruxificar gente acusada de assassínio, decapitou e amputou um pouco por cada aldeia, vila ou cidade conquistada ou atravessada. Entretanto, fundou escolas, tribunais e hospitais, todos com a sua bandeira negra e branda içada. Em Raqqa, mandou até fundar uma autoridade que garante a qualidade alimentar.
O caos e as sanguessugas
O ISIS começou por ter centenas de homens. A seguir, vieram mais árabes dos países da região e muçulmanos da Ásia à Europa. Assad estava a vencer, o Irão ajudava, o Hezbollah libanês também. Nouri al-Maliki, primeiro-ministro do Iraque, apregoava a sua neutralidade enquanto deixava passar armas para Assad e milicianos iranianos e iraquianos para lutarem ao lado das milícias do regime sírio e de Beirute. O jihadismo não morava no Iraque antes da invasão nem na Síria antes da revolta, mas, como as sanguessugas, alimenta-se dos erros, do caos e do vazio. Espera, ataca e às vezes vence.
Os EUA começaram a partir o Iraque quando preferiram desbaasificar a reconciliar (dissolveram o Exército de Saddam, despediram os funcionários públicos, todos tinham cartões do Baas, o partido único, era a única forma de viver debaixo da ditadura, que nem todos apoiavam). Maliki continuou, autoritário e sectário, a marginalizar e enfurecer toda uma população. Os árabes sunitas iraquianos não gostam do ISIS nem de Baghdadi mais do que odiavam Zarqawi. Mas “estão dispostos a meter-se na cama com o diabo para derrotar Maliki, e esse é o perigo”, diz à Reuters Fawaz Georges.

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