Não me peçam para cabecear

Da mesma forma que mostram suas habilidades em campo, os jogadores de futebol parecem deixar sua marca com seus penteados ou com suas chuteiras.

Eric Nepomuceno
FIFA

Um esportista é um ser competitivo por natureza. Se não fosse, teria que fazer outra coisa na vida. Contemplação meditativa, fazer um voto de castidade e silêncio, ou alguma outra raridade que lhes parecesse perfeitamente natural. No caso dos jogadores de futebol, o natural é a necessidade de competir, não importa se for com ou sem a bola. Dessa forma, muitos se empenham em demonstrar que têm, a todo momento, a habilidade para deixar sua marca singular e única, tal como fazem em campo.


Por exemplo: o penteado do português Cristiano Ronaldo. Às vezes me surpreendo dedicando bons minutos da minha atenção para tratar de entender como é possível que seu cabelo, cuidadosamente esculpido e suspenso graças a uma generosa e reforçada dose de gel, se mantém inalterado durante praticamente todo o jogo. E me pergunto: quando ele cabeceia a bola, a quantidade de gel não facilita com que ela deslize com mais velocidade? Não seria um caso de doping capilar explícito?

Outro modelito instigante é o ostentado pelo brasileiro David Luis e pelo belga Fellaini. Eu me refiro a essa rara mescla de cabeleira black power e ninho de pomba. Será que o cabeceio não amortece a bola, fazendo com que uma jogada ficasse mais lenta do que o desejável? Em futebol, como todos sabemos, décimos de segundos podem ser essenciais ou fatais.

Também me desperta curiosidade a desatenção das autoridades do futebol para outros truques empregados por jogadores que, evidentemente, atuam de maneira muito pouco leal, como o italiano Balotelli. Independentemente de suas qualidades como jogador, evidentes e concretas, me surpreende o truque que usa para confundir os adversários. Tenho sérias dúvidas se isso não é quase uma falta de respeito com seus colegas. Como marcá-lo de perto, prestando total atenção a seus pés, se cada um deles têm uma chuteira de cor diferente? Como tentar antecipar por um décimo de segundo com qual dos pés tentará chutar, se ainda não fixei bem qual é o direito e qual é o esquerdo: o de chuteira vermelha ou o de azul?

Competitivo por competitivo, mais discreto e sóbrio parece ser o argentino Messi, que conseguiu que o fabricante criasse chuteiras com as cores pátrias – azul e branco – mas em ambos os pés, em um claro sinal de que é um esportista que sabe respeitar seu ofício e ao distinto público. Claro que, quando embaralha os pés na hora de sair em explosão, a agitação das duas cores faz com que tudo fique um tanto borrado e mesclado, mas pelo menos os dois pés aparecem da mesma cor.

Outra vertente da competência está nos cortes e nas tinturas do cabelo. Alguém seria capaz de explicar, em poucas palavras, que diabos significa aquilo que brilha no português Raul Meireles? Isso, é claro, para não mencionar o brasileiro Neymar, que parece ter ido a um cabeleireiro, olhado todas as sugestões de um álbum de possibilidades e, indeciso, pediu ao artista da tesoura e da navalha que fizesse um pouco de tudo, o que inclui alisamento, corte e pintura. Seu compatriota Daniel Alves poderia ser considerado um exemplo de sobriedade capital, ao aparecer precocemente grisalho. Mas essa impressão se desfaz quando se observa a quantidade de suas tatuagens. Nada que se compare, e outra vez é preciso mencioná-lo, ao luso Meireles, que no quesito extravagâncias parece ser o mais competitivo de todos. Mas há japoneses loiros, nigerianos ruivos e se nota que os moicanos têm forte influência no futebol africano.

Antes que alguém me diga que existem coisas mais importantes para se mencionar em uma Copa do Mundo, eu me antecipo dizendo que não é exatamente assim. Por exemplo: observando o corte de cabelo de vários uruguaios (que, a propósito, fizeram um jogo eletrizante e dramático contra os ingleses na quinta-feira), vê-se qual é a verdadeira influência de Cristiano Ronaldo no futebol mundial. Havia vários uruguaios que, quando não competem com seu ídolo com a bola nos pés, tratam de fazê-lo na hora de se pentear.

Sim, são muitas as coisas que se observam em uma Copa, e nem todas se referem apenas ao que se passa entre as quatro linhas do campo. Pensar nelas pode ser, às vezes, uma boa maneira de iludir outro tipo de pensamento. Por exemplo: Felipão manterá Paulinho contra Camarões? Fred saberá, finalmente, reencontrar seu jogo esplêndido, que ninguém ainda viu nos dois primeiros jogos?

Melhor deixar para meditar sobre essas questões um pouco mais tarde. Amanhã, talvez.




Créditos da foto: FIFA

Comentários