Majub’s Journey: holofotes no coadjuvante


Mohamed era sempre coadjuvante, quase parte do cenário.
Mohamed era sempre coadjuvante, quase parte do cenário.
Após assistir à Majub’s Journey, da alemã Eva Knopf, saí do cinema extremamente encantada com a forma que a diretora nos apresentou uma história que estava há muito tempo escondida. O documentário fez parte da 3ª edição do festival Olhar de Cinema e foi exibido logo depois de um curta cearense. O longa me inseriu em um universo extremamente sensível e relevante que conta a história do africano Mohamed Husen, ator que aparece em diversos filmes produzidos na Alemanha da década de 1930, mas sempre em papéis como ascensorista, motorista e empregado. “Parte humano, parte cenário”, como descreve a diretora, Mohamed era lembrado quando precisavam de um personagem negro.
Em entrevista por e-mail, ela me contou que conheceu Mohamed, o Majub, por meio de um artigo da professora Marianne Bechhaus-Gerst e imediatamente ficou empolgada para dar ao figurante o seu primeiro papel principal. “Eu queria inserir a história de Majub não só na história do cinema alemão, mas também na história da Alemanha. É comum que os documentaristas façam filmes sobre as ‘pessoas pequenas’, e no cinema as ‘pessoas pequenas’ são os figurantes” explicou Eva.
A ideia de fazer um documentário sobre um figurante é boa na teoria, mas a diretora me disse que encontrou muitas dificuldades para contar a trajetória de Mohamed na prática, especialmente pela escassez de imagens. Ela encontrou uma alternativa criativa quando ouviu falar de um monumento da época da colonização em um observatório em Hamburgo, que conseguia transmitir a ideologia da época em apenas uma imagem: o africano abaixo olhando para o alemão e o alemão, em uma posição superior, olhando para o céu. O longa, além de mostrar o racismo da época, também expõe a situação dos presos de guerra e das mulheres.
O monumento auxiliou a diretora a dar uma linha narrativa ao longa.
O monumento auxiliou a diretora a dar uma linha narrativa ao longa.
Outro empecilho enfrentado por Eva foi que não havia nenhum parente vivo do ator nem pessoas que o conheceram. “Eu não queria entrevistar especialistas na Alemanha nazista porque isso não me aproximaria do Majub emocionalmente” contou. Para driblar o problema, a diretora conseguiu encontrar em documentos da época as informações sobre a vida de Majub e, ao mesmo tempo, sobre como era ser negro na Alemanha nazista.
A sensibilidade da diretora e sua criatividade para conseguir fazer um longa com poucas imagens transformaram Majub’s Journey em um importante resgate histórico da Alemanha nazista mostrada por um ponto de vista diferente, além de fazer justiça com um homem que foi discriminado mesmo conseguindo se inserir em um mercado controlado pelo regime nazista. O documentário cumpre com uma das principais funções do jornalismo, que é dar vida às boas histórias.

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