Juan Carlos abdica porque “uma nova geração reclama o papel de protagonista”

Em poucos minutos, o rei despediu-se de 39 anos de trono. Explicou que sai de cena porque Espanha precisa de “um impulso de renovação”. E pediu apoio para o filho, o futuro Felipe VI, quando disse que no seu país a monarquia faz parte da estabilidade.
O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, convocou os jornalistas, no início da manhã desta segunda-feira, para uma declaração de emergência para anunciar que o rei Juan Carlos abdicou a favor do príncipe Felipe.

O rei de Espanha vai abdicar do trono porque “uma nova geração reclama com justa causa o papel de protagonista, o mesmo que correspondeu numa conjuntura crucial da nossa História à geração a que pertenço”. Sai de cena por uma questão de modernidade, frisou no curto discurso em que a anunciou a decisão à nação, ontem de manhã.
Não há razões pessoas, não há motivos de saúde. Não o disse assim, mas todo o seu discurso se centrou nessa premissa. Nos últimos dois anos, o rei andou doente (oito cirurgias entre 2010 e 2013, quase todas a uma anca) e derrubado (beliscaduras pessoais e o grande escândalo que envolve o seu genro Iñaki Urdangarín). Nessa altura, o rei espanhol a que todos reconheceram um bom instinto político, percebeu que não podia sair de cena — a sua casa estava tão frágil que a instituição que representa, a monarquia, corria riscos; a popularidade desceu para 37%. Abdica agora, que está bem de saúde e que a monarquia está recentrada — a meio da crise, a casa do rei anunciou que a família real se resumiria aos reis, ao herdeiro e à descendência deste — atente-se no pormenor da única fotografia que apareceu no enquadramento da comunicação da abdicação e veja-se que só lá estão quem realmente importa para Juan Carlos: ele próprio, o filho que lhe sucede e a herdeira deste.
Em tempos de crise, não se abrem mais crises, como que disse Juan Carlos, que deixa o trono numa época que define novamente como estável e, por isso, permite que a abdicação surja como um acto de normalidade. O seu interesse, não se cansou de repetir na comunicação, é Espanha, mas também a monarquia. “O meu filho Felipe — disse —, herdeiro da coroa, encarna a estabilidade, que é o sinal da identidade da instituição monárquica.”
Ultrapassada a convalescença da última das cirurgias — fez a lesão na anca em África, durante a duplamente polémica caçada em que caçou um elefante e foi fotografado com a mulher que quem teve um caso amoroso; pediu perdão ao país por isso —, o rei retomou o trabalho. Em Abril, foi à Arábia Saudita em visita oficial e de promoção das empresas espanholas. A seguir, esteve em Lisboa para assistir à final da Champions entre as duas grandes equipas de Madrid, o Atlético e o Real.
Recuperou as capacidades e tentou mostrar que ainda é o rei a que os espanhóis se habituaram durante 39 anos — com vitalidade, instinto político e atenção às mudanças na sua sociedade, decide retirar-se. Lembrou, sem o dizer, convulsões passadas — Espanha vive “um longo período de paz, liberdade e progresso” e os cidadãos “são protagonistas do seu próprio destino”. Fez um balanço: “Olhando para trás, não posso sentir senão orgulho e gratidão”. Mas apelou sobretudo ao futuro.
“Guiado pela convicção de estar a prestar o melhor serviço aos espanhóis, e uma vez restabelecido tanto fisicamente como na minha actividade institucional, decidi pôr fim ao meu reinado e abdicar da coroa de Espanha de forma a que, através do Governo e das Cortes Gerais, se proceda à efectiva sucessão em conformidade com as provisões constitucionais”, disse o rei.
A decisão de passar “o testemunho a quem esteja em melhores condições de assegurar a estabilidade”, disse o próprio Juan Carlos, foi tomada no dia em que fez 76 anos, a 5 de Janeiro.
A decisão, conta o El País, foi comunicada a Rajoy no dia 31 de Março e, dias depois, ao segundo maior partido, o socialista. A decisão, foi assegurado, não poderia transparecer antes das eleições europeias de 25 de Maio, que provocaram mudanças na política espanhola, com a ascensão de um novo partido (o Podemos) e uma crise entre os socialistas cujo líder, Alfredo Pérez Rubalcaba, se demitiu.
Ao despedir-se dos espanhóis, o rei não falou de política, directamente. Mas neste assumir que o mundo da sua geração mudou ou está a mudar, deixou recados — aos políticos, aos cidadãos e ao herdeiro. “A profunda crise económica que atravessamos deixou graves cicatrizes no tecido social, mas também nos está a mostrar um caminho de futuro carregado de esperança. (...) Estes anos difíceis permitiram-nos fazer um balanço autocrítico dos nossos erros e das nossas limitações enquanto sociedade. E, como contrapeso, também reavivaram a nossa consciência orgulhosa do que soubemos e sabemos fazer, e do que fomos e somos: uma grande nação. Tudo isto nos desperta um impulso de renovação, de superação, de correcção dos erros para abrir caminho a um futuro decididamente melhor.”

Comentários