Felipão na contramão da história do futebol brasileiro

Felipão parece até o Joel Santana no Botafogo de Loco Abreu: sem meio-campo, fazendo ligação direta com os postes Fred, Jô e Hulk.

Raul Milliet Filho
Marcello Casal Jr/ Agência Brasil
O senhor Felipão vai na contramão da história do futebol brasileiro quando monta um esquema tático sem meio-campo fazendo ligação direta da defesa com o ataque e os postes Fred, Jô e Hulk. Parece até o Joel Santana no Botafogo com o Loco Abreu. Só dava mesmo para ser campeão carioca pois o adversário era o Flamengo, freguês de caderno.

Agora numa Copa, tenha a santa paciência. 

Não custa lembrar a Copa de 70.

Durante muito tempo, vários setores da imprensa esportiva, depois do retumbante fracasso de 1966, incluindo técnicos de expressão, defendiam que a posição do comando do ataque fosse ocupada por um jogador forte, viril, “um tanque”. Tipo Fred e Jô.

 
Quando João Saldanha assume a Seleção Brasileira, escala a sua primeira formação de ataque com Jair, Dirceu Lopes, Pelé e Tostão. Em pouco tempo, promoveria a entrada de Edu na ponta esquerda, deslocando Tostão para fazer dupla com Pelé. Muitos acharam que não ia dar certo. Afinal, os dois craques tinham estilo de jogo parecido e Tostão, como todos os seus companheiros de ataque, era brasileiro e não europeu, como inconscientemente desejavam os tradicionalistas. Não foi o que se viu. Tostão foi o artilheiro das eliminatórias, jogando com arte e decisão.

O time jogava compacto, tocando a bola, comandado por Gerson. Em crônica publicada no jornal O Globo, em 1970, João afirmava: "Minha concepção para a copa do mundo era de que poderíamos batê-los, aos grandalhões, com arte e habilidade. Jamais na força física. Convoquei Zé Carlos do Cruzeiro, pois já tinha ali no meio Pelé, Tostão, Dirceu e Rivelino...

Pelé e Tostão demonstraram amplamente ser a dupla certa. Jogando com a bola no chão. Desde as eliminatórias até as finais, fizemos cerca de 50 gols e só um de cabeça. Tudo por baixo, como sabe jogar o futebol brasileiro." 

Em outubro de 1969, Tostão sofre um descolamento de retina, em um jogo contra o Corinthians no Pacaembu. Saldanha gritou aos quatro cantos: “Espero o Tostão até o vestiário. Ele desequilibra”. De fato, o craque volta em abril de 1970 e tem uma excelente participação na Copa, sendo considerado, pela imprensa européia, o melhor jogador da competição. À revelia de Zagallo, não custa lembrar, que só manteve Tostão quando viu que perderia a Copa com Roberto Miranda ou Dario.

E por favor não venham me dizer que o Felipão não tem jogadores para isso. Tem sim. Até entre os 23 convocados. Não tem naquele nível de 70, mas Bernard, Hernanes, Willian e Maicon sabem jogar bola. E para o pessoal da cultura não custa lembrar que a escola brasileira de futebol é patrimônio da humanidade, oucomo dizia Pasolini, futebol-poesia.
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Raul Milliet Filho é doutor em História Social pela USP.




Créditos da foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

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