Chance perdida

Aécio e Eduardo ganhariam ao verberar as manifestações da tribuna vip do Itaquerão. Mas quem odeia quem?



Por Mino Carta 
Na Carta Capital

Aécio Neves e Eduardo Campos perderam uma oportunidade de puro diamante para mostrar maturidade política, elegância e até mesmo astúcia. Senhoras e senhores da tribuna vip do Itaquerão, na estreia da Seleção Canarinho, primeiro dia da Copa, encenaram um espetáculo que envergonha o Brasil diante do mundo. Quase todos ali são, obviamente, eleitores dos candidatos da oposição, e estes desperdiçaram a chance de condenar o clamoroso, selvagem desrespeito a quem chefia o Estado e o governo.


O pior calão atirado pelos burguesotes chamados a engalanar a festa não surpreende. A dita elite brasileira em boa parte é primária e feroz, prepotente e vulgar, arrogante e ignorante. Muito ignorante. No fundo, a tribuna vip funcionava no Itaquerão como o alpendre da casa-grande. Creio que aquela manifestação, tão reveladora dos comportamentos de quantos ostentam as grifes e acreditam viver em Dubai, não favoreça as candidaturas da oposição, ao acentuar as diferenças e precipitar a polarização. Mas onde estavam os marqueteiros?

Cabia, no meu entendimento, a reação ponderada e imediata de Aécio e Eduardo, prontos a defender a sadia ideia de que a Presidência da República faz jus ao respeito devido ao cargo, acima do acirramento do confronto eleitoral. Aécio, depois de ter declarado que o ocorrido exibia a impopularidade da presidenta, voltou atrás nas redes sociais para uma crítica morna e tardia. No entanto, a disputa torna-se mais agressiva, com a contribuição useira da mídia. Quem odeia quem? Segundo a tese em voga na área da reação, o PT se esforça, com raro brilho e denodo vitorioso, para ser odiado. E ganha as manchetes a polêmica entre Fernando Henrique e Lula, com réplica, tréplica e não sei mais o quê.

É oportuno registrar algumas verdades factuais, do conhecimento até do mundo mineral, embora não haja como acusar a carência de cavernícolas da Idade da Pedra. Então, vejamos.

A mídia nativa sempre e sistematicamente combateu o PT, nascido da reforma partidária imposta pela ditadura no final de 1979. O partido era apresentado como de esquerda revolucionária, conquanto viesse a sofrer alterações de rota ao longo do caminho. O jornalismo pátrio sempre postou-se contra candidaturas petistas onde quer que aparecessem, a começar por aquela de Lula contra Collor, Fernando Henrique, José Serra e Geraldo Alckmin, e de Dilma Rousseff, novamente contra Serra. E mesmo os meteoritos sabem que a mídia distorce, manipula, inventa, omite e mente para desancar o inimigo.

Ao iniciar a tal polêmica, FHC falou em corrupção e ladrões, e me apresso a garantir que as falésias de Dover, elas inclusive, entenderam que se referia ao PT. Donde, a reação de Lula, inegavelmente alguém que põe medo à direita e tem, ao contrário de FHC, apurado senso de humor. Esqueceu-se o tucano, de todo modo, de alguns fatos a macular seu governo. A compra dos votos para conseguir a reeleição, obtida finalmente ao sabor de uma campanha conduzida à sombra da bandeira da estabilidade, rasgada 12 dias depois de reempossado, com o resultado de quebrar o País. Mas a maior bandalheira-roubalheira da história brasileira deu-se com a privatização das comunicações, largamente demonstrada pelos grampos das conversas entre os rapazes do bando, Luiz Carlos Mendonça de Barros, André Lara Resende e Pérsio Arida, cujas passagens mais candentes foram publicadas por CartaCapital, enquanto Época e Veja saíram com as versões corrigidas pelo governo, simpaticamente entregues à Globo por José Serra e à Abril por Eduardo Jorge.

Sim, o PT no poder portou-se como aqueles que o precederam e o próprio Lula reconheceu na entrevista publicada pela edição 802 de CartaCapital. “O PT erra – disse Lula textualmente – quando usa as mesmas práticas dos demais partidos.” Vale acrescentar que o caminho dos chamados “mensalões” foi aberto pelo tucanato ainda no século passado.

Fala-se em ódio contra Lula, Dilma e o partido. Mas como negá-lo? Tentem ouvir os privilegiados do Brasil e seus aspirantes e verifiquem que os graúdos do Itaquerão os representam à perfeição. E de ódio se trata, semeado e regado em primeiro lugar pela mídia. Há quem alegue ódio de classe e aqui me pergunto se a definição é justa. Não sei, sinceramente. Ódio de classe se espalha depois da Revolução Francesa, evento decisivo que até hoje não ocorreu no Brasil. Envolve burguesia, pequena burguesia e proletariado. Aqui ainda vivemos a dicotomia nefanda da casa-grande e da senzala, e os senhores odeiam quem acena com mudanças. Sustentar que o PT faz de tudo para ser odiado é igual a dizer que assim também agiam os judeus dos guetos.

Aliás, Aécio Neves anuncia um tsunami para varrer o PT da face da terra. Em qual país democrático e civilizado frase similar cairia da boca de um candidato ao se referir ao adversário? Algo é certo: o tsunami não partirá da tribuna vip do Itaquerão. A tigrada, além de tudo, é velhaca.

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