A volta da normalidade no STF
Uma ausência percebida preencheu uma lacuna na última sessão do STF.
Wadih Damous
O Supremo Tribunal Federal, finalmente, volta à sua normalidade institucional.
Sem mais arroubos autoritários; sem mais decisões monocráticas que, a despeito da interposição do respectivo recurso, não são levadas a plenário sem qualquer fundamento e subvertendo preferências legais (em outras palavras, restabelecendo o princípio da colegialidade); sem incidentes envolvendo a violação de prerrogativas de advogados nem acusações e ataques mútuos entre Ministros. Enfim, uma sessão normal de um órgão colegiado sério e respeitoso, tanto no trato entre seus membros, quanto na relação entre estes, os advogados e a sociedade em geral. A ausência percebida preencheu uma lacuna.
Assim foi a sessão da última quarta-feira (25), presidida pelo Ministro Ricardo Lewandovski, que está próximo de assumir definitivamente o cargo de Presidente da Corte. Nela, o Pleno do Supremo (e não a vontade isolada de um Ministro), decidiu dois recursos referentes à Ação Penal 470: um, referente ao direito ao trabalho externo de alguns réus, condenados ao regime semiaberto; o outro, referente ao pedido de prisão domiciliar de José Genoino, por razões de saúde.
Feitas essas observações gerais, vamos aos julgamentos em si.
Com relação ao trabalho externo, o Supremo apenas restaurou a aplicação da Jurisprudência amplamente majoritária sobre o tema – majoritária não apenas no próprio Supremo, mas em todo o Judiciário Nacional, no sentido de que o trabalho externo, no regime semiaberto, não depende do cumprimento de 1/6 da pena, caso em que não diferiria em nada do regime fechado e não levaria em consideração a realidade do sistema carcerário brasileiro.
Além disso, acertou o Supremo ao considerar insignificante, ao menos do ponto de vista jurídico, a suposta relação de amizade entre o representante da Pessoa Jurídica que ofereceu trabalho a José Dirceu e este, bem como a suposta dificuldade em fiscalizar um ente privado nessa hipótese. Com razão, o Tribunal, a partir do voto do Ministro Barroso, reconheceu que esses supostos obstáculos, além de carentes de qualquer fundamento racional, seriam sérios entraves à desejada ressocialização do preso por meio do trabalho, que muitas vezes só é possível a partir de iniciativas de determinadas empresas ou a partir de vínculos pessoais de confiança, por conta da natural desconfiança com relação a egressos do sistema carcerário.
Com isso, o Tribunal evitou ceder à sanha de parte da “opinião pública”, que cegamente clama por tratamento mais rígido aos réus da AP 470 do que às demais pessoas que cumprem penas no país, percebendo o enorme risco sistêmico e de retrocesso civilizatório que esse tratamento diferenciado poderia ocasionar.
Já com relação à prisão domiciliar de José Genoino, há que se discordar do entendimento majoritário do Supremo. Já disse, em artigo recente, que respeito profundamente o Ministro Barroso como pessoa, magistrado e acadêmico, assim como o admirava como advogado. Mas tal admiração não me impede de exercer o direito de crítica. Nesse caso o Ministro Barroso, a meu ver, parece ter feito pequena concessão à “opinião pública” (ou publicada), que acusaria (injustamente, é claro) o relator e quem votasse com ele de prestigiar a impunidade. Isso porque, no seu voto, o Ministro mencionou que a decisão seria excepcional, por se verificar a mesma situação no caso de diversos outros detentos do mesmo sistema prisional, e que não gozam do direito pleiteado.
Ora, com o devido respeito, a lógica me parece, nesse ponto, invertida. Até o senso comum indica que não se deve justificar um erro por outro. Se diversos presos estão indevidamente privados de cumprirem pena domiciliar, que se lhes garanta esse direito, e não se negue seu exercício a quem legitimamente o tem, apenas por uma suposta isonomia.
De todo modo, ainda que discordando da decisão, reitero minha satisfação do início de nova fase no Supremo Tribunal Federal, esperando que continue exercendo suas funções sem os arroubos e paixões individuais que tanto prejuízo podem causar à sociedade brasileira como um todo.
Sem mais arroubos autoritários; sem mais decisões monocráticas que, a despeito da interposição do respectivo recurso, não são levadas a plenário sem qualquer fundamento e subvertendo preferências legais (em outras palavras, restabelecendo o princípio da colegialidade); sem incidentes envolvendo a violação de prerrogativas de advogados nem acusações e ataques mútuos entre Ministros. Enfim, uma sessão normal de um órgão colegiado sério e respeitoso, tanto no trato entre seus membros, quanto na relação entre estes, os advogados e a sociedade em geral. A ausência percebida preencheu uma lacuna.
Assim foi a sessão da última quarta-feira (25), presidida pelo Ministro Ricardo Lewandovski, que está próximo de assumir definitivamente o cargo de Presidente da Corte. Nela, o Pleno do Supremo (e não a vontade isolada de um Ministro), decidiu dois recursos referentes à Ação Penal 470: um, referente ao direito ao trabalho externo de alguns réus, condenados ao regime semiaberto; o outro, referente ao pedido de prisão domiciliar de José Genoino, por razões de saúde.
Feitas essas observações gerais, vamos aos julgamentos em si.
Com relação ao trabalho externo, o Supremo apenas restaurou a aplicação da Jurisprudência amplamente majoritária sobre o tema – majoritária não apenas no próprio Supremo, mas em todo o Judiciário Nacional, no sentido de que o trabalho externo, no regime semiaberto, não depende do cumprimento de 1/6 da pena, caso em que não diferiria em nada do regime fechado e não levaria em consideração a realidade do sistema carcerário brasileiro.
Além disso, acertou o Supremo ao considerar insignificante, ao menos do ponto de vista jurídico, a suposta relação de amizade entre o representante da Pessoa Jurídica que ofereceu trabalho a José Dirceu e este, bem como a suposta dificuldade em fiscalizar um ente privado nessa hipótese. Com razão, o Tribunal, a partir do voto do Ministro Barroso, reconheceu que esses supostos obstáculos, além de carentes de qualquer fundamento racional, seriam sérios entraves à desejada ressocialização do preso por meio do trabalho, que muitas vezes só é possível a partir de iniciativas de determinadas empresas ou a partir de vínculos pessoais de confiança, por conta da natural desconfiança com relação a egressos do sistema carcerário.
Com isso, o Tribunal evitou ceder à sanha de parte da “opinião pública”, que cegamente clama por tratamento mais rígido aos réus da AP 470 do que às demais pessoas que cumprem penas no país, percebendo o enorme risco sistêmico e de retrocesso civilizatório que esse tratamento diferenciado poderia ocasionar.
Já com relação à prisão domiciliar de José Genoino, há que se discordar do entendimento majoritário do Supremo. Já disse, em artigo recente, que respeito profundamente o Ministro Barroso como pessoa, magistrado e acadêmico, assim como o admirava como advogado. Mas tal admiração não me impede de exercer o direito de crítica. Nesse caso o Ministro Barroso, a meu ver, parece ter feito pequena concessão à “opinião pública” (ou publicada), que acusaria (injustamente, é claro) o relator e quem votasse com ele de prestigiar a impunidade. Isso porque, no seu voto, o Ministro mencionou que a decisão seria excepcional, por se verificar a mesma situação no caso de diversos outros detentos do mesmo sistema prisional, e que não gozam do direito pleiteado.
Ora, com o devido respeito, a lógica me parece, nesse ponto, invertida. Até o senso comum indica que não se deve justificar um erro por outro. Se diversos presos estão indevidamente privados de cumprirem pena domiciliar, que se lhes garanta esse direito, e não se negue seu exercício a quem legitimamente o tem, apenas por uma suposta isonomia.
De todo modo, ainda que discordando da decisão, reitero minha satisfação do início de nova fase no Supremo Tribunal Federal, esperando que continue exercendo suas funções sem os arroubos e paixões individuais que tanto prejuízo podem causar à sociedade brasileira como um todo.
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Wadih Damous foi presidente por duas vezes da OAB do Rio de Janeiro e atualmente é presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro.
Créditos da foto: José Cruz/ Agência Brasil
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