2014, o ano em que Galvão saiu de férias para não voltar

Eles
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Você está vendo o jogo do Brasil com Camarões acompanhado de amigos. Tudo nos conformes, fora uma ou outra escorregada ufanista do locutor do canal pago.
Até que alguém — o mineiro TT — tem a ideia de colocar na Globo. “Vamos ver o Galvão para dar umas risadas”, é a sugestão. Um ou outro protesto na sala, a vitória já garantida, a atenção diluída, a cerveja. Ok, por que não?
Voltar ao Galvão é uma viagem no tempo. É como ver fotos do Natal de 86. Mas, se alguém esperava nostalgia, o que vem é a imagem daquele tio de terceiro grau inconveniente. Ao mesmo tempo, o alívio de que esse monopólio nos mundiais terminou.

Nas duas últimas Copas, a Globo perdeu quase metade da audiência. A abertura da Alemanha 2006 bateu 65,7 pontos. Na África do Sul, em 2010, caiu para 45,2 pontos. Brasil e Croácia marcou 37,5 pontos.
O mundo mudou, mas Galvão e Globo não. No terreno do folclore, continuam lá o bullying em Casagrande e Arnaldo e as gafes. Neymar foi chamado de Romário e um oriental na plateia pode ser “nissei, ele pode ser sansei. Ele pode nem ser brasileiro”. Houve leitura labial, também.
Junto com a histeria — e você precisa ser muito ingênuo para esperar o contrário –, o que temos é a velha arrogância combinada com uma incapacidade de adaptação aos dias de hoje. O que você faz quando não precisam mais de você?
No momento do gol de Fred (“Don Fredón”), o tira-teima da Fifa colocou o atacante em impedimento. Estava errado, embora a transmissão, diga-se, esteja sendo um show, superior, tecnicamente, a tudo o se apresentou por aqui.
Galvão ficou inconformado num grau absurdo. “A própria Fifa já admitiu que não funciona”, disse. Não era só patriotada. Começou uma diatribe sobre como a Globo não é autorizada a mostrar imagens durante a partida. “Não podemos mostrar durante a transmissão por questões contratuais”, afirmou. Eles não perdiam por esperar.
Fred não estava impedido, mas o chilique desproporcional de Galvão era uma espécie de aviso: “Eu já sabia!”, ele poderia ter dito. “Quem mandou a Fifa não ter o padrão Globo?” Faltava sacudir no ar o crachá, gritando “não é assim que se faz, não é assim que se faz, seus trouxas incompetentes!”.
Em 2010, havia 7,5 telespectadores das TVs abertas para cada um das por assinatura. Quatro anos depois, a proporção está em 6,8 por um. Vai diminuir.
Uma foto dos atletas na concentração sintonizados na Band teria deixado a direção da emissora chateada com a CBF. Tudo conspira contra. Ele já anunciou que 2014 é sua última Copa. É o Sarney da TV, a prova de que o Natal de 86 foi triste e de que dias melhores virão.
Sobre o Autor
Diretor-adjunto do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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