Vargas, o filme




"Getúlio" apura interesses ocultos de assessores de Vargas mas nada faz para mostrar a motivação real de golpistas de 1954

 O flilme “Getúlio” deve ser visto sob dois angulos. Como drama humano, é uma obra impecável. Os atores estão muito bem. Drica Moraes faz uma Alzirinha inesquecível e convincente. Tony Ramos faz um bom Getúlio. Você sabe o que vai acontecer na última cena mas não importa. O filme carrega a emoção até o fim.


 O problema é que o filme tenta descrever os últimos dias de Getúlio como uma novela policial, com mocinhos, bandidos, suspeitos, vítimas e culpados.


A crise de 1954, que levou Getúlio Vargas ao suicídio, não nasceu na rua Toneleiros, como sugere o filme. Não foi um tiro na madrugada. Nem seu principal ingrediente era o lado oculto dos assessores presidenciais, suspeitos de envolvimento em atividades condenáveis – que o filme, curiosamente, deixa no ar em vez de esclarecer.


Ignorar fatos políticos é tão complicado como falar da oposição a Luiz Inácio Lula da Silva sem mencionar a política de distribuição de renda de seu governo.

A oposição a Vargas cresceu e se organizou  depois que o então presidente decidiu dar um aumento de 100% no salário mínimo, que ficara congelado durante os quadro anos de governo Dutra. Foi aí que nasceu a irritação na classe média tradicional, que estimulou as  campanhas entre os militares, calúnias na imprensa  – a começar por Carlos Lacerda – e pedidos de impeachment no Congresso.

 Foi ali que nasceu uma “revolução errada”, porque contra o povo,  conforme as palavras sábias de autocrítica  de José Gregori, que em 19654 era lider estudantil do anti-getulismo paulista, mais tarde lutador pelos direitos humanos contra o regime de 64 e ministro da Justiça no governo FHC.

 Mas os “trabalhadores do Brasil”, referência obrigatória na política e na retórica de Vargas, são apenas mencionados, uma vez, num discurso, como se fossem isso – palavras num discurso. A lei que garantiu a criação da Petrobras, o maior legado de Vargas, é apenas referida de passagem. E assim por diante.


O filme  não explica porque havia tanta vontade de depor um presidente, em vez de respeitar o calendário eleitoral. E nada pode dizer sobre a multidão que saiu as ruas do país inteiro e mudou a história após o tiro no peito.

Você sai do cinema convencido de que se tentou apurar tudo o que se podia sobre os negócios ocultos de Gregório, o chefe da guarda presidencial, apontado como mandante do atentado da rua Toneleiros, onde um major perdeu a vida. Mas pode comprovar, também, que nada se fez para compreender a motivação oculta de Lacerda para conspirar desde sempre contra Getúlio Vargas.

Assim, embora seja um filme “inspirado em fatos reais”, como se diz no início, Getúlio mais esconde do que revela a realidade.


Paulo Moreira Leite
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".

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