UKIP em primeiro lugar, um terremoto na política britânica

O partido de ultra-direita liderado por Nigel Farage ficou em primeiro lugar com 27,50% dos votos, deslocando a oposição trabalhista para segundo lugar.

Marcelo Justo
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Londres - O terremoto UKIP (Partido da Independência do Reino Unido) nas eleições europeias mudou o tabuleiro político britânico. O partido eurófobo thatcherista e anti-imigração, liderado por Nigel Farage ficou em primeiro lugar com 27,50% dos votos, deslocando a oposição trabalhista para um segundo lugar e os conservadores do primeiro ministro David Cameron para o terceiro posto.

É a primeira vez na história política moderna que um partido, que não seja o conservador ou o trabalhista, ganha uma eleição nacional. Longe, em quinto lugar, atrás dos verdes, ficaram os sócios dos conservadores no governo, os liberal democratas, que ingressaram na dúvida hamletiana sobre o que fazer com seu líder, o vice-primeiro ministro Nick Clegg: livrar-se dele antes das eleições gerais de maio ou mantê-lo para não mudar de cavalo na metade do rio.


O Reino Unido elege 73 eurodeputados dos 766 que formam o parlamento europeu. A mensagem foi claramente eurocética. Em 2009, os conservadores ficaram em primeiro lugar com 27,7% dos votos, o UKIP em segundo com 16,5% e o trabalhista, então no governo, ficou em terceiro com 15,7%, e o liberal democrata em quarto com 13,7% dos votos. Cinco anos mais tarde, o UKIP aparece em primeiro lugar e se transforma na principal força britânica no parlamento europeu com 23 deputados, seguido por trabalhistas  e conservadores com 18 deputados cada um.

O voto de protesto é típico nas eleições europeias. Mas se a este resultado se acrescenta o das eleições municipais inglesas também realizadas na quinta, há uma clara tendência que situa o UKIP como a nova força do cenário político britânico dominado durante todo o século 20 e início do século 21 por conservadores, trabalhistas e, em terceiro lugar, liberal democratas.

O partido do excêntrico Nigel Farage ganhou votos dos conservadores pelo lado mais ideológico, dos trabalhistas aproveitando o medo da imigração cultivado entre a classe trabalhadora, e dos liberal democratas como voto de protesto. O UKIP é thatcherista e raivosamente anti-europeu, propõe a saída da União Europeia e uma liberdade de mercado radical, além de defender uma agenda conservadora no plano social, ou seja, está perfeitamente situado para representar o sul do país, onde se concentra, com a exceção da multicultural Londres, que é a região mais retrógrada em nível nacional. Mas o UKIP não se limitou a conquistar esse voto pela direita.

Com seu discurso anti-imigração, conseguiu representar as ansiedades de um setor da classe trabalhadora que vê seus postos de trabalho ameaçados pela “invasão” de romenos, búlgaros e poloneses. Isso se viu claramente em Rotherdam, um reduto trabalhista no norte do país que, nas eleições municipais de quinta, escolheu nove conselheiros do UKIP impedindo o trabalhismo de governar com maioria própria. “O país está cheio. Calculo que haja cerca de 10 mil imigrantes em Rotherdam, mais do que podemos ter”, disse ao jornal The Observer Ben Middleton, um desempregado de 30 anos, de Rotherdam.

Os liberal democratas costumavam ser o voto de protesto antes de integrarem a coalizão do governo com os conservadores após as últimas eleições gerais de 2010. Hoje fazem parte do “establishment” e o voto de protesto, que quer atingir o governo  a “classe política”, foi canalizado pelo UKIP. Além disso, o UKIP procurou silenciar os elementos reacionários mais enlouquecidos de seu partido e se apresentar como moderado, rejeitando uma aliança no Parlamento europeu com a Frente Nacional de Marine Le Pen.

Ninguém tem muito claro como remediar este avanço. Uma resposta é que o êxito do UKIP nas eleições municipais e europeias se dá graças ao voto de protesto e à abstenção, mas que esta equação é diferente nas eleições gerais. Esta visão sugere esperar que a poeira baixe e se acalme a turbulência provocada pelo crescimento do UKIP. Os partidos já não parecem muito convencidos desta espécie de pedido aos céus para que não chova mais. “O que fazer?”, pergunta-se Andrew Ramsley, um dos mais importantes comentaristas políticos britânicos. “Há muito pouco consenso. Nick Clegg tentou um debate televisivo com Nigel Farrage e não funcionou. David Cameron tentou ignorá-lo, insultá-lo, desqualificá-lo e imitá-lo.
 
Tampouco deu resultado. Também não parece muito crível que, de repente, o trabalhismo comece a defender um referendo sobre a permanência ou não na União Europeia”, conclui.

O descontentamento com a política tem o seu papel. Nas eleições de 1951, cerca de 80% dos britânicos foram às urnas. Nas de 2010, só 65%. A crise financeira de 2008, a austeridade da coalizão conservadora-liberal democrata e a sensação de que os políticos se afastaram da população, envolvidos pela bolha parlamentar de Londres contribuíram para esse desprestígio dos partidos tradicionais.

O trabalhismo tentou resolver isso com uma série de iniciativas que se assemelham a um programa de governo. O congelamento das tarifas de gás e eletricidade, o ataque contra formas extremas de flexibilização trabalhista, o aumento do salário mínimo, a proteção de inquilinos  e um ambicioso projeto de construção de moradias populares fazem parte de uma agenda dirigida a acalmar as ansiedades da classe trabalhadora, mas em um momento de descrédito da política e dos políticos tem um problema: com a desconfiança reinante ninguém acredita nas promessas que os políticos fazem em seus programas.
 
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

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