Programa de microcrédito já beneficiou 60 mil empreendimentos no RS

Em entrevista à Carta Maior, Guilherme Cassel, vice-presidente e diretor de crédito e marketing do Banrisul, analisa os resultados desse programa.

Daniel Cassol
EBC
Porto Alegre - Criado em 2011, o Programa Gaúcho de Microcrédito já financiou R$ 354 milhões para 60 mil pequenos empreendedores espalhados em 433 municípios do Rio Grande do Sul. A grande maioria dos empreendimentos – 90% - é informal. O que significa o atendimento a um importante setor da população que, historicamente, não tinha acesso às linhas de crédito tradicionais.

"Os mecanismos tradicionais de financiamento não enxergam essa população. Esta economia cresceu rapidamente, mas estava condenada à invisibilidade”, resume Guilherme Cassel, vice-presidente e diretor de crédito e marketing do Banrisul, banco estatal do Rio Grande do Sul.


O Banrisul é um dos agentes do Programa Gaúcho de Microcrédito, projeto do Governo do Rio Grande do Sul em parceria do banco com a Secretaria Estadual de Economia Solidária e Apoio à Pequena Empresa (Sesampe), Sebrae, prefeituras e instituições de microcrédito. Destinado a microempreendimentos populares, economia solidária e agricultura familiar, o programa vem obtendo resultados expressivos com uma política que envolve o acompanhamento dos beneficiados e a autossutentabilidade. Os valores financiados variam de R$ 100 a R$ 15 mil, com prazos de até 24 meses e taxa de juros de 0,41% ao mês. Num primeiro momento, o beneficiado só pode financiar até R$ 2 mil, só podendo obter outro crédito se quitar a dívida inicial.

“Esse acompanhamento e esse caráter evolutivo combatem na raiz o problema da inadimplência, que fica abaixo de 2%”, garante Cassel, em entrevista à Carta Maior na qual avalia os resultados do Programa Gaúcho de Microcrédito.

Qual é o perfil de quem acessa o Programa Gaúcho de Microcrédito?

Qual era nossa preocupação no começo? O Brasil cresceu nos últimos 12 anos e se fala muito na ascensão de uma nova classe média. Nós nos preocupamos em identificar, no Rio Grande do Sul, que setor era esse, qual era esta economia real, quem eram as pessoas e quais eram seus interesses. Acreditávamos que este setor se expandia, mas não tinha um atendimento bancário adequado. As linhas de crédito tradicionais no Brasil não conseguiam atender as necessidades reais dos micro e pequnos empreendimentos que surgiam na medida em que havia mais renda e crescimento. Em nossa tese, havia um contingente que era desassistido pelos bancos. E os resultados falam por si. Em três anos, liberamos R$ 354 milhões para 60 mil empreendimentos em 433 municípios gaúchos. Analisando os dados, vemos que 51% dos beneficiados são homens e 49% são mulheres. Comércio compreende 46% e serviços, 36%. Por constituição, 10% são empresas formais e 90%, empreendimentos informais, ou seja, uma costureira, uma pequena agricultura, um serviço qualquer. Dos recursos, 75% foram para capital de giro e 25% para investimento.

Uma das características dos programas de microcrédito é a baixa inadimplência. Por que isso ocorre e qual é a situação do programa gaúcho? 

O Programa Gaúcho de Microcrédito é um programa clássico de microcrédito. Seguimos a linha de pensamento de programas semelhantes na Índia, na Nicarágua, no México, ou seja, um programa acompanhado e evolutivo. É evolutivo porque a pessoa não pode entrar no programa já retirando R$ 15 mil. Primeiro tem que ser até R$ 2 mil. Não tem carência, há um prazo de 24 meses para pagar, e só depois que conclui o pagamento é que pode fazer uma operação maior. Esse acompanhamento e esse caráter evolutivo combatem na raiz o problema da inadimplência, que fica abaixo de 2%.

Que exemplos foram buscados nestas experiências de outros países?

Existem bons exemplos de programas de economia solidária e microcrédito no México, na Nicarágua, na Índia, e todos seguem esta regra. O sistema tem que ser autossustentável, ou seja, não pode ser subsidiado. É quase cooperativo, solidário.

Não é um crédito vulgar para ser usado em consumo ou numa aventura. Para buscar o financiamento, o interessado tem que ir a uma instituição conveniada, que possui técnicos capacitados para examinar a viabilidade do projeto, ajudar a construir opções reais e depois acompanhar o resultado. Se tirou R$ 2 mil, isso acarretou em uma renda maior? É suficiente para pagar a prestação do empréstimo? É um processo mais difícil, mas é o processo mais seguro e que dá mais resultados.

Para além dos resultados numéricos, existe algum estudo sobre os impactos do microcrédito junto aos setores beneficiados?

Não temos dado de pesquisa com fonte formal. Mas qual é o sentimento que temos, a partir do retorno da nossa rede de agências? Primeiro, é de que fato existe, principalmente nas regiões metropolitanas, uma economia real de pequeno porte, de iniciativa pessoal ou familiar, que necessita desse tipo de financiamento. É o sujeito que muitas vezes não tem uma propriedade e não pode ir ao banco dar a garantia. Os mecanismos tradicionais de financiamento não enxergam essa população. Esta economia cresceu rapidamente, mas estava condenada à invisibilidade. Não se olhava para o pipoqueiro, a costureira, a dona do salão de beleza, da carroça de cachorro quente, que estavam fora do sistema. Na medida em que se aproxima deste setor, com um projeto que dialoga com as condições reais, há uma reposta positiva. Quase 100% dos casos são de sucesso.

O Programa Gaúcho de Microcrédito foi estendido, por exemplo, a famílias de policiais militares e populações atingidas por vendavais. Por quê?

É possível estender o programa aos brigadianos, às populações atingidas por eventos climáticos, na medida em que o programa é desburocratizado e não exige garantidas. No caso das populações atingidas, se pode chegar com rapidez a esses locais. Isso aconteceu com estas populações, com famílias de policiais militares, com agricultores. O bom do programa é que ele tem flexibilidade e consegue, em função de uma demanda específica, responder com rapidez e segurança.

O programa é mais concentrado nas regiões metropolitanas ou tem capilaridade em todo o Estado?

Ele tem capilaridade. Está 433 municípios, praticamente em todo o Estado. O que se nota é que nas regiões metropolitanas há demanda é maior. Como falei antes, 36% dos microempreendimentos são de serviço e 46%, de comércio. São empreendimentos com muita demanda em cidades de médio e grande porte, onde estas iniciativas surgem. Uma pessoa que vende comida congelada, uma senhora que abre uma costura, esses pequenos empreendimentos voltados ao serviço e ao comércio, que são mais comuns nas regiões metropolitanas.

O sistema bancário brasileiro está preparado para esta nova demanda?

De fato, nos últimos dez anos houve um corte muito grande no sistema de crédito brasileiro. No Brasil, historicamente, o pobre não tinha crédito, não consumia. A partir do governo Lula, com o aumento da renda da população e a diminuição das desigualdades, se apresenta esta demanda por crédito. Os bancos oficiais tiveram um importante papel, como o Banco do Brasil e a Caixa, que foram induzidos a construir novas linhas de crédito, mais adequadas ao surgimento de uma nova classe média. E isso tem dado muito certo porque este sistema sustenta a economia. Quem segura o crédito no Brasil é este setor que ascendeu socialmente. Isso é interessante porque, de uma maneira geral, os bancos não estavam acostumados a este tipo de produto voltado para este público.

Qual é o impacto na economia do Rio Grande do Sul?

O Rio Grande do Sul foi o estado que mais cresceu no Brasil em 2013, evidentemente que por uma série de fatores. Há um programa de desenvolvimento industrial muito bem articulado, uma safra recorde ajudada por um plano estadual que potencializou o clima favorável. Sem dúvida, houve também a constribuição do programa de microcrédito, pioneiro no país, que ajudou no sentido de enfrentar todos os setores da economia. Foram atendidos a grande indústria, a agricultura e a economia de pequena economia. Foi uma qualidade do governo olhar a economia na totalidade e oferecer apoio a todos os setores. O microcrédito responde a uma demanda real. Se não existisse, o Rio Grande do Sul teria crescido bem, mas haveria um furo no projeto. O microcrédito preenche essa lacuna que existia historicamente.

O programa gaúcho é pioneiro no Brasil?

O Brasil tem uma experiência de microcrédito muito importante no Banco do Nordeste do Brasil, ainda no governo Lula. O Programa Gaúcho de Microcrédito foi implantado muito nos moldes do programa BNB, apesar de o nosso ser um programa clássico de microcrédito. São realidades diferentes. Mas adotamos os conceitos de acompanhamento, evolução e autossuficiência. Depois, o governo federal lançou o programa Crescer, que jogou as taxas de juro para baixo. Nós operamos com as taxas do Crescer, mas com a nossa metodologia.

Regionalmente, nosso resultado é o melhor do país, sem dúvidas. É um programa sólido e sustentável.

Qual é a meta prevista para este ano?

Nossa expectativa é fechar este ano com R$ 400 milhões em financiamento, mas trabalhando para chegar em R$ 500 milhões, com 80 mil a 100 mil operações realizadas.






Créditos da foto: EBC

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