Presidência da Comissão Europeia: uma decisão alemã

A eleição de Jean-Claude Juncker para a presidência da Comissão Europeia, pode ser o começo da recuperação do projeto de Angela Merkel para a Europa.

Flávio Aguiar
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Nesta terça-feira, 27, as manchetes proclamam que Martin Schulz, o candidato social-democrata à presidência da Comissão Europeia, decidiu apoiar seu rival, Jean-Claude Juncker, que concorre ao cargo pelo Bloco Conservador.

Estas manchetes se sucedem a uma reunião realizada ontem, segunda, entre a chanceler Angela Merkel e representantes do SPD alemão e à rotunda crítica feita por Daniel Cohn-Bendit a Schulz, acusando-o de ter feito uma campanha baseada num “nacionalismo disfarçado”. Cohn-Bendit, que se notablizou pelas jornadas de maio de 68 na França, é hoje deputado no Parlamento Europeu pelo Partido Verde alemão. E elas antecedem a reunião do Conselho Europeu – de chefes de estado – que começa hoje com um jantar oficial em Bruxelas. Cabe a este Conselho indicar o nome do candidato a presidente da Comissão ao Parlamento Europeu, que deve aprová-lo. Com o concurso de Schulz, e da social-democracia alemã, será impossível  não aprovar o nome de Juncker.


Politicamente, Juncker é um coringa de Angela Merkel. E Merkel, com seu prestígio próprio, é ponta-de-lança de Jens Weidman, o presidente do Banco Central Alemão, que nos últimos meses se viu confrontado a uma série de medidas pouco ortodoxas tomadas por Mario Draghi, o presidente do Banco Central Europeu. A dúvida que sobresai é,  se eleito Juncker, Draghi permanece no cargo. Apesar de todas as juras de que as direções de bancos centrais devam ser “independentes” da política, o que acontece é exatamente o contrário: as direções destes “holandeses voadores” (aquele navio fantasma que somente navega na calada da noite) da economia são por demais políticas, e se arrogam direitos que são negados à maioria dos cidadãos, como o de decidir sobre a vida destes. Ou Draghi terá de se curvar aos "novos tempos" e se dobrar às injunções de Juncker/Merkel/Weidman.

Assim, a eleição de Juncker pode ser o começo da recuperação do projeto de Merkel e do establishment alemão para a Europa, aprofundando os amargos remédios dos planos de austeridade, ao invés de minorando-os, tendência pela qual  vinha se inclinando Draghi recentemente.

As injunções da política europeia no momento são extremamente graves, em consonância com tendências manifestas em grande parte do “establishment” midiático do continente. A ascensão da extrema-direita na eleição do Parlamento Europeu não é surpreendente. É filha direta dos planos de austeridade, assim como a ascensão de Hitler em 33 também o foi. Criou-se a imagem – vendida à larga – de que a ascensão dos nazistas se deveu à inflação do pós-guerra de 14. Mas uma leitura mais acurada daquele “Zeitgeist” mostra que quando a ascensão nazista aconteceu de fato, a inflação que devastara a República de Weimar já estava controlada.

A ascensão da extrema-direita alemã ao poder se deveu muito mais diretamente à crise econômica de 29 e aos planos de austeridade fiscal e recessivos então implantados por Heinrich Brünning e Franz von Papen, que jogaram parte da classe trabalhadora, além da pequena-burguesia, nos braços das teses racistas então vigentes em toda a Europa – e abraçadas entusiasticamente por Hitler. É bom lembrar que as teses deste racismo moderno prosperaram primeiro na França do processo Dreyfus, e depois na Alemanha, embora então já tivessem projeção continental e mundial.

No momento a extrema-direita europeia se despe da pele de lobo racista e procura vestir a pele de cordeiro das “diferenças culturais”. Mas isto vai muito além do que a extrema-direita propugna. Estamos vendo a tese das “diferenças” aparecer, por exemplo, na sistemática campanha contra o Brasil, deflagrada em toda a Europa graças ao ressentimento anti-Copa e anti-governo (que também grassa em nosso país e faz crescer espantosamente as flores de estupidez sobre ele), país que é declaradamente condenado ao estigma da “cultura da corrupção”, da “violência”, da “inaptidão”, por inúmeros e súbitos “doutores em Brasil” que emergem de todos os rincões.

O Poder – assim com letra maiúscula – reside hoje no controle do mundo financeiro e da mídia tradicional, que andam de mãos dadas no mundo todo. E este mundo hoje está muito mais preocupado em levantar novos muros contra a “esquerda radical” e “os inimigos russos”, tendo se revelado e cultivado um clima muito mais complacente quando se trata de questões relativas à extrema-direita. Assim foi com relação às células neo-nazis na Alemanha, só descobertas depois de um suicídio dramático de dois dos neonazis envolvidos.

 
Assim também tem sido na política strictu sensu. Que os trabalhadores – como aconteceu em larga escala no Reino Unido, na França e outros lugares – se deixem seduzir pelas sereias da extrema-direita, enquanto o “Centrão” conservador aparece como “alternativa democrática” para “as pessoas de bem”, ou “equilibradas”.


É a tudo isto que a social-democracia alemã está se rendendo mais uma vez, preferindo o acordo governamental ao enfrentamento de projetos e de ideias. Vai ver porque na verdade não as têm. 




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