A decadência da Globo
A fantástica mesmice da Globo
O Fantástico se inovou no aspecto de ter se adiantado na semana: nos traz ainda no domingo o burburinho e mau humor quase sempre associados às segundas-feiras
Por Daniel Quoist
O novo Fantástico da TV Globo é mais do mesmo, e o jornalismo, se é que faz parte de suas ambições praticá-lo, praticamente não aparece. Chega a ser ridículo o excesso de tecnologia alardeado. Privilegia-se as máquinas, os robôs, os telões, a simetria dos jorros de luz, as falas, com suas caras e bocas igualmente ensaiadas.
Em uma época marcada por overdoses diárias de tecnologia, o apregoado novo Fantástico sepulta de vez o humano que deveria celebrar, afinal nada há de mais fantástico na vida que nossa humanidade, e com esta, nossa diversidade, engenhosidade, criatividade e beleza. O viés tecnológico é não mais que apenas um viés de nossa humanidade. Longe de ser o centro da vida, a tecnologia é para nos servir e não o contrário. E o novo Fantástico é esse contrário.
A começar pelo apresentador Tadeu Schmidt, tudo é over. A voz enfática em demasia, as sobrancelhas quase sempre arqueadas, o risinho falso de aparente aquiescência ao que lhe diz qualquer entrevistado, a verdade é que o Schmidt se compraz em brilhar em sua ilha da fantasia tecnológica particular.
O ritmo frenético e feérico, o abuso de imagens em vertiginosa transição, os cenários que duram bem menos que um segundo, a mudança de cores, luzes e sons se sucedendo indefinidamente nos remete aos anos 1970 com as festas Disco e ao estilo novela Dancin Days.
É cansativo e o único consolo é que por vezes queremos fechar os olhos quase que instintivamente. A ideia é nos conceder um refresco visual. Se o Fantástico se inovou em algo foi no aspecto de ter se adiantado na semana: nos traz ainda no domingo o burburinho e mau humor quase sempre associados às segundas-feiras.
Esse é exatamente o problema Globo. Dissociada da realidade, renegando o humano em favor do desumano, esse que está isento de erros e a quem se proíbe o improviso e rasgos possíveis de genialidade, a Globo conseguiu um terrível dom – tudo o que toca passa a perder a essência humana, tudo o que consegue comprar – de talentos humanos a parafernália robótica – entra em linha de produção e se pasteuriza, fica previsível... e com muita antecedência.
O jornalismo da Globo é fake do início ao fim. No novo Fantástico ele está lá, todo fake na pele de uma funcionária da casa, vendida como jornalista, que passa 24 horas interna em presídio de segurança máxima. Nada mais diferente da realidade que essa abordagem padrão Globo de jornalismo – tudo soa falso, desde as chamadas em clima de suspense policial, aos figurinos vestidos e as falas de infeliz jornalista desejando reforçar o que propõe esse simulacro de reportagem. Quisesse fazer uma reportagem estilosa, por que não entrevistar dois ou três presidiários? Por que não fazer uso de câmara oculta dentro de uma cela real, com prisioneiro real vivendo um dia real do cumprimento de sua pena?
A decadência da Globo parece estar alcançando todos os seus formatos de programas, formatos que embaralham tudo. O telespectador da Globo depois de um tempo parece abrir mão da inteligência ao descobrir que não sabe mais distinguir entre o que é ficção e o que é realidade, o que é jornalismo-real e o que é jornalismo-fake, o que são falas espontâneas e o que são falas cuidadosamente ensaiadas, interpretadas. O uso indiscriminado de um padrão estético que sempre privilegia a forma em detrimento do conteúdo faz com que uma simples reportagem sobre o trânsito caótico de nossas grandes cidades assuma ares de tomada de cena da franquia hollywoodiana “Velozes e Furiosos”, com direito a trilha sonora em ritmo de aventura sobre rodas, imagens alucinantes artificialmente aceleradas.
E foi assim que um boeing quase atropelou os apresentadores do novo Fantástico. Se alguém estava interessado em saber como um garoto sobreviveu, clandestino em um voo transoceânico, escondido no compartimento do trem de pouso, logo perdeu o interesse com a imagem pesada do boeing invadindo a cena dos que narravam o evento real.
Em dezenas de países do mundo, incluindo o Reino Unido, os Estados Unidos, a Espanha, a Turquia e a Rússia, vemos uma febre de shows de caça-talentos. São os famosos ‘X-Factor’ e o ‘Britains Got Talent’, formato simplérrimo contando com três a quatro jurados, econômicos em comentários, esbanjando simpatia e passando sinceridade nos parcos comentários. Foram programas assim que descobriram talentos como Susan Boyle e a banda juvenil One Direction.
Muito bem, no Brasil a TV Globo apresenta o ‘The Voice’ e consegue estragar o formato de forma irremediável. Começa pela escolha do apresentador (Tiago Leifert) e dos jurados (Carlinhos Brown, Lulu Santos, Claudia Leite, Daniel). Leifert parece irradiar corrida de cavalos, com seu fulgurante ego e incontido desejo de aparecer, faz o papel de apresentador precoce irritadiço que se esforça por parecer bem humorado. Os jurados pareceram trupe circense, cada um desejando roubar a cena. Brown com seu visual ridiculamente idiotizante, gritando palavras de ordens a uma plateia que se deixa comandar; Claudia Leite com suas caras, bocas e muitas tranças não dizendo coisa com coisa; Lulu Santos despejando frases feitas da mais pura compaixão; Daniel posando de bom moço. Em comum: nenhum dos jurados tem uma marca própria, nenhum parece conhecer o tema que deveriam julgar – música. E o resultado é previsível: passam o tempo rasgando seda entre si, fazendo breves conchavos infantis e no fundo, os aspirantes a cantores são colocados em absoluto segundo plano. Dificilmente um programa para descobrir talentos musicais que tenha um pretenso apresentador de mesa redonda sobre futebol e conte com um grupo de jurados com artistas que integram a segunda divisão de nossa MPB conseguiria fazer sucesso. Mas na Globo faz, relativo sucesso é verdade, mas ainda assim sucesso. Porque a Globo continua imbatível na arte da manipulação: consegue transformar em sonhos nada mais que reles pesadelos.
Poderíamos aproveitar para falar do prazo de validade vencido de novelas da Globo; do Jornal Nacional em ritmo eterno de vídeoclipe e se prestando ao papel de oposição sistematizada ao governo federal; às idiossincrasias do Jô Soares privilegiando seus colegas funcionários da casa como entrevistados; a cada vez mais patética edição do famigerado Big Brother Brasil, mas fiquemos por aqui.
O problema não é nem o novo Fantástico e nem o The Voice nacionalizado. O problema é o jeito Globo de fazer televisão.
Em uma época marcada por overdoses diárias de tecnologia, o apregoado novo Fantástico sepulta de vez o humano que deveria celebrar, afinal nada há de mais fantástico na vida que nossa humanidade, e com esta, nossa diversidade, engenhosidade, criatividade e beleza. O viés tecnológico é não mais que apenas um viés de nossa humanidade. Longe de ser o centro da vida, a tecnologia é para nos servir e não o contrário. E o novo Fantástico é esse contrário.
A começar pelo apresentador Tadeu Schmidt, tudo é over. A voz enfática em demasia, as sobrancelhas quase sempre arqueadas, o risinho falso de aparente aquiescência ao que lhe diz qualquer entrevistado, a verdade é que o Schmidt se compraz em brilhar em sua ilha da fantasia tecnológica particular.
O ritmo frenético e feérico, o abuso de imagens em vertiginosa transição, os cenários que duram bem menos que um segundo, a mudança de cores, luzes e sons se sucedendo indefinidamente nos remete aos anos 1970 com as festas Disco e ao estilo novela Dancin Days.
É cansativo e o único consolo é que por vezes queremos fechar os olhos quase que instintivamente. A ideia é nos conceder um refresco visual. Se o Fantástico se inovou em algo foi no aspecto de ter se adiantado na semana: nos traz ainda no domingo o burburinho e mau humor quase sempre associados às segundas-feiras.
Esse é exatamente o problema Globo. Dissociada da realidade, renegando o humano em favor do desumano, esse que está isento de erros e a quem se proíbe o improviso e rasgos possíveis de genialidade, a Globo conseguiu um terrível dom – tudo o que toca passa a perder a essência humana, tudo o que consegue comprar – de talentos humanos a parafernália robótica – entra em linha de produção e se pasteuriza, fica previsível... e com muita antecedência.
O jornalismo da Globo é fake do início ao fim. No novo Fantástico ele está lá, todo fake na pele de uma funcionária da casa, vendida como jornalista, que passa 24 horas interna em presídio de segurança máxima. Nada mais diferente da realidade que essa abordagem padrão Globo de jornalismo – tudo soa falso, desde as chamadas em clima de suspense policial, aos figurinos vestidos e as falas de infeliz jornalista desejando reforçar o que propõe esse simulacro de reportagem. Quisesse fazer uma reportagem estilosa, por que não entrevistar dois ou três presidiários? Por que não fazer uso de câmara oculta dentro de uma cela real, com prisioneiro real vivendo um dia real do cumprimento de sua pena?
A decadência da Globo parece estar alcançando todos os seus formatos de programas, formatos que embaralham tudo. O telespectador da Globo depois de um tempo parece abrir mão da inteligência ao descobrir que não sabe mais distinguir entre o que é ficção e o que é realidade, o que é jornalismo-real e o que é jornalismo-fake, o que são falas espontâneas e o que são falas cuidadosamente ensaiadas, interpretadas. O uso indiscriminado de um padrão estético que sempre privilegia a forma em detrimento do conteúdo faz com que uma simples reportagem sobre o trânsito caótico de nossas grandes cidades assuma ares de tomada de cena da franquia hollywoodiana “Velozes e Furiosos”, com direito a trilha sonora em ritmo de aventura sobre rodas, imagens alucinantes artificialmente aceleradas.
E foi assim que um boeing quase atropelou os apresentadores do novo Fantástico. Se alguém estava interessado em saber como um garoto sobreviveu, clandestino em um voo transoceânico, escondido no compartimento do trem de pouso, logo perdeu o interesse com a imagem pesada do boeing invadindo a cena dos que narravam o evento real.
Em dezenas de países do mundo, incluindo o Reino Unido, os Estados Unidos, a Espanha, a Turquia e a Rússia, vemos uma febre de shows de caça-talentos. São os famosos ‘X-Factor’ e o ‘Britains Got Talent’, formato simplérrimo contando com três a quatro jurados, econômicos em comentários, esbanjando simpatia e passando sinceridade nos parcos comentários. Foram programas assim que descobriram talentos como Susan Boyle e a banda juvenil One Direction.
Muito bem, no Brasil a TV Globo apresenta o ‘The Voice’ e consegue estragar o formato de forma irremediável. Começa pela escolha do apresentador (Tiago Leifert) e dos jurados (Carlinhos Brown, Lulu Santos, Claudia Leite, Daniel). Leifert parece irradiar corrida de cavalos, com seu fulgurante ego e incontido desejo de aparecer, faz o papel de apresentador precoce irritadiço que se esforça por parecer bem humorado. Os jurados pareceram trupe circense, cada um desejando roubar a cena. Brown com seu visual ridiculamente idiotizante, gritando palavras de ordens a uma plateia que se deixa comandar; Claudia Leite com suas caras, bocas e muitas tranças não dizendo coisa com coisa; Lulu Santos despejando frases feitas da mais pura compaixão; Daniel posando de bom moço. Em comum: nenhum dos jurados tem uma marca própria, nenhum parece conhecer o tema que deveriam julgar – música. E o resultado é previsível: passam o tempo rasgando seda entre si, fazendo breves conchavos infantis e no fundo, os aspirantes a cantores são colocados em absoluto segundo plano. Dificilmente um programa para descobrir talentos musicais que tenha um pretenso apresentador de mesa redonda sobre futebol e conte com um grupo de jurados com artistas que integram a segunda divisão de nossa MPB conseguiria fazer sucesso. Mas na Globo faz, relativo sucesso é verdade, mas ainda assim sucesso. Porque a Globo continua imbatível na arte da manipulação: consegue transformar em sonhos nada mais que reles pesadelos.
Poderíamos aproveitar para falar do prazo de validade vencido de novelas da Globo; do Jornal Nacional em ritmo eterno de vídeoclipe e se prestando ao papel de oposição sistematizada ao governo federal; às idiossincrasias do Jô Soares privilegiando seus colegas funcionários da casa como entrevistados; a cada vez mais patética edição do famigerado Big Brother Brasil, mas fiquemos por aqui.
O problema não é nem o novo Fantástico e nem o The Voice nacionalizado. O problema é o jeito Globo de fazer televisão.
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