A Copa do Mundo será uma festa!

Não estamos numa ditadura. Em plena democracia, iremos receber milhões de cidadãos de muitas outras nações que vem aqui para essa festa.

Fernando Kleiman (*)
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Foi hoje. Comprei bandeirolas e bandeiras numa dessas lojas de festa, ainda sem muito movimento. Estamos há menos de um mês para a Copa acontecer no Brasil e a movimentação existe, mas é pouca.

O clima de protestos e manifestações dos últimos tempos (ano, pra ser mais preciso) acabou ganhando força, menos na agenda concreta do país e mais no imaginário de nós brasileiros. Injustiças históricas e contradições profundas foram redescobertas, desmascaradas, de uma forma que o corpo social não sabe muito bem como lidar. Reeditamos explicitamente a ideia de vanguarda do atraso.

É verdade, o Brasil tem muitos problemas e os avanços da ultima década ainda nos coloca a léguas de distância de onde queremos chegar. Há muito que se fazer para mudar as raízes históricas de nossos problemas sócio-politico-culturais. Mas também existe outra verdade: mesmo que seja organizada por uma entidade como a Fifa, mesmo que tenha muito de circo comercial e mesmo que as barreiras econômicas para participar sejam enormes, a Copa será um momento único no país.

Não é preciso participar da Copa para ser parte dela. Estive na Copa da Alemanha e em mais nenhuma outra. A lembrança que tenho da Copa que “participei” é muito parecida com as demais: os "replays" de TV posteriores, repetidos incessantemente depois dos jogos, gravam na memoria com muito mais facilidade que o lance único presenciado em corpo presente. Os comentários com os amigos, os abraços dos gols, a festa independe de estar no estádio. A copa é do mundo.

Mas ao mesmo tempo, depois que passa, foi ali que ela ocorreu. E deveria ser assim antes e durante. Vai ser assim depois. Quando vivi a Copa da Alemanha, o clima não era muito mais animado que no Brasil. Os bares das cidades estavam lotados, e nos dias dos jogos, hordas de torcedores das mais diversas nacionalidades caminhavam lado a lado em direção ao Estádio. Lá também o metro não chegava dentro das arenas. Nas ruas das cidades sede e no interior, não havia muito mais que algumas bandeiras penduradas. “Mas o Brasil é um país alegre, contagiante!”. Vai ver, estamos amadurecendo.

Para o bem e para o mal, o clima das manifestações será lembrado apenas como nota de rodapé, bem como as obras inacabadas para realização do mundial. Vai ficar na lembrança da sociedade quem foram os artilheiros, quais foram os lances polêmicos e principalmente quem venceu. A memória coletiva também é seletiva. Filtra o que considera relevante em cada momento histórico, e isso ocorrerá em relação a esse grande momento do esporte mundial, independentemente das manifestações nas ruas.

Futebol é arte. Mesmo que se possa criticar seu aspecto dominante comercial, gols, dribles, defesas são pinturas que mexem com nossos corações. Pode não fazer o menor sentido, mas na hora que o filó balança, a gente é transportado para dentro das quatro linhas e se sente parte do abraço daqueles heróis em campo. É uma emoção contagiante. Como arte, toca outros sentidos, muito além do bolso ou da situação material do estádio. Tanto é assim que até em campo de várzea a gente chora na final do campeonato. Com os melhores do mundo por aqui, vai ser demais!

Não fazer parte dessa festa, achar que ela vai influenciar as eleições de outubro, tornar as questões do presente mais relevantes que as lembranças que ficarão no futuro é uma opção válida. Não é a minha. Acredito que nós somos capazes de viver de maneira proporcional às nossas oportunidades e problemas. Pra mim, a Copa é festa e vou fazer dela a maior alegria da minha vida. É quase um sonho ela estar acontecendo por aqui! E eu não irei contar para as futuras gerações que não vivi direito esse momento no país porque o clima não estava bom. 

Não estamos numa ditadura. Em plena democracia, iremos receber milhões de cidadãos de muitas outras nações que vem aqui para essa festa. Quem quiser, pode não participar. Mas a festa vai acontecer e eu não vou ficar no grupo que a perdeu.

Minhas bandeiras estão penduradas e vou seguir torcendo pelo Brasil, dentro e fora do campo. Sem complexos de vira-lata, esse é o nosso país. Contraditório, com seus atrasos, extremamente autocrítico, muito pouco orgulhoso de si, mas que faz as coisas acontecerem. E tenho certeza, quando terminar o mundial, teremos muito sobre o que nos orgulhar. Será uma bela festa, não só pra brasileiros, mas para o mundo inteiro.

(*) Economista, Mestre em Sociologia, militante da economia solidária. 


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