A Copa do Mundo não é a fonte de nossos problemas
A Copa do Mundo pode ser criticada por uma série de razões, mas ela não explica a qualidade da saúde e da educação pública. |
Da Carta Maior
O estudante americano Silvester Allan, de 21 anos, se prepara para a Copa do Mundo do Brasil desde 2012. Nas férias, procurou emprego para juntar dinheiro e apelou para os parentes para engordar as economias. Não se abalou nem com as notícias que leu de violência nos protestos de rua durante a Copa das Confederações, no ano passado. Assim que a FIFA abriu sua bilheteria eletrônica, comprou os ingressos pela internet. Depois, cuidou da reserva nos hotéis. No começo de junho desembarca no Brasil e pretende acompanhar a Seleção dos Estados Unidos nos três jogos da primeira fase, contra Gana, Portugal e Alemanha, sem muita esperança de ir às oitavas de final, mas já decidido a ficar por aqui mais uns dez dias para conhecer melhor o país.
Mais de 81 mil americanos fizeram como ele e já reservaram passagens aéreas para o Brasil durante o mundial. Outros 290 mil turistas fizeram o mesmo pelo mundo todo, de acordo com levantamento da Forward Keys e da Pires & Associados que não registra voos charters nem quem vai entrar no país por via marítima ou rodoviária, como argentinos e uruguaios. Os hotéis de cidades como o Rio de Janeiro registravam a vinte dias da copa uma taxa de reserva de 88%, com perspectiva de crescer mais dez por cento até o início da competição. "Se violência assustasse, americano não saia de casa. Acho que, apesar dos problemas, o Brasil vai perceber que a Copa do Mundo não é a fonte de seus problemas e fará uma grande festa para o mundo", diz Silvester Allan.
A menos de 15 dias da solenidade de abertura, que terá um show de bailarinos e Jennifer Lopez e Cláudia Leite cantando a música-tema 'We are one' na Arena Corinthians, em São Paulo, o brasileiro parece finalmente ter decidido trocar o choro dos erros na organização para se entregar à festa da paixão pelo futebol. Afinal, além do desfile dos maiores craques do planeta, os gargalos de telecomunicações, aeroportos e hospedagem parecem ter sido exagerados. O governo federal reforçou a segurança com modernos centros de operações nas doze cidades-sede e 20 mil homens das Forças Armadas nas ruas. Os novos estádios ficaram caros, mas enfeitam os olhos do torcedor. Quatro de cada dez brasileiros que viajavam para o exterior nesta época do ano adiaram os planos para acompanhar a festa aqui. Inacreditável: a previsão inicial de que o evento atrairia mais de 600 mil turistas estrangeiros e movimentaria outros três milhões de brasileiros, sem falar nas 73 mil horas em que o país estará em exposição para três bilhões de pessoas durante um mês inteiro, pode se tornar um gol de placa.
"É hora de o Brasil esquecer o complexo de vira-lata e celebrar a Copa do Mundo", disse a empresária Jeanine Pires, ex-presidente da Embratur, em um seminário sobre turismo realizado segunda-feira no Rio de Janeiro. O sentimento apontado pelo escritor Nelson Rodrigues diante dos fracassos futebolísticos nacionais antes de o Brasil conquistar a Copa do Mundo de 1958 parece ter batido no fundo do poço quando o ex-jogador Ronaldo Fenômeno, que ironicamente é integrante do Comitê Organizador Local (COL) da Copa, declarou, depois de posar para uma foto com Aécio Neves, candidato do PSDB à Presidência da República, estar envergonhado pelos atrasos e problemas enfrentados pelo país às vésperas da competição.
"É preciso examinar o que foi feito sem os preconceitos e mitos de que a Copa do Mundo do Brasil será a mais cara de todas, porque inclui investimentos para infraestrutura que só foram antecipados por causa do mundial. Contabilizar esses investimentos como custos da copa é um equívoco. O custo dos estádios do Brasil está no mesmo patamar da média praticada na Copa da Coreia do Sul e do Japão, em 2006, e da África do Sul, em 2010, e é mais barato do que os estádios que estão sendo construídos para a Eurocopa", disse o secretário-executivo do Ministério dos Esportes, Luiz Fernandes, em resposta às críticas veementes feitas em um seminário realizado pela Rádio CBN.
A Copa do Mundo pode ser criticada por uma série de razões, como os custos dos estádios, as privatizações mal explicadas, as remoções forçadas e os desmandos da FIFA, mas ela não explica a qualidade da saúde e da educação pública. Entre 2000 e 2010, o gasto público per capita por ano com saúde passou de US$ 107 para US$ 466, de acordo com dados do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde.
No mesmo período, a porcentagem do orçamento público destinado à saúde foi de 4,1% para 10,7%. Se todo o dinheiro dos novos estádios fosse para o setor o gasto per capita com saúde passaria para US$ 506. Se todos os recursos investidos em tudo o que a Copa antecipou também fossem destinados à saúde a despesa per capita chegaria a U$S 606. O problema é outro. Os Estados Unidos despendem US$ 3,7 mil ano com a saúde de cada americano. A Noruega chega a US$ 6,8 mil ano por cada norueguês. O dilema que a matemática não resolve é se um aumento agora de cerca de U$S 150 por ano para a saúde de cada brasileiro seria melhor ou pior do que a aposta de uma injeção extra na economia de R$ 142 bilhões e a criação de 3,63 milhões de empregos-ano conforme a previsão não desfeita pela Erns & Young e pela Fundação Getúlio Vargas com a realização do mundial.
Créditos da foto: Blog da Boitempo
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