A burocracia não tem fome
Empréstimo do Programa Mais Alimentos está parado há dois meses enquanto Secretaria do Tesouro do Brasil estuda mudança em resolução
Um financiamento no valor de US$ 30 milhões para combater a fome em Moçambique e no Senegal está emperrado há dois meses por causa da burocracia brasileira. Há cerca de 60 dias, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) do Brasil estuda a alteração de uma resolução para que os recursos possam ser liberados. Segundo dados da FAO, entidade da ONU responsável pela alimentação e a agricultura e presidida pelo brasileiro José Graziano da Silva, 222 milhões de africanos passaram fome na África subsaariana, em 2013.
O documento com o pedido de mudança da regra foi encaminhado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) em março. Desde então, segundo informações obtidas com exclusividade pelo portal brazilafrica, a resolução descansa na mesa do secretário do Tesouro, Arno Augustin, aguardando andamento. Sem a liberação da Secretaria, a nova resolução não pode ser analisada e aprovada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Pela resolução 3.512 de 2007, a taxa mínima de juros anuais para as operações de financiamento ou de equalização vinculadas à exportação de bens e serviços nacionais é de 2%. No entanto, se o recurso do Mais Alimentos fosse aprovado com esse índice, o financiamento extrapolaria o prazo máximo de 20 anos para pagamento estabelecido pela Câmara de Comércio Exterior (CAMEX). Por isso, há necessidade de diminuir a taxa de juros para, aproximadamente, 1,3% ao ano.
Moçambique e Senegal fazem parte do grupo HIPC, termo criado pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para países pobres e fortemente endividados, que recebem assistência especial dessas instituições. Em razão desse enquadramento, os dois países tiveram direito a uma concessão de crédito especial do programa Mais Alimentos Internacional – antes chamado de Mais Alimentos África. Nessa modalidade, os juros podem ser mais baixos do que o convencional.
Apesar dos crescentes recordes de crescimento econômico e dos progressos alcançados, Moçambique conta com nove milhões de subnutridos, o que representa 36,8% da população. É o que aponta o relatório ‘Situação de Insegurança Alimentar no Mundo’ publicado no ano passado pelas Nações Unidas (ONU).
No Senegal, 2,8 milhões de pessoas recebem alimentação inadequada – o que representa 21,6% do total da população do país. Ainda segundo o relatório da ONU, esses países enfrentam dificuldades para alcançar os Objetivos do Milênio, caso a tendência de desnutrição permaneça. A rubrica especial prevê que Moçambique receba mais de US$ 14 milhões e o Senegal, US$ 15 milhões.
Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa do Ministério da Fazenda informou que Secretaria do Tesouro não comenta a tramitação de documentos no órgão. Apesar das inúmeras tentativas, a redação não recebeu qualquer previsão para a aprovação da nova resolução.
Mais Alimentos
O Mais Alimentos Internacional foi criado em 2010, a princípio como Mais Alimentos África. O programa oferece cooperação técnica para que a produção de alimentos pela agricultura familiar seja um caminho para alcançar a segurança alimentar e nutricional dos países beneficiados. Até o momento, Gana, Moçambique, Quênia, Senegal e Zimbábue compõem essa lista de contemplados.
O financiamento permite a exportação de equipamentos e maquinários brasileiros para os países africanos e contempla projetos associados à produção de arroz, feijão, milho, mandioca, trigo, hortigranjeiros, leite, castanha, caprino, ovinos, café, gado para abate, suínos e aves, principalmente originários da agricultura familiar.
A iniciativa é importante porque também ajuda desenvolver o setor agropecuário, que em algumas nações possui a participação reduzida no Produto Interno Bruto (PIB). De acordo com o MDA, o montante de financiamento liberado para os países participantes chegou a US$ 456,7 milhões e foi amparado em projetos de cooperação técnica ou memorando de entendimento (acordo firmado entre países regidos pelo direito internacional).
O MDA informou que outros recursos do programa estão em andamento. No final de abril, o Brasil firmou o primeiro contrato comercial entre empresas nacionais e o governo do Zimbábue, no valor de U$ 35 milhões. O recurso deve ser liberado em junho. Outros países da África subsaariana já sinalizaram o interesse, de forma informal, em participar do programa brasileiro.
Redação brazilafrica
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