A burocracia não tem fome

Empréstimo do Programa Mais Alimentos está parado há dois meses enquanto Secretaria do Tesouro do Brasil estuda mudança em resolução
Um financiamento no valor de US$ 30 milhões para combater a fome em Moçambique e no Senegal está emperrado há dois meses por causa da burocracia brasileira.  Há cerca de 60 dias, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) do Brasil  estuda a alteração de uma resolução para que os recursos possam ser liberados. Segundo dados da FAO, entidade da ONU responsável pela alimentação e a agricultura e presidida pelo brasileiro José Graziano da Silva, 222 milhões de africanos passaram fome na África subsaariana, em 2013.
Pedido de alteração da norma aguarda nas mãos do secretário da STN, Arno Augustin Foto: Antônio Cruz/ABr
Pedido de alteração da norma aguarda nas mãos do secretário da STN, Arno Augustin
Foto: Antônio Cruz/ABr
O documento com o pedido de mudança da regra foi encaminhado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) em março. Desde então, segundo informações obtidas com exclusividade pelo portal brazilafrica, a resolução descansa na mesa do secretário do Tesouro, Arno Augustin, aguardando andamento. Sem a liberação da Secretaria, a nova resolução não pode ser analisada e aprovada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Pela resolução 3.512 de 2007, a taxa mínima de juros anuais para as operações de financiamento ou de equalização vinculadas à exportação de bens e serviços nacionais é de 2%. No entanto, se o recurso do Mais Alimentos fosse aprovado com esse índice, o financiamento extrapolaria o prazo máximo de 20 anos para pagamento estabelecido pela Câmara de Comércio Exterior (CAMEX). Por isso, há necessidade de diminuir a taxa de juros para, aproximadamente, 1,3% ao ano.

Moçambique e Senegal fazem parte do grupo HIPC, termo criado pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para países pobres e fortemente endividados, que recebem assistência especial dessas instituições. Em razão desse enquadramento, os dois países tiveram direito a uma concessão de crédito especial do programa Mais Alimentos Internacional – antes chamado de Mais Alimentos África. Nessa modalidade, os juros podem ser mais baixos do que o convencional.
Apesar dos crescentes recordes de crescimento econômico e dos progressos alcançados, Moçambique conta com nove milhões de subnutridos, o que representa 36,8% da população. É o que aponta o relatório ‘Situação de Insegurança Alimentar no Mundo’ publicado no ano passado pelas Nações Unidas (ONU).
No Senegal, 2,8 milhões de pessoas recebem alimentação inadequada – o que representa 21,6% do total da população do país. Ainda segundo o relatório da ONU, esses países enfrentam dificuldades para alcançar os Objetivos do Milênio, caso a tendência de desnutrição permaneça. A rubrica especial prevê que Moçambique receba mais de US$ 14 milhões e o Senegal, US$ 15 milhões.
Senegal, localizado no Sahel, conta com ajuda internacional para diminuir os índices de insegurança alimentar Foto:  Geoff Bugby/Heifer International
Senegal, localizado no Sahel, conta com ajuda internacional para diminuir os índices de insegurança alimentar
Foto: Geoff Bugby/Heifer International
Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa do Ministério da Fazenda informou que Secretaria do Tesouro não comenta a tramitação de documentos no órgão. Apesar das inúmeras tentativas, a redação não recebeu qualquer previsão para a aprovação da nova resolução.
Mais Alimentos
O Mais Alimentos Internacional foi criado em 2010, a princípio como Mais Alimentos África. O programa oferece cooperação técnica para que a produção de alimentos pela agricultura familiar seja um caminho para alcançar a segurança alimentar e nutricional dos países beneficiados. Até o momento, Gana, Moçambique, Quênia, Senegal e Zimbábue compõem essa lista de contemplados.
O financiamento permite a exportação de equipamentos e maquinários brasileiros para os países africanos e contempla projetos associados à produção de arroz, feijão, milho, mandioca, trigo, hortigranjeiros, leite, castanha, caprino, ovinos, café, gado para abate, suínos e aves, principalmente originários da agricultura familiar.
A iniciativa é importante porque também ajuda desenvolver o setor agropecuário, que em algumas nações possui a participação reduzida no Produto Interno Bruto (PIB). De acordo com o MDA, o montante de financiamento liberado para os países participantes chegou a US$ 456,7 milhões e foi amparado em projetos de cooperação técnica ou memorando de entendimento (acordo firmado entre países regidos pelo direito internacional).
O MDA informou que outros recursos do programa estão em andamento. No final de abril, o Brasil firmou o primeiro contrato comercial entre empresas nacionais e o governo do Zimbábue, no valor de U$ 35 milhões. O recurso deve ser liberado em junho. Outros países da África subsaariana já sinalizaram o interesse, de forma informal, em participar do programa brasileiro.
Redação brazilafrica
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