Todos de olho em US$ 1 trilhão

Agronegócio africano está pronto para um grande salto, aponta relatório do Banco Mundial
Imagine por um momento o impacto que um setor de agronegócio africano de US$ 1 trilhão teria sobre a vida dos africanos. Atualmente valendo cerca de US$ 313 bilhões, o setor já emprega 70% das pessoas mais pobres do continente.
Triplicar este valor vai trazer empregos e tirar milhões de pessoas da pobreza; a maioria das pessoas terá acesso a uma alimentação nutritiva; as exportações agrícolas africanas vão dominar os mercados globais; e os agricultores do continente, que sofreram o impacto das condições econômicas desfavoráveis, ganharão um novo impulso quando eles se tornarem competidores no mercado global. Este não é um sonho inalcançável. O relatório, “Growing Africa: Unlocking the Potential of Agribusiness”, calcula que o agronegócio africano valerá US$ 1 trilhão até 2030.
Sem varinhas mágicas
Mas nenhuma mágica fará com que um setor de agronegócio que vale US$ 313 bilhões se transforme em uma potência de US$ 1 trilhão. O Banco Mundial adverte que todos precisarão trabalhar muito – os governos, o setor privado, os agricultores, e assim por diante.

No entanto, os elementos para um salto estão posicionados. Por exemplo, além dos enormes recursos hídricos não explorados, a África tem mais de 50% das terras férteis e não utilizadas do mundo – sendo 450 milhões de hectares. O continente utiliza apenas 2% dos seus recursos hídricos renováveis, enquanto a média mundial é de 5%. O interesse constante e crescente do setor privado no agronegócio africano é apenas a cereja do bolo.
À primeira vista, o relatório do Banco Mundial apresenta uma imagem brilhante – até mesmo comemorativa – do potencial do agronegócio africano. Mas o documento também destaca de forma rigorosa os muitos obstáculos persistentes e recorrentes no caminho do progresso do desenvolvimento. De acordo com o documento, “para gerar os empregos, a renda e os alimentos tão necessários para a população crescente da África ao longo dos próximos 20 anos, as agroindústrias precisam se submeter a uma transformação estrutural”, e isso exige investimentos mais articulados no setor.
Vinícola na Cidade do Cabo, África do Sul Foto: Antoine Lorgnier/ Only World/Only France/France Presse
Vinícola na África do Sul
Foto: Antoine Lorgnier/ Only World/Only France/France Presse
Necessidades infraestruturais
De acordo com o relatório, “a infraestrutura é uma prioridade para impulsionar o agronegócio em toda a África. A melhores apostas para a infraestrutura são a irrigação, as estradas e os mercados”. Em 2010, por exemplo, a África produziu 1,3 mil kg de cereais por hectare de terra arável, o que corresponde a cerca de metade do que o sul da Ásia produziu por hectare, de acordo com o Banco Mundial.
Uma das principais razões para essa baixa produção é o pequeno percentual de terras aráveis irrigadas nos países africanos, apenas uma média de 3%, em comparação com a média de 47% dos países asiáticos, afirma a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Além disso, a falta de estradas rurais impede o acesso dos agricultores aos mercados e aumenta as perdas pós-colheita.
Embora seja necessário um maior financiamento no setor do agronegócio, foram registradas melhorias nos últimos tempos. Mesmo assim, apenas 7% da agricultura africana vem de investimentos estrangeiros diretos, em comparação com os 78% para a Ásia. A boa notícia é que, devido ao aumento dos preços das commodities, “o interesse cresce entre os investidores, fundos de capitais privados, fundos de investimento e fundos soberanos para aproveitar os mercados africanos de agricultura e do agronegócio”.
Em parte por causa da falta de infraestrutura e de investimentos, um continente com metade das terras férteis do mundo gasta US$ 33 bilhões em importações de alimentos por ano, incluindo US$ 3,5 bilhões em importações de arroz. Longe estão os anos, no início da década de 90, quando a África subsaariana era uma exportadora líquida de produtos agrícolas. Atualmente, as importações são 30% a mais do que as exportações.
O relatório diz ser surpreendente que os países em desenvolvimento, como Brasil, Indonésia e Tailândia exportem mais alimentos do que toda a África subsaariana somada. “O valor das exportações agrícolas da Tailândia (um país com 66 milhões de pessoas) já ultrapassa a de todos os países da África subsaariana (uma região com 800 milhões de pessoas)”.
Esta situação é insustentável, diz Gaiv Tata, o diretor do Banco Mundial para o Desenvolvimento do Sector Financeiro e Privado na África. “Os agricultores e as empresas africanas devem ser capacitados através de boas políticas, do aumento dos investimentos públicos e privados e de fortes parcerias público-privadas”.
Líderes africanos enfrentam o desafio
Não é que os líderes africanos precisem ser convencidos da necessidade de mais investimentos na agricultura, mas mais ações devem coincidir com as suas palavras. Em 2003, a Nova Parceria para o Desenvolvimento da África (NEPAD em inglês), um quadro da União Africana para o desenvolvimento socioeconômico do continente, lançou o Programa Abrangente de Desenvolvimento da Agricultura na África (CAADP) “para acabar com a fome e reduzir a pobreza através da agricultura.” Ao manifestar sua adesão ao CAADP, a maioria dos governos africanos concordou em investir pelo menos 10% dos seus orçamentos nacionais na agricultura e em aumentar a produtividade agrícola em pelo menos 6%.
Através do CAADP, a África está avançando lenta, mas gradualmente. Países como Gana, Etiópia, Ruanda e outros têm colocado a agricultura no topo de suas listas de prioridades de desenvolvimento. O chefe do CAADP, Martin Bwalya, diz que 40 países ou assinaram o acordo ou finalizaram planos de investimento nos últimos anos, enquanto 13 outros ainda têm de se inscrever para o CAADP. No entanto, o relatório NEPAD 2014 destaca que apenas nove dos 54 países da África já cumpriram a meta de 10% da dotação orçamental, enquanto outro grupo de nove países está gastando entre 5% e 10%.
Para comemorar 10 anos de CAADP, os líderes africanos declararam 2014 o “Ano da Agricultura e Segurança Alimentar na África.” A agricultura africana cresce em média 4% e os lideres esperam aproveitar esse impulso nos próximos anos. Os analistas acreditam que mesmo esses ganhos modestos são louváveis. Eles são um “forte contraste com o que muitos reconhecem como estratégias nacionais inadequadas ou até mesmo inexistentes, que anteriormente governavam o setor agrícola da África”, de acordo com a Brookings Institution, um think tank (instituição que atua no campo dos grupos de interesse de uma ideologia) com sede em Washington.
O Diretor Executivo da sede na África do Sul da Agribusiness Development Corporation, Hennie van der Merwe, acrescenta que “a África está atualmente passando por um renascimento em termos de seu foco no agronegócio, não somente para tornar-se autossuficiente, mas também para criar empregos e atividade econômica, especificamente nas áreas rurais”.
O Banco Mundial concorda. “Costa do Marfim, Quênia e Zimbábue têm sido todos exportadores de sucesso em termos de quota de mercado. Etiópia, Gana, Moçambique e Zâmbia se destacam como histórias de sucesso no continente em termos de aumentos significativos das quotas do mercado de exportação desde 1991.”
Garantir o direito à terra e alterar leis discriminatórias é prioridade para alavancar o agronegócio Foto: Guyot-Ana/ Only World/Only Frace/AFP
Garantir o direito à terra é prioridade para alavancar o agronegócio
Foto: Guyot-Ana/ Only World/Only Frace/AFP
Problemas de terra
Excluindo o compromisso político e os investimentos, outro problema persistente é a alocação e aquisição de terras. Os agricultores em muitos países não conseguem expandir sua lavoura porque eles têm acesso limitado à terra, e as leis discriminatórias, por vezes, impedem as mulheres de adquirir propriedade. O relatório do Banco Mundial aborda a necessidade de alocação de terras judiciosa e equitativa, salientando que essas atribuições não deveriam ameaçar os meios de vida das pessoas. As compras de terra também precisam seguir as normas éticas. Por exemplo, os compradores devem pagar taxas de mercado justas, após consulta com as comunidades locais.
Em 2011, o Instituto Oakland, um think tank com sede nos EUA, divulgou a existência acordos de propriedade de terra abusivos no Sudão do Sul, nos quais as empresas estrangeiras compravam terras férteis e, em sua maioria, não cultivadas. Tais acordos não esclareciam a posse e uso da terra, e, pior, até ameaçavam os direitos fundiários das comunidades rurais. “Os governos e investidores também devem criar salvaguardas ambientais e sociais eficazes para reduzir os potenciais riscos dos investimentos no agronegócio, especialmente aqueles associados com aquisições de terras em larga escala por parte dos investidores”, o instituto aconselha.
Há ainda certa distância a percorrer para realizar o sonho de um agronegócio de US$ 1 trilhão, mas muitos já se empenham. Gana e Senegal estão avançando com a produção de arroz, dizem que os 88 milhões de hectares de terras disponíveis na Zâmbia seriam bastante adequados para o milho, e a Costa do Marfim, Gana e Nigéria já são responsáveis por dois terços do cacau do mundo. Há uma abundância em águas e terras, aumentando o investimento do setor privado e do compromisso político, os quais fornecem lampejos de esperança para um setor sendo ressuscitado. O Banco Mundial diz que o agronegócio africano não é importante apenas para o bem da África, mas “essencial para garantir a segurança alimentar global.”
Reportagem de Kingsley Ighobor e Aissata Haidara/ Africa Renewal

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