Precisamos de nossos militares como heróis, não como vilões

Autor: Fernando Brito
rondon
A República foi proclamada por um militar, Deodoro da Fonseca.
O tenentismo, embora cheio de contradições, que o fez espalhar-se à direita e à esquerda, foi uma das maiores forças de modernização da vida brasileira.
Um general – depois Marechal – deu a este país as maiores lições de pacifismo e humanidade: Cândido Mariano Rondon, abolicionista, republicano e ele próprio mestiço.
Um general, Henrique Teixeira Lott,  foi por duas vezes – na posse de Juscelino Kubitschek e na tentativa de golpe de 1961 – elemento central na defesa da ordem democrática.

A carreira militar, por muitas e muitas décadas foi a mais democrática de todas e, frequentes vezes, a única forma de ascensão de pessoas mestiças, negras e de origem modesta na vida social.
Os militares sempre foram amados e respeitados pelo povo brasileiro.
Aliás, algumas vezes literalmente: muitas das colegas e amigas de minha mãe, no trem das professoras, se apaixonaram por militares com quem dividiam os vagões.
Os anos do regime militar foram mudando isso.
Passamos a temê-los.
Hoje, 50 anos depois do início daquela noite, os militares brasileiros deram seu maior passo para se desvencilharem daquela sombra.
Eu não temo “patrulhas” ao dizer que o Brasil precisa – e muito – de suas Forças Armadas.
Não porque tenhamos ou possamos ter ilusões de que elas pudessem ser capazes de enfrentar uma guerra, nos níveis absurdamente covardes e desiguais que têm hoje as guerras.
Mas porque elas podem representar um elemento de dissuasão eficaz contra apetites sobre nosso território e nossas riquezas.
Porque elas podem e devem ser um elemento impulsionador do nosso avanço tecnológico.
Porque elas podem e devem ser uma força de reserva do país para enfrentar calamidades de todo tipo.
Porque elas podem representar e representam, muitas vezes, o socorro material, médico, humano e milhares  de nossos irmãos que estão onde só elas se aventuram a ir.
Mas elas não podem ser, plenamente, tudo isso, se carregarem consigo o tabu daqueles 25 anos.
Um monstro como este Paulo Malhães, que relata, sem um pingo de dor, ter torturado, mutilado, assassinado e profanado cadáveres não representa os militares brasileiros. E muito menos os representa hoje.
O Ministro Celso Amorim e os chefes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica merecem o aplauso de todos, neste momento, por terem tomado a iniciativa das sindicâncias sobre o uso de instalações militares como câmaras de torturas.
Como elas serão feitas e até que ponto irão é outra questão, que a dinâmica dos fatos, a seu tempo, irá revelar.
As instituições, como as pessoas, só avançam para o futuro quando assumem seu passado, não quando os encobrem, enrustem, negam e falseiam.
Ninguém pense que os que buscamos a verdade e a revelação dos crimes nos animamos com vinganças pessoais, ainda mais contra gente que hoje anda pelos 80 anos.
Mas queremos que nossas instituições judiciais e militares digam; não, isso não pode ser tolerado nem mesmo no passado e não será.
Para que saibamos que não será tolerado no futuro.
Para que possamos, afinal, dizer: nunca mais.

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