Pepe Escobar: “Ucrânia e o grande tabuleiro de xadrez”
17/4/2014, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online − The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Jennifer Psaki, Porta-Voz do Depto. de Estado dos EUA |
O
Departamento de Estado dos EUA, pela porta-voz Jennifer Psaki, disse que
notícias de que o diretor da CIA John Brennan teria dito aos
mudadores-de-regimes em Kiev que “conduzissem operações táticas” – ou alguma
“ofensiva antiterrorista” – no leste da Ucrânia são “completamente falsas”.
Significa que as notícias são verdadeiras. Brennan já transmitiu a ordem de
marcha. No momento em que escrevo, a campanha “antiterroristas” – com seu
simpático toquinho de retórica à Dábliu – já degenerou em farsa.
Agora,
combinem essa notícia com o Secretário-Geral da OTAN, o cão-de-caça Retriever
holandês, Anders Fogh Rasmussen, a latir sobre o reforço militar ao longo
da fronteira leste da OTAN: “Teremos mais aviões no ar, mais navios na água e
mais prontidão em terra”.
Paguem ou
morram congelados
Vitaly Klitschko |
Para todos
os propósitos práticos, a Ucrânia está falida. A consistente posição do Kremlin
ao longo dos três últimos meses foi encorajar a União Europeia a encontrar
solução para a terrível situação econômica da Ucrânia. Bruxelas fez coisa
nenhuma; apostou tudo na “mudança de regime” que beneficiaria o
fantoche-campeão-de-boxe & preferido da Alemanha, Vitaly Klitschko,
também conhecido como “Klitsch, o boxer”.
A “mudança-de-regime”
aconteceu, mas do tipo orquestrado pelo Khaganato dos Nulands – uma célula
neoconservadora dentro do Departamento de Estado − e sua Secretária-Assistente
de Estado para Assuntos Europeus e Asiáticos, Victoria Nuland. E agora a opção
presidencial é entre – e como não seria? – dois fantoches dos EUA, o
fantoche-bilionário-do-chocolate, Petro Poroshenko e a “ex-Primeira-Ministra da
Ucrânia, ex-condenada e possível presidente, “Santa Yulia” Timoshenko. E a
União Europeia ficou com a conta a pagar (impagável). É onde entra o Fundo
Monetário Internacional, FMI – com um iminente, repugnante “ajuste estrutural”
que mandará os ucranianos direto ao inferno, para buraco ainda mais infernal do
que o que já conhecem e com o qual estão habituados.
Mais uma
vez, contra toda a histeria propagada pelo “Ministério da Verdade” dos EUA e
seus franqueados na imprensa-empresa ocidental, o Kremlin não precisa “invadir”
Ucrânia alguma. Se a Gazprom não receber o que lhe é devido, os russos só terão
de fechar a torneira do braço ucraniano do Gasodutosão. Kiev será forçada a
usar pelo menos uma parte do gás destinado a alguns países da União Europeia,
ou os próprios ucranianos ficarão sem combustível para manterem-se vivos – as
pessoas e as indústrias. E a União Europeia – cuja “política de energia” é,
sobretudo, uma piada – lá estará, enredada em mais uma dificuldade
autoinfligida.
Principais gasodutos atualmente em operação na Ucrânia |
A União
Europeia continuará a caminhar a passos largos para situação perene de
perde-perde, se Bruxelas não falar com Moscou, com seriedade. Só há uma
explicação para por que já não está falando: pressão linha-dura-duríssima por
Washington, montada mediante a OTAN.
Mais uma
vez, como contragolpe, contra a atual histeria – a União Europeia ainda é
cliente top da Gazprom, com 61% do total do gás exportado. É uma relação
complexa, baseada na interdependência. A capitalização do Ramo Norte, do Ramo
Azul e do ainda a ser completado Ramo Sul inclui companhias alemãs, holandesas,
francesas e italianas.
Assim
sendo, sim, a Gazprom precisa do mercado da União Europeia. Mas só até certo
ponto, se se considera o meganegócio de entrega de gás siberiano à China, que
será assinado muito provavelmente em maio, em Pequim, (vídeo a seguir, em inglês) quando o
presidente da Rússia visitará o presidente Xi Jinping.
Jogando
areia na engrenagem [1]
Mês
passado, enquanto o torturante sub-show estava em andamento na Ucrânia,
o presidente Xi andava pela Europa fechando negócios e promovendo outro braço
da Nova Rota da Seda, direto até a Alemanha.
Em ambiente
não Hobbesiano e não doente, uma Ucrânia neutra só teria a ganhar se se
posicionasse como um entroncamento privilegiado entre a União Europeia e a
proposta União Eurasiana – além de se converter em nó crucial de distribuição
na ofensiva chinesa da Nova Rota da Seda. Em vez disso, os “mudadores-de-regime”
do governo de Kiev estão apostando tudo na “associação” à União Europeia (que
jamais acontecerá) e deixando-se converter em base avançada para a OTAN (que é
o objetivo do Pentágono).
Se se pensa
num mercado comum de Lisboa a Vladivostok – ao qual visam ambas, Moscou e
Pequim – ele seria também magnífica solução para a União Europeia.
Nesse
contexto de possibilidades, o desastre na Ucrânia é realmente um pau, uma trava
metida na roda, um saco de areia jogado na engrenagem, uma cratera rasgada no
meio da estrada. E areia na engrenagem, trava na roda, cratera cavada no meio
da estrada que, crucialmente, só geram vantagem para um único ator: o governo
dos EUA.
O governo
Obama já pode – pode, talvez; ninguém garante – ter percebido que o governo dos
EUA perdeu a batalha pelo controle do Oleogasodutostão da Ásia para a Europa,
apesar de todos os esforços do regime de Dick Cheney. O que os especialistas em
energia chamam de “Grade Asiática de Segurança Energética” está crescendo –
como seus milhares de conexões para a Europa.
Assim, só
restou ao governo de Obama jogar areia na engrenagem, meter uma trava, um
calço, na roda desse processo – o que se vê ser feito agora – tentando ainda
impedir a plena integração econômica da Eurásia.
Oleogasodutos projetados que integrarão completamente a Eurasia (clique na imagem para aumentar) |
Pode-se
facilmente ver que o governo Obama está cada vez mais obcecadamente preocupado
com a crescente dependência da União Europeia, que não vive sem o gás russo.
Daí se inventou o plano grandioso de posicionar o gás de xisto norte-americano na
União Europeia, como alternativa à Gazprom. Ainda que se assuma que possa
acontecer, demorará pelo menos uma década – sem garantia de sucesso. Na
verdade, a alternativa real seria o gás iraniano – depois de um acordo nuclear
amplo e o fim das sanções ocidentais (esse pacote, o que não surpreende
ninguém, está sendo sabotado em massa por diferentes facções ativas dentro do
governo dos EUA).
Para
começar, os EUA não podem exportar gás de xisto para países com os quais não
tenha assinado algum acordo de livre comércio. É “problema” que poderia ser
solucionado, em boa parte, pelo acordo chamado “Parceria Trans-Atlântica”
[orig. Trans-Atlantic Partnership (TAP)] negociado secretamente entre
Washington e Bruxelas (sobre isso, ver 16/4/2014, redecastorphoto, Pepe
Escobar, “Pé na estrada pelo sul do OTANistão”, Asia Times Online,
traduzido [NTs]).
Em
paralelo, o governo Obama continua a usar táticas de “dividir para governar”,
com o objetivo de assustar atores menores, inventando o fantasma de uma China
maléfica, militarista, tentando reforçar o “pivô para a Ásia” que só engatinha
e não consegue pôr-se em pé. Todo o jogo volta sempre ao que o Dr. Zbig
Brzezinski conceitualizou nos idos de 1997, em seu The Grand Chessboard –
e cantou, até os mínimos detalhes, para seu discípulo Obama: os EUA no comando
de toda a Eurásia.
Mas o
Kremlin não se deixará arrastar para um sorvedouro militar. É justo dizer que
Putin identificou o Grande Quadro no tabuleiro inteiro, o que significa ampliar
a parceria estratégica Rússia-China, que é tão crucial quanto a sinergia
energia-manufatura com a Europa; e, sobretudo, o medo avassalador que sentem as
elites financeiras norte-americanas, do processo inevitável, em andamento,
conduzido pelos BRICS (e que já se expande para o Grupo dos 20, G-20, grupo
chave) – para deixar para trás o petrodólar.
Presidentes dos BRICS (esq. p/ dir) (Brasil, Índia, Rússia, China, África do Sul) |
Em resumo,
tudo isso sugere que o petrodólar será progressivamente superado, ao mesmo
tempo em que ascende uma cesta de moedas como moeda de reserva no sistema
internacional. Os BRICS já trabalham na construção de sua alternativa ao FMI e
ao Banco Mundial, investindo num pool de moedas de reserva e no Banco
BRICS de desenvolvimento.
Enquanto o
esforço tentativo de construir uma nova ordem mundial agita-se tentando nascer
em todos os pontos do Sul Global, a OTAN-Robocop sonha com mais guerras.
Nota dos tradutores
[1] Orig. Spanner in the Works. A expressão pode ser traduzida, por aproximação, por “areia (jogada) na
engrenagem”/”um pau metido na roda”. Resgatamos um pouco desse significado em
“o desastre na Ucrânia é realmente um pau, uma trava metida numa engrenagem”,
mesmo sabendo que nessa tradução perde-se um traço de “ação grotescamente
ridícula”. A expressão dá nome também a uma equipe de comediantes ingleses que
oferecem kits de comédias-eventos que se “misturam” a eventos reais,
causando grande confusão (pressupõe-se que a confusão que eles criam divirtam
os convidados). O modo como trabalham misturados a garçons de uma festa está
bem descrito em: Comedy Waiters.
Em Spanners in the Works há
boa exposição de como trabalham, por exemplo, misturados aos seguranças que
revistam convidados que chegam para um evento). Contatos. Aqui fica
a anotação, para resgatar um pouco do traço de ‘'palhaçada'’ [no sentido
pejorativo] da mesma expressão.
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista,
brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em
inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política do blog Tom Dispatch e correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos,
traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João
Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan:
How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red
Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
− Obama
Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
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