O baile de máscaras do perde e ganha eleitoral

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Wanderley Guilherme dos Santos

Oposições não ganham eleições; governos perdem. Perdem a maioria que os elegeu, para começar, mas não só. Arriscam perder reputação, confiança, carisma e adesão subjetiva. O poder do governo em exercício é sempre enorme, em princípio. Compreende-se: enquanto o governo mostra o que faz, quanto faz, onde e para quem fez, as oposições, em geral, limitam-se a reclamar do que não tenha sido feito e a oferecer promessas. O oficialismo, nem que por inércia, é notícia diária, propaganda em sentido extenso, espécie de prestação de contas homeopática. À oposição resta o malabarismo de seus jornais e órgãos de divulgação para transformar o feito em mal feito e deflagrar o para-sorites revelado por Paulo Henrique Amorim: o jornal inventa a notícia, a televisão repercute, os parlamentares discutem e o jornal divulga e comenta. Aí a televisão repercute e repete-se o ciclo, como clara de ovo batida, crescendo. Se não há uma rede igualmente poderosa de divulgação capacitada a contrapor um ciclo alternativo, o para-sorites oposicionista equivale a poderosa ferramenta propagandística subliminar e, por ironia, com a ajuda dos parlamentares governistas. Diabólico, mas surte efeitos.

Há um limite impossível de identificar quantitativamente para a paciência do eleitorado em relação aos mal feitos de um governo. Nem todo sorites oposicionista é eficaz, mas o antídoto não está na verdade que o governo se disponha a restabelecer. Um boato faz estragos mesmo quando é denunciado. São mecanismos de psicologia coletiva e individual ainda por serem explicados, mas é possível que, mesmo informadas de que tal ou qual acusação não tem fundamento, as pessoas tenham suas convicções abaladas por suspeitas. O que era impoluto fica exposto à vigilância já comprometida, qualquer deslize e o estrago será desproporcional. Uma forma de compensar a vantagem do governo, seus supostos equívocos, mesmo se esclarecidos, dão lugar a conseqüências magníficas.

Na propaganda a verdade é secundária. Ainda que desmascaradas, mentiras podem ser politicamente devastadoras. Ao se comprovar que não havia nenhuma participação de familiares de Getulio Vargas no atentado a Carlos Lacerda, em 1954, o presidente já se suicidara. Quanto a 1964, cinqüenta anos depois, ainda estão sob escrutínio os motivos, condições e atmosfera que dispararam e fizeram vitoriosa a sublevação de uma unidade militarmente irrelevante. Não é exclusivamente com a verdade que um governo se defende do sorites da oposição.

Reputação e carisma resultam de intrincado processo de construção que envolve, fundamentalmente, coerência. Um partido respeitado está vitalmente associado à previsão do que será capaz de fazer e do que em hipótese alguma virá a fazer. De um Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), no pré-64, jamais sairiam decisões contra aumentos salariais, por exemplo. Um partido no governo possui sempre uma agenda ainda por ser cumprida, dependendo dos desafios reais da política. As siglas partidárias de fortes raízes sociais representam promissórias universais para imprevistos eventos futuros.

Não houve surpresa nem acusação de quebra de palavra quando o governo de Fernando Henrique Cardoso deu início ao desmantelamento das entidades produtivas estatais. Nem haveria, caso as oposições atuais vencessem as eleições, quando os salários começassem a perder o poder de compra, o desemprego aumentasse e a remodelação da infra-estrutura material da sociedade fosse interrompida. Não precisam dizê-lo, seus apoiadores confiam na coerência partidária.

Quanto mais sólidos a reputação e o carisma, menor a capacidade destrutiva do sorites e boatos oposicionistas. Quanto mais coerente um partido, mais sólida sua reputação e carisma. Em cada eleição o que está crucialmente em jogo é este caráter de promissória universal assinada por um partido, cuja aceitação na praça depende de sua reputação e carisma, ou seja, de sua coerência. É esta riqueza intangível dos partidos no governo que as oposições buscam sacudir, intimidando, primeiro, os eleitores por assim dizer periféricos, aliados, do partido líder. Depois, buscando reduzir à paralisia, à inação, os apoiadores históricos da sigla. Em certos contextos, cada voto nulo ou em branco é um voto na oposição, uma recusa à promissória oficial.

Não há, no momento atual, dúvida bem fundada sobre o desempenho do governo. Declarações negativas em pesquisas são conjunturais, fruto, em parte, da operação do sorites oposicionista sem contestação eficiente. Mas há indiscutivelmente debates quanto às versões. No ambiente lusco-fusco das versões a imagem do governo aparece imprecisa e hesitante. É aí que se disputam reputação e carisma, crença na força preditiva das siglas, convicção que antecede o comportamento. Por ora as oposições não se apresentam encorpadas o tanto quanto requerido por uma indiscutível vitória nas urnas. Já quanto à disposição do governo para perder... este parece sofrer de um soluço a cada dia.



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