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Nova maioria circunstancial restitui a Suprema Corte ao País
O
Supremo Tribunal Federal voltou a comportar-se como uma Suprema Corte
que analisa as controvérsias e decide de forma juridicamente
fundamentada.
Antonio Lassance (*)
Vícios estavam se tornando virtudes
Há algo de novo no
Supremo Tribunal Federal. O órgão voltou a comportar-se como uma Suprema
Corte que analisa as controvérsias e decide de forma juridicamente
fundamentada; zela por seu espírito colegiado; respeita divergências;
evita a formação de panelinhas; e onde as decisões que prevalecem não
são aquelas dos ministros que gostam de ganhar no grito e intimidar os
demais.
Concorde-se ou não com as decisões proferidas em 2014, o
fato é que elas passaram a ser entendidas por juristas e advogados como
um sinal claro de que o STF ganhou uma nova cara.
A partitr da
entrada em cena dos novos ministros Teori Zavascki e Luís Roberto
Barroso, o Supremo voltou a ter a chance de alcançar seu equilíbrio.
Outros ministros que sempre tiveram uma postura mais institucional
deixaram de estar isolados e passaram a formar uma nova maioria.
A
decisão de quarta-feira (dia 2), a respeito do financiamento de
campanhas eleitorais por empresas, foi considerada exemplar desse novo
clima.
A tarefa dos ministros era apreciar e concluir a análise
da Ação Direta de Inconstitucionalidade interposta pelo Conselho Federal
da Ordem dos Advogados do Brasil (ADI 4650). A ADI tem o propósito de
abolir o abastecimento de campanhas eleitorais pelo dinheiro de
empresas.
Iniciado em dezembro de 2013, o julgamento havia sido
interrompido pelo pedido de vista do ministro Teori Zavascki. Já havia
quatro votos favoráveis à ação da OAB: Luiz Fux (relator), Luís Roberto
Barroso, Joaquim Barbosa e Dias Toffoli. Em dezembro, a sessão já havia
tido seus tímpanos agredidos pela posição de Gilmar Mendes em defesa do
financiamento privado.
Na volta do julgamento, Teori abriu
divergência. Não que concorde que empresas “doem” dinheiro a políticos e
partidos em campanhas, mas alega que o assunto é de competência do
Legislativo, e não do Judiciário.
Em seguida, o ministro Marco
Aurélio Mello antecipou seu voto e declarou posição favorável ao fim do
financiamento de empresas às campanhas de políticos.
Ricardo
Lewandowski, que anos antes havia comprado a briga, no STF e no TSE, em
favor da aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa, também votou pela
proibição do dinheiro de empresas em eleições.
Teori retomou o assunto e, ao proferir seu voto, deu pelo menos dois recados nas entrelinhas:
1)
Que a divergência entre ministros deve ser respeitada segundo seus
fundamentos jurídicos, e não levada para o ringue da disputa em favor de
interesses partidários. Tanto faz quem se beneficia de uma decisão do
STF, se gente do governo ou da oposição. Não é isso que importa em um
julgamento de ADI;
2) Não deve existir uma maioria alinhada no
STF para votar sempre da mesma maneira, comportando-se como uma panela
que abdica casuisticamente de convicções para derrotar sistematicamente
um grupo minoritário.
Gilmar Mendes não entendeu o recado, mas
ficou exposto. Pediu vistas sobre uma questão sobre a qual já manifestou
a decisão de manter o “status quo” do financiamento de empresas a
políticos.
Independentemente do pedido de vista de Gilmar Mendes,
a maioria já está formada, e a decisão, tomada - apenas ainda não
concluída e proferida. Resta agora decidir a partir de quando passará a
valer.
No julgamento anterior, sobre o crime de quadrilha na Ação
Penal 470 (“mensalão”), quem ficou mais exposto foi Joaquim Barbosa.
Ali, fez a acusação de que, desde a vinda de Teori e Barroso, uma
“maioria de circunstância” estava formada no STF para atender a
interesses de um governo e seus partidos.
O despautério seria
desmentido, dessa vez sob a liderança de Barroso, na semana seguinte,
quando este levou ao colegiado o caso do mensalão tucano. Em questão, a
competência ou não do Supremo para julgar Eduardo Azeredo, deputado do
PSDB de Minas Gerais que havia renunciado ao mandato. Em tese, a
renúncia justificaria a perda de foro privilegiado, ou seja, de
julgamento no STF. Só que contrariava frontalmente a AP 470.
Contrariando
as expectativas, Barroso votou pelo envio do caso a um juiz de primeira
instância. Argumentou ainda que o STF precisava de um critério sobre a
questão, pois o julgamento do tucano destoava flagrantemente de outros,
nos quais réus que já não eram mais parlamentares continuaram sob a
batuta do STF.
A declaração inimaginável de Barbosa, quando do
julgamento dos embargos sobre o crime de quadrilha da AP 470,
concordando que penas foram estipuladas de modo a levar alguns dos réus
ao regime fechado de prisão, foi considerada pela maioria dos ministros
como a gota d’água. A confissão de Barbosa, capaz de comprometer a
suposta lisura do julgamento, além de uma afronta a uma instituição
jurídica elementar, foi vista como a demonstração cabal de que vícios
estavam se tornando virtudes.
A nova maioria “institucionalista” do Supremo
No
caso de Azeredo, Barroso passou a borracha na prática empregada na AP
470. Ao contrário, invocou o princípio de que o réu deve ser julgado
pelo juíz que a norma estabelece como a autoridade competente para tal, e
não de acordo com outras conveniências “circunstanciais”.
O
recado de Barroso foi o de pedir que o STF cubra novamente os olhos e
tome suas decisões sem olhar quem está sendo julgado, nem que tipo de
predileção política ou pessoal os ministros eventualmente tenham em
relação aos acusados.
Em clima muito mais tenso, mas no mesmo
sentido, ocorreu a decisão tomada em 2013, com o voto decisivo de Celso
de Mello, sobre a aceitação dos embargos infringentes impetrados pelos
mesmos réus da AP 470.
O Supremo, ao que parece, conseguiu
finalmente reunir um núcleo de ministros capazes de combater a
contaminação da Corte pelo casuísmo, que afeta com a insegurança
jurídica, no final das contas, gregos e troianos.
Esse núcleo
majoritário reúne de seis a oito ministros do colegiado, muito
preocupados com o destino do Supremo. De modo mais concentrado, além dos
novatos (Teori e Barroso), Ricardo Lewandovsky, Dias Toffolli, Carmem
Lúcia e Rosa Weber. Celso de Mello e Marco Aurélio, mais antigos e
mantendo certa distância, também perfilham nessa linha institucional.
Ficaram
de fora, isolados, Barbosa e Mendes. Luiz Fux, de todos, é o mais
errático. Foi um dos mais agressivos no julgamento da AP 470, é
considerado escorregadio em termos de uma postura mais institucional,
mas não gostaria de permanecer isolado.
Essa maioria de ministros
quer superar erros e descomposturas graves, ocorridos principalmente
durante o julgamento do mensalão. Consideram que se ultrapassou o limite
da decência jurídica quando os argumentos técnicos foram trocados por
agressões e palavrões (“chicana”, “vista grossa” e outros termos que, na
visão desses ministros, desqualificaram o STF).
O compromisso é
também o de garantir que o STF volte a ser um órgão com uma postura
eminentemente colegiada. O que se quer evitar é a cristalização de um
presidencialismo imperial no STF, antes que o abuso se torne tradição.
Havia o receio também de que decisões monocráticas suplantassem o
colegiado, inclusive com a justificativa real de que a pauta está
assoberbada. Outra preocupação é de o estrelismo e a fogueira de
vaidades continuarem a tomar conta dos debates.
Nessa nova
maioria, nenhum dos ministros reivindica liderança ou ascendência
permanente. Ao contrário, querem tirar dos ombros o peso de tomar
decisões unilaterais ou de ter que estressar, politicamente, discussões
cujas repercussões ultrapassam partidos e mandatos.
Impossível
saber como esses ministros votarão da próxima vez. Ótimo. É assim que
deve funcionar uma Suprema Corte. Se conseguirem manter a linha, terão
livrado o STF de um grave risco: o de captura do órgão por uma maioria
orientada por um projeto de poder, governista ou de oposição.
O
clima de boteco pode ter finalmente acabado. Um ambiente mais sóbrio
tende a prevalecer, jogando para escanteio os ministros que preferem
tripudiar e que tentam ganhar as votações no grito - sabemos de quem
estamos falando.
Em 2014, essa nova maioria pode ter resgatado o
Supremo para que faça aquilo para o que foi criado: ser um órgão de
defesa da Constituição. O Brasil pode ter ganhando de volta uma Suprema
Corte que, ao invés de dar espetáculo, prefere fazer direito.
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