Na cena internacional há novos jogos perigosos e/ou curiosos...


O desenvolvimento da crise na Ucrânia catalizou tendências na cena política internacional e na mídia que mostram a existência de novos jogos em curso.

O desenvolvimento da crise na Ucrânia catalizou tendências na cena política internacional e na mídia convencional que mostram a existência de novos “jogos” em curso, alguns perigosos, todos curiosos. Nem sempre os jogos na cena coincidem com os jogos na mídia, mas seu entrecruzamento também pode ser significativo.

Desde a eclosão do golpe de estado que derrubou Viktor Yanukovitch em Kiev e do agravamento da crise com as ameaças até de dissolução da Ucrânia, boa parte da mídia ocidental está tomada e vem fomentando uma nova “russofobia”, apontando Moscou como a nova sede do “gênio do mal” e desenhando Vladimir Putin como um “Dr. No” a merecer algum tipo de tratamento à la James Bond ou quem sabe John Wayne.


Para esta tendência tudo na Ucrânia se deve a um planejamento maquiavélico de Moscou cujo objetivo é pulverizar em seu favor as fronteiras com a União Europeia, numa manobra do tipo “ontem a Crimeia, hoje o leste da Ucrânia, amanhã a Moldávia, depois de amanhã o Báltico e quem sabe até a Polônia”.

O mais recente capítulo deste cenário catastrófico está sendo desenhado na disputa em torno de quem foram os assaltantes que tirotearam com uma barreira de separatistas perto da cidade de Slavyanski, provocando três mortes entre estes e, ao que parece, tendo dois em suas próprias fileiras. Moscou, os separatistas, inclusive populares que foram aos funerais dos três, e toda a mídia russa garantem que eram membros do chamado “Setor à Direita”, grupo fascista que o governo de Kiev teria deixado de desarmar. Enquanto isto o governo de Kiev, com apoio dos Estados Unidos e inúmeros comentários na mídia ocidental levantam continuamente a teoria transformada em suspeita ou até em certeza, conforme o caso, de que o tiroteio não passou de uma provocação montada pelos russos para justificar uma futura invasão da leste da Ucrânia.

É necessário navegar com cuidado em meio a este pantanal do noticiário, pois o fato da mídia ocidental estar recheando-se continuamente com denúncias dos planos maquiavélicos e das infiltrações por parte dos russos, não quer dizer que peremeptoriamente não haja pelo menos infiltrações por parte deste últimos. Há também o fato de que o comportamento de alguns dos separatistas demonstram um preparo para-militar e uma truculência semelhante ao dos supostos “heróis da praça Maidan”, em Kiev, cuja vanguarda e retarguarda estavam recheadas de neofascistas, entre eles alguns saudosos dos ucranianos que saudaram a invasão nazista na Segunda Guerra como uma “libertação do jugo soviético”.

As denúncias antirrussas vão ao ponto de noticiar que os planos de Putin para a Crimeia envolveriam até a transformação da província reanexada num paraíso de jogo, e por aí afora.


Há também uma nova tendência – elaborada, mas também captada – de aproximar o governo russo da extrema-direita na Europa Ocidental. Tem havido, é verdade, manifestações de apreço por Putin por parte de líderes da extrema-direita do lado de cá dos Urais, como de membros do partido de direita Vlaams Belang na Bélgica (v. http://www.spiegel.de/international/europe/european-far-right-developing-closer-ties-with-moscow-a-963878.html ), manifestando certo apreço pelo presidente russo. A base deste paradoxal apreço vai além de uma simples admiração pelo estilo autoritário de Putin, ou das difilculdades deste com movimentos islâmicos em províncias russas como a Chechênia (o que o aproximaria do anti-islamismo da extrema direita européia). O fulcro desta “aproximação” seria mais propriamente o desejo de enfraquecer a União Europeia, coisa que é manifesta na extrema-direita, apesar de seu novo impulso para eleger uma bancada autônoma nas próximas eleições para o Parlamento Europeu em maio.
 
Quanto aos desígnios de Putin para com a UE eles estão mais para um enigma do que para certezas. É verdade que o apetite demonstrado pela União em relação a aproximação com Kiev (de que, no começo, o próprio Yanukovitch era partidário) tenderia a favorecer o desejo do seu enfraquecimento; por outro lado, Putin não pode ignorar que seus vínculos econômicos com os países da União são arraigados e profundos, como vêm demonstrando também a relutância de vários destes em assumirem sanções econômicas contra Moscou e a pouca popiularidade que as pesquisas vêm demonstrando em países como a França e a própria Alemanha em relação a tais sanções propostas pelos Estados Unidos. E é verdade que os próprios governos e autoridades da UE demonstraram uma certa complacência, talvez leniência, em relação aos fascistas da praça Maidan, mostrando que também deste lado há uma tendência a desenvolver “jogos perigosos”.

Mas há mais jogos estranhos no cenário internacional. Na última votação na Assembleia da ONU sobre a questão ucraniana, em que foi condenada a reanexação da Crimeia, Brasil e África do Sul se abstiveram. Isto mostra o quanto a diplomacia de Putin/Lavrov vem marcando posições e pontos pelo mundo. Mas o caso mais espetacular destes novos jogos é o da China. Desde que se tornou um competidor de proa no plano econômico em relação aos países do Ocidente – inclusive os Estados Unidos – a China vem realizando uma aproximação lenta, segura e gradual com a Rússia. Demonstram isto atitudes em relação à crise síria e a questão nuclear do Irã. A crise ucraniana fez a Rússia voltar-se, projetivamente,para os mercados asiáticos, o que trará certamente novas injunções a esta aproximação. Neste jogo, há uma curiosidade: aquilo que os regimes comunistas não conseguiram, que seria uma cooperação internacional entre Pequim e Moscou, os avanços, crises e feridas abertas e reabertas do capitalismo triunfante vêm promovendo.

Comentários