MP cobra rodízio de água e pode mover ação por improbidade a partir do dia 22

CARLOS VILLALBA RACINES/EFE
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Sistema Cantareira registrou apenas 12,2% de sua capacidade total nesta sexta-feira (11)

Reunião de promotores define linhas de investigação sobre usos do Cantareira. Promotoria do Meio Ambiente decide abrir nova investigação para apurar omissões e desvios na gestão da água

por Diego Sartorato, da RBA 

São Paulo – A partir do próximo dia 22, os governos federal e de São Paulo podem ser alvo de ações de improbidade administrativa caso não prestem as informações cobradas pelo Ministério Público desde fevereiro sobre a gestão das reservas do Sistema Cantareira, ou caso não deem resposta técnica à recomendação dos promotores pelo início imediato de racionamento para evitar o secamento das represas.

A decisão de intensificar as ações pela preservação da água durante a escassez hídrica mais grave da história do estado, que levou o Sistema Cantareira a registrar apenas 12,2% de sua capacidade total nesta sexta-feira (11), foi tomada ontem, durante reunião entre promotores públicos dos Grupos de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema) das regiões de Piracicaba, Campinas e Paraíba do Sul, além do promotor do meio ambiente do Ministério Público Estadual, José Eduardo Lutti, e a procuradora federal Sandra Akemi Shimada Kishi, coordenadora do Grupo de Trabalho de Águas do Ministério Público Federal.


A frente de promotores reuniu-se para organizar os diferentes inquéritos que, separadamente, analisam as consequências ambientais e sociais da grave estiagem que atinge o estado e a falta de justificativas técnicas para as medidas adotadas até agora para lidar com a situação, como a oferta de desconto nas contas de água para quem reduzir o consumo e a instalação de bombas para puxar o "volume morto" da represa.

O volume morto é a reserva de água que fica abaixo da sucção das bombas normais de água e onde estão cerca de 400 bilhões de litros, volume suficiente para abastecer a região metropolitana de São Paulo por aproximadamente quatro meses no nível atual de consumo. Além disso, a frente investiga a omissão do poder público diante de diversas indicações de que o racionamento de água já deveria ter começado a ser implementado. De acordo com o promotor Ivan Carneiro Castanheiro, do Gaema de Piracicaba, relatório da agência federal já apontava a necessidade de reduzir drasticamente o consumo de água em janeiro deste ano.

O Ministério Público prepara ainda novos inquéritos para analisar a possível transposição de águas do Rio Paraíba do Sul (que ajuda a compor as reservas hídricas do Rio de Janeiro) para abastecer a região metropolitana de São Paulo. A medida emergencial foi anunciada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) como alternativa para reduzir a dependência do Sistema Cantareira, bem como os problemas de gestão e fiscalização do serviço de abastecimento de água em São Paulo que vieram à tona por conta da situação de emergência, mas que prejudicam a gestão dos recursos hídricos no estado há décadas.

A data de 22 de abril coincide com o prazo final dado pelo MP para que a Agência Nacional de Águas (ANA), o Departamento de Águas e Energia do Estado (DAEE) e a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) do governo estadual prestem informações que são cobradas desde fevereiro sobre as medidas para preservação da água e, em especial, o uso do volume morto do Sistema Cantareira. "Nossa orientação agora é expressa pelo início do racionamento para garantir a manutenção dos níveis do reservatório, inclusive do volume morto, que o governador já quer começar a utilizar em 15 de maio", afirma Castanheiro. "Em primeiro lugar, a ANA ainda não autorizou a Sabesp a retirar água dessa reserva, e não sabemos qual quantidade ela deve outorgar. Em segundo lugar, não há estudo sobre como esta água será tratada, nem sobre o impacto ambiental do secamento integral das reservas do Cantareira, que pode acontecer", completa.

O uso do volume morto preocupa o MP por dois motivos principais: o primeiro é a qualidade da água. Quando as bombas de sucção começarem a puxar o volume morto, mais próximo do fundo da represa, a movimentação de sedimentos pode diluir substâncias tóxicas e lançar microorganismos na água, criando risco de tireoide, diarreia e outros problemas renais caso não haja o tratamento adequado dessa água. "As cidades do interior, onde as estações de tratamento de água são menos preparadas, não estão prontas para isso. Não existe nenhuma informação técnica sobre como esse tratamento da água será realizado", alerta Castanheiro.

O segundo ponto de preocupação é a possibilidade de que o uso do volume morto possa causar o secamento total das represas do Cantareira. "Não existe garantia de que vai chover no fim deste ano. Podemos enfrentar uma nova estiagem, como ocorreu agora. Se for assim, o volume morto seca em quatro meses, com graves impactos inclusive ambientais, pois essas águas fazem parte do equilíbrio ecológico do estado", pondera o promotor.

Outra medida prevista pelo Ministério Público para forçar São Paulo a economizar mais água é exigir a aplicação dos dispostos no Decreto Federal 3692, que confere à ANA o poder de declarar racionamento preventivo do sistema independentemente do governo estadual. "Assim, os municípios e os comitês de bacias estariam livres para decidir de que forma implantar o racionamento, mesmo que o governo estadual não queira tomar essa decisão agora", explica Castanheiro. O promotor lamenta que tanto o governo estadual quanto o federal estejam reticentes em tomar medidas impopulares, mas que preservariam as reservas hídricas do estado, às vésperas da Copa do Mundo e das eleições.

"Estamos tentando sensibilizá-los pacificamente, sem conflito, mas vamos processar se houver necessidade. Quando começarmos a usar o volume morto, já estaremos usando o 'cheque especial' da água. Depois disso, não tem mais o que fazer. Não dá para ficar torcendo por chuvas que não sabemos se virão", afirma.

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