Lavando a superfície
Na Itália "MÃOS LIMPAS" no Brasil "MÃOS LAVADAS". |
Por Luciano Martins Costa em 16/04/2014 na edição 794
Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 16/4/2014
Os jornais noticiam na quarta-feira (16/4) que a Polícia Federal
concluiu os quatro inquéritos da chamada Operação Lava-Jato, que aponta o
doleiro Alberto Youssef e seus associados como suspeitos de operar uma
rede dedicada a legalizar dinheiro de origem criminosa. Embora o
noticiário esteja centrado nas relações do doleiro com o ex-diretor de
Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e com o deputado federal
André Vargas (PT-PR), há aspectos ainda mais graves que a corrupção a
serem anotados pela imprensa.
Com base nos inquéritos, os procuradores do Ministério Público têm
cinco dias para apresentar denúncia à Justiça, e muito provavelmente a
peça que irão produzir vai fazer referência principalmente àquilo que
tem saído nos jornais, ou seja, o esquema de desvio de dinheiro público
para contas no exterior. Pelo que se pode ler nas reportagens, a rede
captava os recursos em obras superfaturadas e outras manobras de desvio
de verbas e entregava o dinheiro ao doleiro, que tratava da operação de
lavagem.
A conexão com políticos permitia que uma parte desses recursos fosse
aplicada em empresas de variados tipos, algumas fictícias, outras reais,
que eram beneficiadas em contratos públicos, com os quais se produzia
uma fonte legal para o dinheiro. Parte dessa verba ficava resguardada
para ser distribuída sob a forma de doações para campanhas eleitorais.
Outra parte, usada como uma espécie de poupança, era administrada para
assegurar uma vida confortável aos beneficiários.
Esse é o caso, aparentemente, de familiares de um irmão do ex-ministro
da Integração Nacional Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE), Clementino de
Souza Coelho, que foi presidente da Companhia de Desenvolvimento dos
Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).
Clementino Coelho, ex-deputado federal pelo PPS, foi flagrado sacando
dinheiro de contas administradas por Youssef. A estatal que dirigia até o
ano passado possui um orçamento bilionário para operações de combate à
seca no Nordeste e parte do Centro-Oeste. Os irmãos Coelho eram parte da
cota do ex-governador Eduardo Campos no governo federal antes de ele se
tornar candidato oposicionista.
Tráfico de drogas
Um dos aspectos mais perversos dessa organização criminosa é o fato de
ter envolvido projetos essenciais para o bem-estar da população mais
carente, como a distribuição de água nas regiões castigadas pela seca e a
produção de medicamentos mais baratos. Mas os inquéritos revelam muito
mais: a rede pode ter ligações com o financiamento do tráfico de drogas e
com o contrabando de armas.
Uma linha de investigação anterior, que chegou a ser relacionada ao
esquema, chamou a atenção de autoridades dos Estados Unidos por citar
suspeitos de terrorismo que teriam se abrigado na região da tríplice
fronteira do Brasil com o Paraguai e a Argentina. Portanto, trata-se de
muito mais do que apregoam as manchetes dos jornais, essencialmente
interessados no aspecto da corrupção que afete uma das partes
envolvidas.
Estamos diante de um sistema que nada fica a dever ao descalabro que
exigiu um verdadeiro esforço de guerra do governo italiano, nos anos
1990, na chamada Operação Mãos Limpas.
Concluídos apressadamente por causa dos prazos legais, os inquéritos
estão incompletos. Mesmo assim, produziram 31 mandados de prisão, 27
outras intimações para depoimento e 105 mandados de busca e apreensão. O
esquema revelado parcialmente pela Polícia Federal pode ter desviado R$
10 bilhões, em operações que envolviam outros doleiros, numa rede ampla
e capilarizada.
O grupo principal se agregava em quatro núcleos independentes entre si,
que faziam operações combinadas de lavagem de dinheiro e possuíam
negócios em comum. O alcance de suas ações dificilmente será
completamente elucidado numa operação policial de rotina, devido à sua
complexidade.
Segundo um promotor de Brasília, a lista dos “clientes” da quadrilha
inclui muitos cidadãos acima de qualquer suspeita. Portanto, é muito
provável que o noticiário continue limitado às relações do até aqui
quase ex-deputado André Vargas com os doleiros.
Lava-se a superfície, fica o resto para o próximo escândalo.
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