Haroldo Lima: Respeitem a Petrobras

 

 

A PolĆ­cia Federal fez busca na sede da Petrobras. A PF Ć© subordinada ao MinistĆ©rio da JustiƧa. Significa que o MinistĆ©rio autorizou a invasĆ£o da PetrobrĆ”s? O acontecido Ć© grave. Porque, encontrando-se ou nĆ£o pistas de dinheiro desviado; localizando-se ou nĆ£o gatunos que lĆ” estejam acoitados; o fato maior, muito maior, Ć© que estĆ” em curso um processo de desmoralizaĆ§Ć£o da Petrobras.

Por Haroldo Lima*, especial para o Vermelho


Claro que este processo se esconde atrƔs da cruzada contra desfalques, contra doleiros e outras tramoias. E claro que os larƔpios que estejam incrustrados onde estiverem precisam ser identificados e defenestrados. Mas hƔ mƩtodos e mƩtodos.

HĆ” mĆ©todos pelos quais, com inteligĆŖncia, disciplina, e firmeza de comando, quadrilhas podem ser localizadas e desbaratadas, nĆ£o se contaminando as instituiƧƵes onde elas estariam agindo. E hĆ” mĆ©todos em que, a partir da aĆ§Ć£o de falsĆ”rios, toda uma ofensiva pretensamente moralizadora Ć© feita para se estourar esquemas corruptos, ao tempo em que se destrĆ³i a reputaĆ§Ć£o e a autoestima da instituiĆ§Ć£o onde eles operavam. Ɖ o que parece estar sendo feito com a Petrobras. As consequĆŖncias para a NaĆ§Ć£o brasileiras sĆ£o graves.

Estava eu como diretor-geral da AgĆŖncia Nacional de PetrĆ³leo, GĆ”s Natural e BiocombustĆ­veis quando, em 2006, o prĆ©-sal foi descoberto. NĆ£o se tinha uma idĆ©ia clara de seu tamanho, mas sabia-se que era espantosamente grande. O governo da Ć©poca, sob a direĆ§Ć£o do presidente Lula, teve a clarividĆŖncia de promover uma revisĆ£o na legislaĆ§Ć£o existente e mudar o marco regulatĆ³rio para a provĆ­ncia recĆ©m-descoberta. Na ComissĆ£o Interministerial de oito membros, criada para formular um novo projeto de marco, foi unĆ¢nime a ideia de introduzir o contrato de partilha da produĆ§Ć£o, para aquela regiĆ£o.

Mais ainda, percebemos que, pelos investimentos financeiros necessĆ”rios e preparo tecnolĆ³gico adequado, sĆ³ uma empresa brasileira poderia participar da exploraĆ§Ć£o e produĆ§Ć£o no prĆ©-sal, a Petrobras. Para que o Brasil tivesse aĆ­ um papel decisivo, decidiu-se propor ao Congresso, e este aprovou, que o operador Ćŗnico na nova Ć”rea seria a Petrobras.

A maior parte do prĆ©-sal ainda estava em mĆ£os da UniĆ£o, em Ć”reas administradas pela ANP. A AgĆŖncia localizou entĆ£o dois pontos cruciais e autorizou a Petrobras a perfurĆ”-los. Descobriram-se as acumulaƧƵes de Franco e Libra, ambas gigantescas.

Deliberou-se ceder Ć  Petrobras a exploraĆ§Ć£o de Franco, sem licitaĆ§Ć£o, sem bĆ“nus de assinatura e pagando royalties de 10%. E decidiu-se levar Libra a uma licitaĆ§Ć£o, cobrando-se R$15 bilhƵes de bĆ“nus, fixando-se royalties de 15% e obrigando ao consĆ³rcio vencedor ter a Petrobras como operadora e a estatal PPSA como gestora do projeto. Quatro grandes empresas internacionais aceitaram consorciar-se em torno da Petrobras. O Brasil teve uma grande vitĆ³ria.

A exploraĆ§Ć£o do prĆ©-sal tem ainda muito por fazer. Se se desmoraliza a Petrobras, se seu conceito se dissolve, se seu valor de mercado cai, fica difĆ­cil ela cumprir o papel que a legislaĆ§Ć£o lhe reservou no novo marco da partilha. A desmoralizaĆ§Ć£o da empresa pode suscitar movimentos antinacionais sĆ©rios, dos quais dois sĆ£o mais evidentes: o primeiro, o da privatizaĆ§Ć£o da empresa, por ela ter perdido valor e prestĆ­gio; o segundo, o da mudanƧa do marco regulatĆ³rio do prĆ©-sal, no suposto de que a Petrobras nĆ£o teria mais condiƧƵes de cumprir o papel que a ela ali estava reservado, inclusive o de liderar outras grandes empresas em grandes empreendimentos.

Em qualquer das duas hipĆ³teses o golpe nos interesses nacionais seria enorme, Ć© inaceitĆ”vel.

Combater a corrupĆ§Ć£o Ć© dever de todo governo sĆ©rio. Desmoralizar a Petrobras Ć© jogar contra o Brasil, independente do pretexto.

Ɖ estranho que no paĆ­s onde os juros sĆ£o dos maiores do mundo, em que os bancos faturam uma enormidade, nunca a PF se aventurou a invadir a sede de um grande banco estrangeiro ou brasileiro.

Ɖ preciso saber quem autorizou a invasĆ£o da Petrobras, ou se ninguĆ©m autorizou.

*Haroldo Lima foi diretor-geral da AgĆŖncia Nacional do PetrĆ³leo, GĆ”s Natural e BiocombustĆ­veis.

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