Era uma vez uma CPI

A tentativa oposicionista de restringir o assunto da CPI a Pasadena foi fruto de um acerto para fazer um cordão sanitário em torno de Eduardo Campos.

Antonio Lassance
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Quem tem medo de uma CPI ampla?

Era uma vez uma CPI proposta para "identificar responsabilidades no setor da administração pública em decorrência de qualquer tipo de corrupção". Alguém contra?

A oposição é contra. O PSDB e seus coadjuvantes: o PSB, o PSOL e a intrépida trupe de senadores que são oposição em partidos que são governo, como Cristovam Buarque e Pedro Taques, do PDT; Pedro Simon e Jarbas Vasconcelos, do PMDB. Eles querem uma CPI minimalista, para não dizer míope, para investigar apenas a compra de uma refinaria em Pasadena, pela Petrobras.


Segundo a suspeita oposicionista, a refinaria fica do outro lado da rua que atravessa a Praça dos Três Poderes. Dá para ir a pé, do Senado. Pasadena fica, pelo que imaginam, no 3º. andar do Palácio do Planalto.

Essa não é a primeira CPI da Corrupção. Em 1988, o então senador senador Fernando Henrique Cardoso e a maioria dos parlamentares peemedebistas que, um ano depois, formariam o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), apoiaram o requerimento de criação de uma CPI que tinha como objetivo identificar responsabilidades “na administração pública” e em decorrência “de qualquer tipo de corrupção". 

Era, portanto, uma CPI ampla, geral e irrestrita. FHC manifestou-se favoravelmente a que o poder de fiscalização do Congresso fosse exercido “em toda a sua plenitude".

A “CPI da Corrupção” investigou, de tudo, um pouco. De liberação de verbas para prefeituras à gestão de Jader Barbalho no Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário (Mirad). Depois, fez-se um desvio de rota e a CPI passou a olhar contratos com empreiteiras - sempre elas - com suspeita de superfaturamento, a construção de um aeroporto na cidade natal de Sarney, entre outras coisas.

Anos depois, em 2001, eis que aparece outra proposta de “CPI da Corrupção”. Dessa vez, o PSDB é governo, e FHC, o presidente. O PT encabeçava a iniciativa e mirava desde as denúncias de compra de votos da emenda da reeleição; o caixa 2 em campanhas eleitorais (o ministro de FHC, Andrea Matarazzo, é citado); o tráfico de influência na Presidência da República; a privatização de uma empresa pública de telefonia; as verbas do antigo Departamento Nacional de Estradas e Rodagem (DNER); os desvios no Banpará (de novo, aparece o nome de Jader Barbalho) etc, etc, etc.

FHC, dessa vez, posicionou-se terminantemente contra a CPI. Seu ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência, Aloysio Nunes Ferreira, acusou o PT de ser “neo-udenista”, o que, como se sabe, significa dizer que alguém usa e abusa do discurso do combate à corrupção com a intenção golpista de derrubar o governo. A “cruzada ética redentora” acabaria por solapar as próprias bases da democracia no país, acusava Aloysio Nunes.

Os tucanos acabaram conseguindo impedir a instalação daquela CPI. Diziam que a mesma era desnecessária, pois o governo já investigava as denúncias. Parece que é o mesmo “script” de hoje, mas não é. As diferenças são muitas. A começar que a base governista criou sua própria CPI.

Além disso, à época de FHC, a Procuradoria-Geral da República era chefiada por um procurador que ganharia o irônico apelido de “Engavetador-Geral da Nação”. Sequer havia a Controladoria-Geral da União.

A Polícia Federal tinha, como seu Diretor-Geral, um filiado ao PSDB. Ele seria figura chave no desmonte da candidatura de Roseana Sarney, então do PFL, principal rival, no campo governista, da candidatura de José Serra à Presidência da República.


O jogo de comadres que uniu PSDB e PSB

Hoje, estamos diante da possibilidade de mais uma CPI da Corrupção. O governo Dilma chamou tucanos e eduardistas para dançar.

A estratégia visa, claramente, se contrapor à tentativa da oposição em torno de uma CPI exclusivamente da Petrobras e que teria como alvo direto não Pasadena, mas o Palácio do Planalto. Pasadena é pretexto. 

Ao criar uma CPI para chamar de sua, os governistas diluíram o foco da oposição. O governo percebeu o “jogo de comadres” entre PSDB e PSB. A tentativa oposicionista de restringir o assunto da CPI a Pasadena foi fruto de um acerto para fazer um cordão sanitário em torno de Eduardo Campos. Em troca, o PSB, depois de titubear em apoiar a CPI, acabou tornando-se um de seus mais enfáticos defensores.

Pelo acordo dos oposicionistas, Eduardo Campos seria poupado do risco de ser envolvido nas acusações contra a Refinaria “Abreu e Lima”, em Pernambuco. É impossível falar na refinaria sem que o assunto respingue em Eduardo Campos. Não só porque ele era, até semana passada, governador daquele estado.

A “Abreu e Lima” sempre foi propagandeada por Campos como uma vitória pessoal sua. O plano era levar a refinaria para Pernambuco, trazer empresas estrangeiras para ali fazerem grandes investimentos, relacionar o empreendimento ao porto de Suape e montar um grande complexo petrolífero que reposicionaria a economia do estado.

Em meio a tanta grandiloquência do discurso da grande política, havia a pequena política dos grandes negócios. A oposição tucana a Campos, em Pernambuco, sempre o acusou de usar Suape e “Abreu e Lima” para se promover.

Pior, o PSDB de Pernambuco levantava suspeitas de que Campos estivesse associando a obra a seu financiamento de campanha. Criticavam Campos por ter feito inúmeras viagens à Holanda para discutir negócios que interessavam a empreiteiras e outros grupos empresariais de seu estado. Grupos que, coincidentemente, depois aportariam recursos para a sua campanha.

Depois do acordo PSDB-PSB em favor da CPI sobre Pasadena,curiosamente, o assunto da refinaria “Abreu e Lima” deixou de sair da boca dos tucanos e, como num passe de mágica, sumiu momentaneamente do noticiário. Todo o esforço seria concentrado só na compra da refinaria de Pasadena.

O jogo bruto da política come solto, apimentado pelo calendário eleitoral e animado por capítulos de um novelão que vai longe. O próximo capítulo é a decisão do STF sobre quem tem razão: quem pede uma CPI ampla, ou quem quer restringí-la.

Repleta de expectativas, com uma fila de vilões, promessas de reviravoltas surpreendentes e clima de suspense, a guerra de CPIs deixa no ar uma questão: para que servem e para onde vão as CPIs?


As CPIs de hoje e seus fantasmas

Essa deve ser a terceira CPI da Corrupção - ampla, geral e irrestrita. Ela se instala sob a sombra de vários fantasmas: a CPI dos Correios (que resultou no escândalo do “mensalão”), a CPI do “Fim do Mundo”, a CPI do Banestado, a CPI do Cachoeira.

Lula, na entrevista aos blogueiros (8/4), chamou para a briga. Conclamou os petistas a defenderem Dilma. Mandou os deputados e senadores serem mais aguerridos. Lembrou que não se pode cometer os mesmos erros que levaram o PT a abaixar a cabeça no “mensalão”. "Se você baixa a cabeça, eles colocam uma canga em cima".

A CPI do “Fim do Mundo” começou como CPI “dos Bingos”, feita para investigar o bicheiro Carlos Cachoeria - ele depois daria mote a uma outra, a CPI “do Cachoeira”. Cachoeira agora disputa, com Jader Barbalho e Matarazzo, o posto de quem mais provocou CPIs no Congresso.

Aqueles que acham que nascemos ontem, que hoje pedem CPIs restritas e bem definidas e pensam que não nos lembramos do que eles fizeram no verão passado, usaram aquela CPI “dos Bingos” para pular dos assuntos de Cachoeira para o “mensalão”; para os casos de assassinato dos prefeitos petistas Toninho do PT, de Campinas, e Celso Daniel, de Santo André; para os contratos de coleta de lixo em Ribeirão Preto; para as empresas GTech; para a Caixa Econômica Federal; para o boato reproduzido pela revista Veja de que dólares “cubanos” teriam vindo em caixas de bebida para abastecer a campanha de 2002; e até para a “máfia do apito” do Campeonato Brasileiro de Futebol.


CPIs de políticos x CPIs de políticas

Dois tipos de CPIs hoje tomam conta do Congresso: as que investigam políticos e as que investigam políticas. As primeiras estão em franca decadência. As segundas sempre viveram sob o risco de serem condenadas à irrelevância.

As CPIs que investigam políticos, mesmo as que incidem sobre membros do Congresso, acabam tendo seus resultados dependentes mais dos procedimentos das comissões de ética e das decisões do plenário do que propriamente das investigações. Com a instituição do voto aberto, a pressão em favor das renúncias se tornou ainda maior, e o peso dessas CPIs, cada vez menor.

As CPIs que investigam governos normalmente chovem no molhado. Todas as denúncias e revelações com as quais trabalham já foram feitas pelos órgãos de fiscalização e controle, pela Polícia Federal ou por tribunais. Ninguém mais troca uma delação premiada por um depoimento em CPI. 

Raros são os depoentes que vão às CPIs sem um prévio “habeas corpus” que lhes garanta o direito de permanecer calados e a satisfação de fazerem os parlamentares perderem seu tempo à toa, ouvindo a mesma resposta: “reservo-me o direito de permanecer calado…”.

O desgaste das CPIs feitas para animar eleições, que fazem muito barulho por nada, tende ajudar que as CPIs de políticas públicas prevaleçam. Mas, para isso, a relação entre os governos e os legislativos precisaria mudar. 

Por enquanto, o descompromisso da maioria dos governos com CPIs propositivas são um tiro no pé. Fazem parecer que CPI pra valer tem que ter dedo na cara, berros e algemas.

A maioria das pessoas ainda associa o sucesso de uma CPI à derrubada de um ministro, à cassação de um parlamentar, à prisão de um malfeitor ou de quem quer que seja.

A última CPI que conseguiu prender alguém foi a da pedofilia. Mesmo assim, porque um depoimento estava sendo acompanhado ao vivo por uma autoridade judiciária que, assim que o depoente proferiu sua última frase, já tinha uma ordem de prisão aguardando sua saída do recinto.

As CPIs, ao contrário, deveriam ter como principal resultado a criação de novas leis e a avaliação de políticas e programas, com a recomendação de mudanças e de maior controle pelo próprio legislativo. O resto é pose para fotografia. Se esvai após os flashes.

Dos governos, se esperaria que eles pegassem carona, no melhor sentido, no trabalho das CPIs para apoiar iniciativas legislativas e modificar sua conduta.

A CPI do Sistema Carcerário, criada em 2007, fez o mais profundo diagnóstico da crise permanente que ainda abala essa área. Dos 12 projetos de lei apresentados, nenhum chegou a ser aprovado. A principal proposta, o Estatuto Penitenciário Nacional, demonstra bem a disposição dos parlamentares de se debruçarem sobre o tema: a comissão especial para analisar o projeto sequer chegou a ser criada.

Essa CPI voltou a ser lembrada com a crise no Maranhão, no início deste ano, dramatizada pelas cenas tétricas de degola na Penitenciária de Pedrinhas. O relator daquela CPI, por coincidência, era um deputado maranhense, o combativo Domingos Dutra.

Dutra chamou o episódio de Pedrinhas de uma “tragédia anunciada”. A expressão nos dá um bom contraste para confrontar quem acha que o principal problema das CPIs ainda é quando elas acabam em pizza. É muito pior quando elas acabam em tragédias, com sangue no lugar do molho de tomate.

 
(*) Antonio Lassance é cientista político.

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