Crime comum, queima de arquivo, acerto de contas?

Assassinato do coronel reformado Paulo Malhães, 30 dias após ter confessado que torturou, matou e ocultou cadáveres na ditadura preocupa autoridades. 

 Najla Passos

Agência Brasil

Brasília - Há exatos 30 dias, o coronel reformado do Exército, Paulo Malhães, confessou à Comissão Nacional da Verdade (CNV) que torturou, matou e ocultou cadáveres de presos políticos da ditadura civil militar, além de detalhar como funcionava a Casa da Morte de Petrópolis, um centro clandestino de tortura onde pereceram cerca de 20 militantes. Antes, havia admitido à Comissão da Verdade do Rio de Janeiro e à imprensa que havia participado do ocultamento do cadáver do ex-deputado Rubens Paiva, sobre cujo desaparecimento em 1971 a ditadura sempre negou responsabilidade.

Mas no país que ainda se vale de uma Lei da Anistia fabricada pelos próprios militares, em 1979, para perpetuar a impunidade, saiu ileso de qualquer responsabilidade. Continuou a gozar sua aposentadoria custeada com recursos públicos na sua chácara na zona rural de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, onde foi assassinado na noite desta quinta (24). De acordo com as informações preliminares da Polícia, três homens invadiram a propriedade, amarraram a esposa e o caseiro, asfixiaram o militar e roubaram as armas por ele colecionadas.

O crime guarda semelhanças com um outro ocorrido em novembro de 2012, quando o também coronel reformado do Exército Júlio Miguel Molinas Dias, foi assassinado na sua casa, em Porto Alegre. Segundo a Polícia, em uma tentativa frustrada de roubos de armas: a vítima também seria uma colecionadora.

Ex-diretor do Doi-Codi do Rio de Janeiro, Molinas guardava no local um termo de apreensão de objetos pessoais e documentos do ex-deputado Rubens Paiva, indício forte nunca antes revelado de que o preso político desaparecera em uma prisão do regime.

O assassinato de Malhães, descoberto na manhã de hoje, preocupou as autoridades, em especial os membros das comissões da verdade que dependem de depoimentos como o dele para concluir o desafio de contar a história do período autoritário. Coordenador da CNV, Pedro Dalari foi bastante comedido nas palavras ao pedir ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que determinasse que o trabalho de investigação da Polícia carioca fosse acompanhado pela Polícia Federal, dada a possibilidade do crime manter relações com a investigação conduzida pela comissão, que é órgão federal.

O coordenador da Comissão do RJ, Wadih Damous, entretanto, verbalizou a preocupação que toma conta dos militantes dos direitos humanos do país: o crime pode ter sido uma “queima de arquivo” para prejudicar as investigações em andamento e liquidar de vez com a possibilidade de restauração da verdade e, consequentemente, de uma futura punição para os culpados.

Brilhante Ustra, outro coronel reformado do Exército que atuou como diretor do Doi-Codi de São Paulo, acumulou responsabilidade por mais de 500 sessões de torturas e continua livre a politicamente atuante, reagiu indignado às suspeitas.

“Acabamos de ouvir na Globo News, ditas pelo repórter, as declarações de Wadih Damous, precipitadamente, sem nenhuma base em que se apoiar, o que já imaginávamos que seria dito pela esquerda: que o assassinato teria que ser muito bem investigado pois seria  uma queima de arquivos”, afirmou em seu blog, A Verdade Sufocada.

O ex-torturador também relacionou o crime com o do Coronel Molinas. “Os crimes foram bem parecidos: roubo de armas de um colecionador. Só falta encontrarem documentos comprometedores na casa do assassinado, como encontraram na casa do Cel Molinas, em novembro de 2013”, ironizou, insinuando uma outra hipótese mais palatável à boa imagem dos agentes da ditadura então: a de “acerto de contas”.





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