UMA BOA VITÓRIA NO OSCAR
12 anos de Escravidão faz um retrato enriquecedor e original para compreensão do cativeiro
Fiquei muito feliz com o Oscar para 12 Anos de Escravidão.
É um filme bom de ver.
Enriquece nosso conhecimento sobre uma das mais degradantes experiência
da história da humanidade, que é a submissão absoluta de um ser humano
por outro.
Num país onde a divisão entre
senhores e escravos atravessou mais da metade de sua história, 12
anos... trata de questões sempre atuais.
O filme tem coragem
indispensável para fugir da pieguice, sem receio de mostrar a escravidão
como ela é – um universo amargo e permanente de sofrimento, sem
intervalos e sem saída.
Já fomos apresentados pela literatura e pelo cinema a muitas construções românticas sobre o universo dos escravos.
Até porque o cativeiro
envolve uma condição insuportável para nossos sentimentos e convicções
apreendidos em casa e reforçados ao longo da vida, sempre tentou-se
amenizar aquele inferno indizível com ressalvas, um “veja bem...”, outro
“não era só assim...,” e outras formas destinadas a nos ajudar a
reconhecer uma realidade longe de nossa capacidade de compreensão.
Na maioria dos filmes
sobre escravidão não faltam momentos utópicos e amenos de companheirismo
entre cativos, e mesmo de amores românticos entre a Casa Grande e a
Senzala, que servem para humanizar personagens de quem se tentava
extrair toda condição humana.
Não há concessões desse
tipo em 12 anos... Longe da psicologia, o diretor Steve McQueen quer
retratar a desumanização de homens e mulheres destituídos de todo e
qualquer direito – e vai até onde sua vista alcança.
Embora seja uma
obra difícil de ver, dolorida, desagradável no sentidoi em que é
difícil sentir empatia pelos personagens, McQueen conseguiu fazer dessa
situação um filme. Sem querer estragar o prazer único de quem entra no
cinema, adianto que a própria história, baseada em fatos reais, envolve
um angulo original para questionar certezas na evolução positiva da
humanidade.
Situado naquele momento da
sociedade norte-americana em que havia escravos libertos no Norte, mas
no Sul o cativeiro era mantido com violência redobrada, o filme mostra
que é possível andar para trás, regredir.
12 anos... narra a vida de
um cidadão livre que é sequestrado por traficantes que capturavam
negros emancipados, com trabalho, família, e até estudo, para que
fossem reescravizados.
Num país como o
Brasil, onde, em pleno século XXI, intelectuais conservadores conseguem
ganhar dinheiro ao fazer a apologia da democracia racial e de supostos
benefícios produzidos pela miscigenação entre senhores e escravas,
procurando apontar aí um traço benigno da cultura brasileira em relação a
de outros países, 12 anos contem verdades universais de grande
utilidade.
Um bom filme de se ver, como já disse.Paulo Moreira Leite
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".
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