Ucrânia: estado que cai aos pedaços?
[*] Moon of Alabama
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
POSTADO POR CASTOR FILHO
Os golpistas do Pravy Sektor ocupam o prédio da Prefeitura de Ivano-Frankivsk |
Um professor britânico, Paul Vickers, que diz estar vivendo já há mais de dois anos em Ivano-Frankivsk, cidade no oeste da Ucrânia com cerca de 200 mil habitantes, escreve sobre uma passeata recente dos fascistas do Setor Direita (Pravy Sektor) acontecida ali, e notícias da imprensa local.
O que se vê em seu escrito são gangues que competem entre elas, pressão pesada sobre políticos e burocratas e ameaças de “limpeza” [orig. “lustration”], que significa que todos os alinhados com os partidos errados serão demitidos de seus empregos públicos. Lembremos como ficaram as coisas depois da “de-Baath-ificação”, quando todos os administradores técnicos e o pessoal de segurança foram demitidos dos empregos públicos no Iraque.
Paul Vickers |
Essa matéria diz que hoje (14/3/2014), inicialmente, havia cerca de 50 homens, todos da Autodefesa (e traz fotos melhores que as minhas) bloqueando a rua, enquanto o Setor Direita (Pravy Sektor) tambémapareceu lá no início da tarde em grupos menores antes da grande marcha, em torno das 16h. Falando à imprensa, a Autodefesa distribuiu declaração em que diz que não quer ter em posição de autoridade na Polícia, um homem que se recusa a passar pela “limpeza” (i.e., a passar por uma checagem de todo o seu passado).
Pouco depois, o novo presidente da administração regional aceitou que todos os funcionários da administração regional passassem pela “limpeza” e barrou todos os ligados ao ex-Partido das Regiões, que ficaram impedidos de assumir postos no governo. Então, um pouco mais tarde, o novo presidente da administração regional descobriu que seu próprio gabinete havia sido bloqueado pela Autodefesa e “empresários locais” (como se lê nesta matéria). Os dois grupos fizeram uma série de demandas, entre as quais o cancelamento de alguns impostos sobre a riqueza e vários aspectos da certificação de veículos motorizados e assuntos relacionados aos negócios dos empresários. Em novembro de 2010 houve o movimento “Maidan Impostos”, no qual pequenos e médios empresários protestaram contra um novo sistema de impostos, recém implantado, que punha fim a várias facilidades fiscais asseguradas às pequenas empresas. O movimento de 2010 foi vitorioso e o sistema fiscal anterior foi restabelecido. O movimento em Ivano-Frankivsk poderia ser visto nesse contexto.
Mas a abordagem geral, de impor sempre a própria vontade tem muito a ver com os primeiros tempos depois da Revolução Laranja, quando se viam bem ativas em alguns grupos as práticas de impor a própria vontade, pela violência e pela força.
O problema se agrava, porque a imprensa-empresa local põe-se imediatamente a repetir o que aqueles ativistas digam, como a matéria acima “linkada”, na qual se lê que os ativistas falariam “em nome da comunidade local” – praticamente o eco local do que diz o Setor Direita (Pravy Sektor) , que pretende falar “em nome do povo ucraniano”.
Uma ex-aluna que encontrei hoje à frente do quartel da Polícia, por onde ela passava no caminho da universidade para a sua casa, disse-me: “Eles [o Setor Direita] não falam por nós”. Embora ela nada tivesse a ver com a nomeação do chefe de Polícia, a moça manifestou grave preocupação com o modo como está funcionando a democracia local.
O que se vê é um claro contraste com a impressionante reunião do Conselho Local, em praça pública, dia 23/11/2013,quando o Conselho, então ainda em funcionamento, tomou importantes decisões e votou a céu aberto, diante de multidão muito representativa da comunidade local. Hoje, o que há é umvácuo crescente nas estruturas locais de poder, o que torna possível que tantos tentem impor as suas próprias decisões e ideias, pela força ou com ameaças, a um governo que está começando.
Reunião do Conselho Local de Ivano-Frankivsk em praça pública em 23/11/2013 |
Tudo isso mostra um perigoso desenvolvimento na Ucrânia: um estado que já não tem nem vontade política nem capacidade para impor-se contra a violência de gangues minoritárias, e que em breve tampouco terá o dinheiro necessário para fazê-lo, ainda que quisesse, e não quer.
Quando (não “se”) esse estado ruir aos pedaços, o “ocidente” terá sorte, se a Rússia aceitar tomar conta dos pedaços do leste.
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