Seminário conclui que reação de militares pró-Jango teria evitado o golpe

Golpe deu certo por uma decisão deliberada de não resistir. Jango tinha plenas condições de acabar com aquele movimento, avalia historiador. 

Maurício Thuswohl

Arquivo

Rio de Janeiro – Apesar do papel central exercido pelas Forças Armadas durante as duas décadas da ditadura que se instalou no Brasil em março de 1964, os próprios militares poderiam ter evitado o golpe que tirou do poder o então presidente João Goulart se este tivesse optado por enfrentar com armas os integrantes do alto comando do Exército que, com a ajuda velada do governo dos Estados Unidos e o apoio declarado de boa parte do empresariado nacional, acabariam por derrubá-lo.

Essa é a opinião de diversos ex-militares (alguns deles cassados), antigos militantes comunistas, historiadores e jornalistas que participaram na noite de segunda-feira (17), na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) no Rio de Janeiro, do painel “Militares e Civis no Golpe”, organizado pelo Movimento em Defesa da Soberania Nacional (Modecon) como parte das atividades que lembram o início do regime antidemocrático no país.

“O golpe deu certo por uma decisão deliberada de não resistir. O governo de Jango tinha plenas condições de acabar com aquele movimento”, avalia o historiador Fabiano Faria, autor de uma tese de doutorado na Universidade Federal Fluminense (UFF) sobre a crise militar que precedeu a derrubada de João Goulart há 50 anos. Segundo Faria, as primeiras movimentações que levaram ao golpe do dia 31 de março, como a sublevação das tropas comandadas pelo general Olímpio Mourão Filho em Juiz de Fora (MG) e a “resistência” organizada pelo então governador Carlos Lacerda no Palácio Guanabara, poderiam ter sido facilmente neutralizadas pelo governo federal: “O golpe que acabou com as esperanças do país naquela época foi uma quartelada que deu certo”, diz.

O historiador afirma que, com o passar dos anos, os militares, com a ajuda de parte da mídia, criaram o “mito de que o golpe foi super-organizado”, mas essa versão não condiz com o que se passou de fato: “Eu investiguei a fundo os documentos, e o alto comando militar não tinha nada organizado naquela data. Quando Mourão saiu com as tropas em Minas Gerais, o marechal Castelo Branco, que estava no Rio de Janeiro, disse para ele recuar senão seria massacrado. Ninguém tinha dúvida de que aquele levante de Mourão não duraria três horas, pois ele saiu de Juiz de Fora com uma tropa de jovens recrutas mal-armados e sem munição”, diz. Faria afirma que uma decisão de Jango, mais do que todas as outras, foi fundamental para que o golpe militar prosperasse: “Naquele dia, o major-brigadeiro Rui Moreira Lima pediu autorização para dissipar o movimento de Mourão com um ataque de seu avião caça, mas o governo não o autorizou, dizendo que não queria derramamento de sangue”.

O entrincheiramento de Carlos Lacerda, ao lado de militares, na sede do governo da Guanabara também poderia ter sido debelado, segundo o historiador: “Chegava a ser ridículo o Lacerda, com sua metralhadora no Palácio Guanabara e alguns oficiais da reserva com suas armas. Jango tinha sob seu comando os fuzileiros navais, que poderiam ter invadido o palácio e prendido todo mundo. Por sua vez, Castelo Branco e o general Costa e Silva ficaram de onze horas da manhã até quatro da tarde no prédio do Exército na Central do Brasil e também poderiam ser presos”, diz.

Se tivesse optado pela reação militar com as forças disponíveis naquele momento, afirma Faria, Jango teria evitado um desdobramento decisivo para o sucesso do golpe, que foi o apoio de seu ex-ministro da Guerra, Amaury Kruel, aos sublevados: “Se Jango tivesse acabado com a rebelião do Mourão, invadido o Palácio Guanabara e prendido Castelo Branco e Costa e Silva, eu duvido que o general Kruel apoiasse sua derrubada. E, se Kruel não aderisse aos golpistas, ninguém mais aderiria e não haveria golpe”.

Comunistas cassados

Cassado em setembro de 1964, , quando servia no 10º Batalhão de Caçadores em Goiânia, por ser ideologicamente próximo a Luís Carlos Prestes e ao PCB, o coronel anistiado Bolívar Meireles afirma que naquele momento o comando militar no estado “tinha como missão derrubar o governador de Goiás, Mauro Borges”. Este, embora tivesse apoiado a sublevação militar em 64, havia estado três anos antes ao lado do também governador Leonel Brizola (Rio Grande do Sul) como um dos protagonistas da “cadeia da legalidade” que garantiu a posse de Jango após a renúncia de Jânio Quadros. O dia-a-dia no quartel, segundo Meireles, já era de “forte tortura” logo após o golpe: “A ditadura levou para Goiás um facínora, o coronel Danilo Darcy da Cunha e Mello, com a missão de, sob tortura, arrancar de membros do governo goiano um posicionamento que vinculasse o então governador à ‘subversão’ e o afastasse do governo”, diz.

O coronel ressalta também a pressão das Forças Armadas para que os crimes da ditadura no Brasil permaneçam impunes: “Muitos militares jamais foram punidos. Onde está a denúncia sobre essa Lei de Anistia de 1979 que permite que estejam livres até hoje os torturadores, assassinos e vilipendiadores das mulheres e homens presos? Onde está a fórmula de colocar na cadeia esses generais, coronéis ou praças que tenham participado desse processo?”, indaga. Meireles critica a presidenta Dilma Rousseff por “não rever essa lei torturante da anistia” e estende a crítica aos últimos governos: “Se contarmos desde o governo de Fernando Henrique, são 20 anos de poder e ainda não se colocou nenhum torturador na cadeia”, diz.

Banho de sangue

Comandante do setor armado do grupo de esquerda Ação Libertadora Nacional (ALN) alguns anos após o golpe de 1964 e mais tarde preso pelo regime militar, Carlos Eugênio Clemente Paz afirma que “a ditadura ainda não caiu” e cita o professor Luís Felipe Miguel, da Universidade de Brasília (UnB), para classificar o regime de governo no Brasil atual como “ditadura domesticada”. Segundo o Comandante Clemente, como é conhecido desde os tempos da luta armada, o país vive hoje uma “ditadura de classe travestida de democracia burguesa liberal, ainda como resultado do sistema político de distensão lenta, gradual e segura construído por Golbery do Couto e Silva e Ernesto Geisel”.

Clemente avalia que, em 1964, a esquerda brasileira, dentro e fora do governo, ficou sem reação diante do golpe: “No dia 31 de março, a esquerda perdeu por WO. Jango não reagiu, com medo de um banho de sangue, mas, lamento informar, o banho de sangue que ele quis evitar aconteceu e durou 21 anos, dando tempo à direita de transformar o país nessa titica que é hoje. Um banho de sangue naquele dia talvez tivesse levado o país por um melhor rumo. Quando é que nós vamos renunciar a ter medo do banho de sangue?”, indaga, antes de citar as manifestações de junho do ano passado como exemplo da distância que, segundo ele, ainda afasta as organizações de esquerda dos principais anseios do povo:

“Nas manifestações de junho, mais uma vez não havia nenhuma força política da esquerda oficial brasileira junto com seu povo. Aí, depois se pergunta por que tem golpe”, diz o ex-comandante da ALN.

 

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