Raiz Quadrada de um Ping

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É difícil aceitar que um Boeing 777-200, um dos aviões mais modernos do mundo, com tanta tecnologia embarcada quanto a de uma nave espacial, possa desaparecer assim no nada, levando com ele 239 pessoas. Hoje, o governo da Malásia anunciou que o vôo MH370 da Malaysia Airlines terminou “no sul do Oceano Índico”, mas o fato objetivo é que não se sabe precisamente onde, já que nenhum vestígio da queda surgiu até agora.
O anúncio malaio foi possível pela interpretação de dados de satélites da companhia britânica INMARSAT. A melhor descrição desse trabalho, valorizando o papel dos engenheiros, foi feita no blog O Meio Bit, em artigo de Carlos Cardoso.

Descontada a abertura do texto, que contém uma crítica algo pueril sobre a ansiedade do público por informações conclusivas imediatas, o autor oferece uma descrição consistente do que foi feito para determinar alguma posição do avião, a partir de ínfimos dados.
Segue a parte mais importante do post. Os links sugeridos e as ilustrações são do autor.

Vôo MH-370 — A Ciência tem a resposta, mas dessa vez foi complicado

 Carlos Cardoso – O Meio Bit
(…) Os teóricos da conspiração e os histéricos reclamam que o MH-370 era lotado de rádios, transponders e localizadores. É verdade, mas um dispositivo localizador não funciona se for deliberadamente desligado, e foi o que aconteceu. Com os equipamentos de comunicação desligados, o avião se torna um ponto anônimo em um radar militar, e praticamente ruído em um radar civil de longo alcance.
“Então como acharam se tudo estava desligado?”
Vou tentar explicar usando uma analogia kibada deste excelente artigo. Imagine que o avião é um tablet. Android, assim no final é menos um. Você tem diversos sistemas de comunicação. Bluetooth, NFC, Wi-Fi, 3G. Em cima disso você tem vários apps. Skype, Foursquare, Twitter.
Você fecha o Skype, perde as comunicações de voz. Você fecha o Foursquare, não comunica mais a sua localização, não aparecerá mais em sites como o FlightRadar. Para garantir você desliga até o update automático, que no caso se chama ACARS — Aircraft Communications Addressing and Reporting System. Esse é o sistema que todo mundo está dizendo erroneamente que pingou o avião.
Agora o pulo do gato: esses aplicativos funcionam muito bem via Wi-Fi, no caso os links VHF quando o avião está próximo a aeroportos. Quando ele vai pra regiões remotas, passa a depender do 3G, que no caso é o link via satélite da INMARSAT. A velocidade é menor, mas ao menos ele está lá.
chemtrails
Com tudo desligado o link não era usado, mas da mesma forma que seu celular de vez em quando é acordado pela operadora, os terminais INMARSAT são pingados pelos satélites, para indicarem onde estão, se estão ativos e se precisam de recursos. Esse ping não depende de aplicações, está embutido no hardware. Avião não tem modo avião.
Os satélites INMARSAT captaram pings do MH-370 por 4 ou 5 horas após seu desaparecimento, na média de 1 por hora.
“Então é só ver as coordenadas e achar o avião, certo?”
Seria, se o ping em questão tivesse esse tipo de dado, mas estamos falando de uma camada muito mais inferior. É como saber o tema de um livro analisando o papel. Só que isso tudo é um problema irresistível para engenheiros, e como dizia Arthur Clarke, nenhum problema de engenharia é insolúvel se aplicarmos tempo e dinheiro suficientes.
Os engenheiros da INMARSAT tinham 4 ou 5 pings do avião, sem dado geográfico nenhum, dizendo apenas e somente “estou vivo”. OK, então vamos estudar o papel do livro. O que dá pra saber? Sequenciando o DNA descobrimos qual árvore foi usada, por radioisótopos sabemos em que época ele foi impresso, por espectrometria da tinta sabendo sua composição, e por aí vai. O truque é pensar fora da caixa.
O ping é emitido e recebido por vários satélites. No caso quem captou foi o INMARSAT 3F1, um ancião lançado em 1996, com vida estimada em 13 anos mas que continua valente cumprindo sua missão. Ele tem antenas que podem ser rotacionadas em direção a um alvo. O ângulo de rotação dessas antenas é, claro, conhecido.
O sinal emitido pelo avião tem quase nenhuma informação de localização, mas informa o desvio Doppler e o momento preciso no tempo em que foi emitido. No satélite ele capta e armazena a potência da transmissão.
Os engenheiros começaram a bater cabeça e perceberam que tinham uma informação importante ali: a diferença de tempo entre o envio e o recebimento do sinal, dada a velocidade constante da Luz, indicava a distância do avião até o satélite.
Próximo passo era tentar achar uma posição relativa. Isso foi determinado calculando a potência do sinal em relação ao ângulo das antenas do satélite. Aquele valor específico de atenuação só seria possível se o avião estivesse transmitindo de determinadas posições. Isso diminuiu mais ainda a área possível.
O momento Magia Negra Jedi foi quando um engenheiro jovem e arrogante (outro tipo ficaria calado) sugeriu usar o desvio Doppler do sinal. O Efeito Doppler é a variação na frequência de uma onda, de acordo com a velocidade relativa entre fonte e observador. Com isso conseguiram determinar a velocidade do avião em relação ao satélite. Isso foi fundamental para descartar o Corredor Norte.
“É coisa do Haddad?”
Quase. Um dos efeitos das equações usadas é que ela tem duas respostas possíveis. É igual perguntar a raiz quadrada de 4. 99,99% das pessoas responderão 2, mas (-2)² também é igual a 4.
Claro, há centenas de variáveis, muitos valores são estimados, e estão trabalhando sem NENHUMA informação de velocidade e altitude do avião, mas é possível criar cenários de máxima e mínima, que com as informações de posição resultam neste mapa:
MH370_Mar17
De posse desses dados, e mais o que ainda não foi divulgado, a Malaysia Airlines declarou o avião oficialmente perdido, tendo caindo no Oceano Índico. O brilhante trabalho dos engenheiros e os avistamentos de objetos por satélites e aviões já são evidência suficiente, ainda mais quando a gente compara a rota calculada com a posição dos objetos:
destrocos
Infelizmente nem toda história termina como Apollo 13, mas sendo realista o objetivo não era mais salvar ninguém. Depois da 5ª ou 6ª hora já se sabia que os passageiros estavam mortos. Nenhuma das risíveis teorias conspiratórias se sustentava, e você não pousa um Boeing 777-200 em nada que não seja um aeroporto de verdade.
O trabalho foi feito para dar uma resposta às famílias, e também desvendar o que aconteceu com o vôo MH-370, isso é essencial para que um evento assim não se repita. A bem da verdade, é raro o caso onde todas as perguntas: quem, quando, onde, como e por que são respondidas. Graças aos engenheiros já temos o ONDE. Pode ser que nunca saibamos as outras respostas, além do quando, mas não quer dizer que não devamos parar de perguntar.
 PARA LER O POST ORIGINAL
http://meiobit.com/282667/malaysia-airlines-qual-a-resposta-da-ciencia-sobre-o-local-de-queda-do-voo-mh370/

Sobre o Autor

A Priolli
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