Pepe Escobar: Por que a União Europeia não pode “isolar” a Rússia

[*] Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Angela Merkel ensinando...
A chanceler alemã Angela Merkel pode ensinar umas coisinhas ao presidente Barack Obama dos EUA sobre como estabelecer um diálogo com o presidente Vladimir Putin da Rússia.
Mas... Obama nada ouve. Obama prefere detonar o próprio currículo de professor de Direito Constitucional e pôr-se a emitir bobagens pomposas para uma plateia de pressuposta elite eurocrática, no coruscante Palais des Beaux-Arts em Bruxelas, como fez na 4ª-feira (26/3/2014), sobre Putin ser a maior ameaça à ordem global gerenciada pelos EUA desde a IIª Guerra Mundial. Mas não deu muito certo: a maioria dos eurocratas de escol estava ocupada fotografando selfies ou tuitando.
Putin, enquanto isso recebia, em casa, em sua residência oficial nos arredores de Moscou, o presidente da Siemens, conglomerado industrial alemão de engenharia e eletricidade. A Siemens investiu mais de US$1,1 bilhão na Rússia ao longo dos últimos dois anos e, foi o que disse Kaeser, quer continuar a investir. Não há dúvidas de que Angela anotou o recado.
Obama não saberia fazer diferente. O especialista em Direito Constitucional sabe nada, zero, sobre a Rússia, e nunca, em sua magra carreira política sentiu-se obrigado a entender como a Rússia funciona; é possível também que tenha medo da Rússia – cercado, como vive, por aquela coorte de auxiliares espetacularmente medíocres. Seu tour de force retórico em Bruxelas deu em absolutamente nada – além de mais ameaças de que, se Putin persistir em sua “agressão” contra o leste da Ucrânia ou a países membros da OTAN, o presidente dos EUA dará jeito de montar pacote muito mais duro de sanções.
Robert Gates
Sem novidade, se se considera que, nos EUA, o que passa por análise política é o que escreve Bob Gates, senhor do Pentágono no primeiro governo Obama e agente honorário eterno da CIA.
O US $1 trilhão que vira o jogo
Demonizado 24 horas por dia sete dias por semana pela máquina de propaganda ocidental como cruel agressor de ucranianos, Putin e seus conselheiros no Kremlin só tem de seguir Sun Tzu. Os mudadores de regime em Kiev já estão naufragados no mais violento vale-tudo, (Moon) entre eles mesmos.  
E até o primeiro-ministro em exercício na Ucrânia, Arseniy Petrovych Yatsenyuk (“Yats”, como o chama com intimidade Victoria Nuland, do “Kaganato dos Nulands”) já falou dos tristes tempos que vêm por aí para a Ucrânia, ao confirmar que a assinatura da parte econômica do tratado de associação da Ucrânia à União Europeia fora adiada – e, assim, se evitariam as “consequências negativas” da tal “associação à Europa”, para todo o leste industrializado da Ucrânia.
Tradução: até “Yats” sabe que a associação à Europa será o beijo da morte para a indústria ucraniana, e que, além do mais, a tal “associação” virá acompanhada de um já iminente ajuste estrutural à moda do Fundo Monetário Internacional, sem o qual dificilmente haverá qualquer “resgate”, pela União Europeia, que salve a Ucrânia da total bancarrota.
Spengler
Spengler, de Asia Times Online, cunhou uma fórmula:
Um espectro ronda a Europa: o espectro da aliança russo-chinesa à custa da Europa.
A aliança já está em andamento – manifesta no G-20, no grupo dos BRICS e na Organização de Cooperação de Xangai. Há sinergias nas tecnologias militares à vista – o ultrassofisticado sistema aéreo de defesa S-500, que será apresentado por Moscou e que Pequim adorará ter imediatamente. Mas, para assistir à grande festança, esperem só mais umas poucas semanas, até que Putin visite Pequim, em maio.
É quando será assinado o famoso negócio de gás de US $1 trilhão, pelo qual a Gazprom russa passará a fornecer à CNPC chinesa 3,75 bilhões de pés cúbicos de gás por dia, durante 30 anos, a começar em 2018 (hoje, a demanda diária de gás na China está em cerca de 16 bilhões de pés cúbicos).
A Gazprom pode até continuar a recolher da Europa a maior parte de seus lucros, mas a Ásia é seu futuro privilegiado. No front da concorrência, a super propagandeada “revolução do gás de xisto” dos EUA é mito – assim como o delírio de que os EUA aumentarão repentinamente, em futuro próximo, a quantidade de gás que exportam para o mundo. Simplesmente, não acontecerá.
A Gazprom usará esse meganegócio para ampliar os investimentos no leste da Sibéria – que a qualquer momento, antes do que muitos estimam, estará configurada como fonte privilegiada de exportação de gás, por mar, para o Japão e para a Coreia do Sul. Essa é a razão básica, substancial, pela qual a Ásia não “isolará” a Rússia.
Gazprom já está projetando os oleogasodutos para a China, Japão e Coreia
(clique nas imagens para aumentar)

Isso, para nem falar do risco “termonuclear” a que está exposto o petrodólar, uma vez que Rússia e China definirão que o pagamento no negócio Gazprom−CNPC pode ser feito em Yuans (chineses) ou em Rublos (russos). Será a alvorada de uma cesta de moedas a ser usada como moeda internacional de reserva – objetivo-chave dos países BRICS e o mais impressionante, radical, incendiário novo fato (econômico) em campo.
É hora de investir no Oleogasodutostão
Embora a importância dela empalideça, na comparação com a Ásia, a Europa não é “desperdiçável” para Rússia. Ouviram-se rumores em Bruxelas, distribuídos por alguns daqueles poodles, sobre o cancelamento do gasoduto Ramo Sul [orig. South Stream] – para bombear gás russo pelo subsolo do Mar Negro (passando longe da Ucrânia) para Bulgária, Hungria, Eslovênia, Sérvia, Croácia, Grécia, Itália e Áustria. O Ministro da Economia e da Energia da Bulgária, Dragomir Stoynev, desmentiu tudo. Disse que não, de modo algum. O mesmo fez a República Tcheca, porque precisa muito do investimento russo; e a Hungria, que recentemente firmou um acordo de compra de energia nuclear com Moscou.
O gasoduto Ramo Sul (South Stream) pode ser cancelado...
(clique na imagem para aumentar)
A única outra possibilidade para a União Europeia seria o gás do Cáspio, a partir do Azerbaijão – seguindo a trilha do oleoduto Baku-Tblisi-Ceyhan (BTC) negociado por Zbig Brzezinski e concebido expressamente para passar longe de Rússia e Irã. Como se a União Europeia tivesse a vontade, o tempo sobrando e o dinheiro necessário para pôr bilhões de dólares na construção de mais um oleoduto que teria de já estar em operação, pode-se dizer, amanhã cedo; e, isso, assumindo-se que o Azerbaijão tenha capacidade suficiente de oferta (o que o Azerbaijão não tem; outros atores – como o Cazaquistão ou o ultra-nada-confiável Turcomenistão, o qual prefere vender seu gás à China – teriam de participar desse quadro).
Ora, ninguém jamais perdeu dinheiro apostando na absoluta falta de noção dos eurocratas de Bruxelas. O Ramo Sul e outros projetos de energia criarão muitos empregos e investimentos em muitas das super atribuladas nações da União Europeia. Sanções extras? Nada menos de 91% da energia da Polônia, e 86% da da Hungria, vem da Rússia. Mais de 20% do total do dinheiro que bancos franceses emprestam ao exterior está emprestado a empresas russas. Nada menos que 68 empresas russas negociam seus papéis na Bolsa de Valores de Londres. Para os países do Club Med, o turismo russo é hoje uma linha de salvação (1 milhão de russos foram à Itália ano passado, por exemplo).
A Think-tankelândia norte-americana está tentando enganar a opinião pública nos EUA, induzindo-a a crer que o governo Obama poderia aplicar alguma espécie de replay da política de “contenção” dos anos 1945-1989, para “conter o desenvolvimento da Rússia como potência hegemônica”. A “receita”? Armar todo mundo, todos, por todos os lados, e também seu vizinho, das nações do Báltico ao Azerbaijão, para “conter” a Rússia. É a Nova Guerra Fria, mesmo que, do ponto de vistas das ditas “elites” norte-americanas, a Velha nunca tenha terminado.
Entrementes, as ações da Gazprom estão subindo. Compre. Você não se arrependerá.

[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política do blog Tom Dispatch e correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.

Comentários