Papado de Francisco marca reaproximação de jesuítas com movimentos sociais chilenos

 

Do Opera Mundi

Volta de Bachelet à presidência também favorece maior protagonismo de católicos no país

Desde o ano passado, com a eleição do papa Francisco, e ainda mais agora com a troca de poder no Palácio de la Moneda, o Chile vive transformações profundas na relação entre o poder político e a Igreja Católica: sai o Opus Dei, ligado a Sebastián Piñera, entram os jesuítas, que têm relação amistosa com Michelle Bachelet.

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Nos últimos anos, o desgaste da Igreja Católica chilena foi crescendo devido aos escândalos sexuais envolvendo padres e freiras, que tinham a impunidade como capítulo final. Na pesquisa anual que a PUC de Santiago costuma fazer para avaliar as instituições locais, a confiança na Igreja caiu novamente em 2013 e ficou em apenas a 31%.


O recém-terminado governo de Piñera colaborou para essa estatística, graças aos enfrentamentos entre sacerdotes e algumas figuras importantes do gabinete, como o ministro do Interior, Andrés Chadwick, que acusou a Pastoral Operária de Santiago de defender terroristas. Desde 2011, o padre Alfredo Baeza, diretor da Pastoral, acusava o governo de realizar montagens em casos judiciais para incriminar movimentos sociais.

Agência Efe

Ministros de Piñera adotaram posição de enfrentamento com a Igreja Católica

O novo papado, liderado por um sul-americano, foi visto como uma oportunidade para recuperar a imagem da instituição no país e na região, mas foram principalmente os jesuítas (ordem a qual pertenceu o argentino Jorge Bergoglio) que aproveitaram para retomar uma série de iniciativas ligadas aos problemas sociais chilenos.

Durante sua formação jesuíta, o papa passou pelo Chile. Bergoglio viveu durante seis anos na Casa Loyola, entre 1958 e 1964, retiro pertencente à Companhia de Jesus, que recebe aspirantes ao sacerdócio de toda a América Latina. Ligadas à Companhia de Jesus existem, desde a época da estadia de Bergoglio, importantes instituições dedicadas a trabalhos com a população carente, como o Lar de Cristo (que oferece abrigo a moradores de rua), o Infocap (Instituto de Formação e Capacitação Popular, conhecido como “A Universidade do Trabalhador”), o Techo (“teto”, programa de construção de moradias populares através de mutirões), entre outros.

Essas organizações mudaram sua relação com a sociedade chilena desde uma das primeiras petições de Francisco como papa: que a Igreja ocupe as ruas. Pablo Walker, capelão do Lar de Cristo, recorda Bergoglio como “uma pessoa que trabalhou nas favelas e que conhece a realidade. Ele não quer uma Igreja de burocratas, mas de pastores”.

Atuação de religiosos na campanha

Walker foi um dos atores coadjuvantes da última campanha ao Palácio de la Moneda. No primeiro turno, foi muito comentado pelos presidenciáveis seu chamado a despenalizar o consumo de drogas e a crítica a um conceito de criminalização dos consumidores, adotado por quase todos os candidatos, segundo ele. No segundo turno, o jesuíta levou às duas candidatas, Michelle Bachelet e Evelyn Matthei, uma carta em que listava aspectos nos quais as políticas públicas dedicadas a populações de baixa renda deveriam ser focalizadas –abordando não só temas de distribuição de renda, mas também educação, emprego, estrutura sanitária e saúde mental.

Outra participação importante tanto de Walker como de vários outros jesuítas durante a campanha, foi o apoio dado pela ordem ao movimento Marca Tu Voto AC, que defendia a realização de uma assembleia constituinte para criar uma nova carta magna, que substitua a atual, herdada da ditadura de Pinochet.

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Alguns sacerdotes jesuítas participaram da campanha e inclusive atuaram como observadores eleitorais – a iniciativa consistia em usar os votos, que no Chile ainda são de papel, para que os eleitores, marcando a sigla AC, pressionassem por uma assembleia constituinte. O padre Rodrigo García foi parte dessa organização e defende que o país “carece de um marco constitucional nascido do conjunto da sociedade e que represente todos os atores sociais”.

Além da participação na campanha, outros gestos aproximaram a Igreja dos movimentos sociais. Um deles foi a colaboração de alguns padres jesuítas com comunidades mapuche, principalmente na defesa de território, nos conflitos com os latifundiários no sul do Chile.

O líder dessa iniciativa, denominada Missão Mapuche, era o padre Luis Garía-Huidobro, que recentemente renunciou ao sacerdócio por objeção de consciência (disse estar contra o celibato e anunciou que se casará com uma mulher mapuche).

García-Huidobro é conhecido no Chile por suas críticas ao uso da força contra as comunidades mapuche e da aplicação de Lei Antiterrorista na região da Araucania (medida que foi adotada por todos os presidentes chilenos desde o retorno da democracia, e também pela ditadura de Pinochet). “Não são as ferramentas apropriadas para lidar com este problema, porque estigmatizam todo um povo”, declarou o padre, no último conflito entre as comunidades indígenas e o governo de Sebastián Piñera, em janeiro de 2013.

Bachelet com jesuítas, Piñera com o Opus Dei

A influência de diferentes correntes da Igreja nos últimos governos é importante para entender o avanço de algumas políticas. Foi a segunda organização que mais recebeu recursos estatais durante o primeiro mandato de Michelle Bachelet (2006-2010), sendo que somente ao programa Techo foram destinados 1,3 bilhões de pesos chilenos (cerca de R$ 300 milhões), provocando críticas da oposição de direita.

Agência Efe

Projetos ligados à Igreja Católica ganharam grande quantidade de recursos no primeiro mandato de Bachelet

Porém, o governo de Sebastián Piñera fez um recorte drástico de recursos destinados a essas instituições. Seu período foi marcado por uma forte presencia do Opus Dei, ala ultraconservadora da Igreja a qual tinha entre seus seguidores alguns dos principais ministros – entre eles Pablo Longueira (ex-ministro de Economia e ex-candidato presidencial) e Joaquín Lavín (ex-ministro de Educação).

As ideias do Opus Dei estiveram presentes em algumas das políticas de Piñera, o que se notou mais claramente nas medidas de incentivo da maternidade. A mais incomum delas foi a chamada Bolsa do Terceiro Filho, que entrega uma ajuda mensal de 370 dólares a famílias nessa situação (valor que pode ser maior no caso de quatro ou mais filhos). A política foi ironizada pelo semanário britânico The Economist, que a apelidou de Bolsa Opus Dei.

Com a liderança de Francisco na Igreja e de Bachelet na presidência do Chile, a tendência é que as duas forças voltem a se unir em novos projetos pelo país.