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Oposicionismo de ocasião é sinal da decadência do PMDB
Um
risco meteórico ameaça o velho Tiranossauro Rex da política brasileira:
ele precisará enfrentar agora uma nova geração de eleitores.
Depois de 30 anos, de volta ao oposicionismo
O PMDB encontra-se em rebelião. Desgarrou-se do governo como quem põe o bode na sala e diz: "ruim comigo, pior sem mim".
Esse oposicionismo de ocasião pode até ser resolvido em algumas semanas. Provavelmente será.
Mas
o breve período em que o partido se comportou como líder de uma frente
de oposições é algo quase inédito e merece o registro. Isso não
acontecia desde o fim da ditadura – portanto, há 30 anos.
Com
quase meio século, contado desde o ancestral Movimento Democrático
Brasileiro (o MDB, criado em 1966), o PMDB é o partido mais antigo e o
mais tradicional de todos.
É um partido gigante: o maior do Senado, o segundo maior da Câmara, o que tem mais prefeitos, vereadores e deputados estaduais.
Mas
é um partido em decadência. Tem menos governantes, parlamentares e
votos que no passado. E diminui um pouco de tamanho a cada eleição que
passa e a cada vez que um novo partido lhe rouba correligionários.
É
um partido ossificado. Seus expoentes, hoje, são os mesmos que há 10,
20, alguns há quase 30 anos - como o ex-presidente da República, José
Sarney. São expoentes são vitalícios - só se renovam quando morrem.
Seu
presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, é deputado há mais de 40
anos. Seu pai, Aluísio Alves, também foi uma das principais figuras do
PMDB nos governos Sarney e Itamar Franco. Até seus rebeldes ainda são
os mesmos, como o senador Pedro Simon.
O presidencialismo peemedebista
Durante
a Constituinte (1987-1988), no auge de sua influência sobre a política
brasileira, quando tinha a presidência e era amplamente majoritário no
Congresso, o PMDB inoculou em nossa constituição uma carga razoável de
peemedebismo.
O PMDB era o governo. De todo modo, havia algo
fora do lugar. O partido considerava seu presidente empossado um
peemedebista bastardo.
José Sarney, vice de Tancredo Neves,
representava a aliança com o setor dissidente da Arena (o partido da
ditadura) que formou o Partido da Frente Liberal (PFL).
Sarney só
não era PFL porque não podia. A regra para a eleição do presidente e
vice era que ambos deveriam ser obrigatoriamente do mesmo partido. Por
isso, Sarney teve que se filiar ao partido de Tancredo, o PMDB.
O
presidencialismo que surgiu em 1988 foi um acordo diante de um
impasse. Seus mecanismos institucionais definiram um "modus operandi"
entre o Executivo e o Legislativo que firmava também um acordo de paz
entre a Presidência da República e o PMDB.
Era ainda, no fundo,
um acordo entre Sarney, que tornou-se presidente por acidente, e
Ulysses Guimarães, presidente do PMDB, da Câmara e da Constituinte, que
só não foi empossado presidente da República porque os militares não
deixaram.
O troco viria em uma constituição que reservaria
poderes razoáveis para o Congresso provocar, se quisesse, surpresas
desagradáveis ao presidente que não contasse com maioria.
A Constituição teve, como ponto final de sua apresentação, o emblemático desabafo de Ulysses de "ódio e nojo à ditadura".
Era
a Constituição que tornaria o país "ingovernável", diria Sarney. De
fato, ingovernável caso o PMDB não estivesse satisfeito com seu quinhão.
Desde então, um presidente nunca sabe de fato o que é ter problemas até brigar com o PMDB.
Pelo
seu tamanho no Congresso, o PMDB tem o poder, com uma ajuda da
oposição, de colocar as barbas do presidencialismo brasileiro de molho.
A
rigor, um governo não aprova nada de seu interesse sem o apoio do
PMDB. Qualquer presidente sabe que, nas atuais condições, sem o PMDB,
irá amargar derrotas, verá sua agenda atropelada por outras pautas e
entregará o Congresso à oposição.
O estômago do Tiranossauro
O
oposicionismo peemedebista é sinal de que sua decadência tem gerado
uma insatisfação crescente com os resultados que consegue no
presidencialismo brasileiro.
Os fenômenos mórbidos mais evidentes
dessa decadência são a presidência de Henrique Eduardo Alves, na
Câmara, e a liderança de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) sobre o PMDB daquela
Casa.
É verdade que tais ruídos foram ampliados por dificuldades
de coordenação política e por desavenças na negociação da reforma
ministerial.
O partido queria mais ministérios do que já tem, e
ministérios mais importantes. No entanto, mais que ministérios, o
apetite maior é sobre estatais.
A grande mágoa de Eduardo Cunha com o governo foi ter perdido espaço em Furnas, megaestatal do setor elétrico.
Não
por outra razão, o puxão de orelha dado na presidenta veio na forma de
uma comissão externa de parlamentares para “investigar” denúncias
contra a Petrobras. Um republicanismo de ocasião que mal disfarça o que
o PMDB quer ao apoiar um requerimento feito pelos tucanos.
Os
peemedebistas reclamam não só da quantidade de cargos, mas do estilo
mais centralizador da presidenta Dilma. Ter ministérios passou a ser
apenas a ponta do iceberg.
Ao centralizar, Dilma diminuiu a importância relativa dos ministérios na arquitetura do presidencialismo de coalizão.
Os
peemedebistas querem gerir, com autonomia, grandes somas de recursos,
administrar grandes contratos com empresas privadas, comandar e
inaugurar grandes obras, que empregam milhares de trabalhadores. Justiça
seja feita, não só o PMDB quer isso.
Nas atuais regras do
sistema eleitoral brasileiro, esses requisitos são um prato cheio para
qualquer partido que queira ter ou manter seu peso na política
brasileira. Essa é a principal desgraça de nosso presidencialismo.
Quanto
maior a máquina eleitoral, e a do PMDB é a de um Tiranossauro Rex,
maior o ronco do estômago em busca de alimento. Daí o barulho que fazem
Alves e Cunha.
Para o PMDB, trata-se de uma questão de vida ou
morte. É preciso alimentar sua máquina, ou ela não terá “argumentos”
para manter sua coesão.
A maior diferença do PMDB é seu tamanho
A
rigor, por suas características de partido de centro, espalhado por
todo o país e muito diferente, de estado para estado, o PMDB não tem
nada de especial que justifique que ele seja maior que o PP, o PSD ou o
PTB.
O problema é que, no dia em que o PMDB ficar do tamanho
desses demais partidos, ele deixará de ser o que é. Seu gigantismo é que
o torna especial.
Por isso, só há uma maneira de o PMDB deixar
de ter a importância que tem: é sua decadência tornar-se definitiva e
avassaladora nas próximas eleições.
As rivalidades e disputas com
o PT são apenas um aspecto do inferno astral do velho partido. Uma
legião de agremiações, novas e antigas, disputa o mesmo espaço em sua
política tradicional.
Mas existe algo bem mais importante, um
risco meteórico ao velho tiranossauro. Ele precisará enfrentar agora uma
nova geração de eleitores.
Eleitores que, nesses últimos 12
anos, se tornaram mais escolarizados, têm renda mais alta, são mais
informados, mais exigentes e irritados com a forma tradicional de se
fazer política – seja lá de que partido for.
Essa nova geração
pode provocar um processo de renovação do Congresso que deve afetar a
todos os partidos, mas, proporcionalmente, pode fazer do PMDB sua
principal vítima.
O partido terá dificuldades redobradas para eleger governadores e para manter o atual número elevado de parlamentares.
Se isso vier a acontecer, o PMDB deixará de ser o PMDB, pela primeira vez e, quem sabe, de forma irreversível.
(*) Antonio Lassance é cientista político
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