“O Novo Grande Jogo (de ameaças) na Eurásia”

[*] Pepe Escobar, Asia Times Online − The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

O  putsch de Kiev em 22/1/2014
Na Ucrânia, o ocidente apoiou um putsch inconstitucional contra governo eleito, perpetrado, dentre outros, por gangues armadas de fascistas neonazistas (dos partidos Svoboda e Setor Direita [Pravy Sektor]) instrumentalizados pela inteligência dos EUA. Depois de um contragolpe russo, o presidente Barack Obama dos EUA declarou que qualquer referendo na Crimeia seria “violação da Constituição da Ucrânia e da lei internacional”.

A declaração é só o mais recente caso do estupro serial da “lei internacional”. A folha corrida dos estupros é gigante, e inclui: a OTAN bombardeou a Sérvia durante 78 dias em 1999, até conseguir consumar a secessão do Kosovo; os EUA invadiram o Iraque em 2003, invasão seguida de ocupação na qual se consumiu um trilhão de dólares, e, na sequência, criaram uma guerra civil; OTAN/AFRICOM bombardearam a Líbia em 2011, invocando a “responsabilidade de proteger” (R2P“responsibility to protect”) como cobertura para provocar “mudança de regime”; os EUA investiram na secessão do Sudão do Sul, rico em petróleo, para que a China tivesse de enfrentar mais uma dor de cabeça geopolítica; e os EUA continuam perenemente a investir na guerra na Síria.

Pois mesmo assim, Moscou ainda crê (tolamente?) que a lei internacional deva ser respeitada – e apresentou ao Conselho de Segurança da ONU informação secreta de que dispunha, sobre todos os movimentos da inteligência/guerra psicológica e outras operações “psi” conduzidas pelo ocidente e que levaram ao golpe em Kiev, incluindo “treinamento”, dado na Polônia e na Lituânia, para nem falar da inteligência turca, envolvida na preparação de um segundo golpe na Crimeia.

Os diplomatas russos exigiram investigação internacional independente. Nunca acontecerá, porque a narrativa de Washington seria completamente desmascarada. Correspondentemente, os EUA vetaram a iniciativa dos russos na ONU.

Sergey Lavrov, Ministro de Relações Exteriores da Rússia
O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, também pediu que a Organização para Segurança e Cooperação na Europa investigue objetivamente os atiradores que atiraram contra os dois lados e todos que aparecessem à frente deles em Kiev – como o ministro das Relações Exteriores da Estônia na União Europeia informou à La Suprema da diplomacia da UE, Catherine “Adoro Yats” Ashton. Segundo o embaixador russo à ONU, Vitaly Churkin, “obter-se-ia quadro completamente diferente do que está sendo pintado pelo jornalismo dos EUA e, infelizmente, também por alguns políticos norte-americanos e europeus”. Desnecessário dizer que não haverá investigação objetiva alguma.

Oi! Sou seu neonazista “do bem”...

Todos recordam os “bons Talibã”, com os quais os EUA podiam negociar no Afeganistão. Depois, foi a “boa al-Qaeda”, jihadistas que os EUA podiam apoiar na Síria. Agora chegou a vez dos “bons neonazistas” com os quais o ocidente pode fazer negócio em Kiev. Logo logo haverá os “bons jihadistas que apoiam os neonazistas” e que podem ser mandados para promover antecipadamente os desígnios anti-Rússia de EUA/OTAN na Crimeia e além-Crimeia. Afinal de contas, o mentor de Obama, Dr. Zbigniew “O Grande Tabuleiro de Xadrez” Brzezinski é o padrinho dos bons jihadistas, armados até os dentes para lutar contra a ex-União Soviética no Afeganistão.

Como mostram os fatos em campo, os neonazistas voltaram definitivamente como os mocinhos.

Pela primeira vez desde o fim da IIª Guerra Mundial, fascistas e neonazistas estão no timão de uma nação europeia (embora a Ucrânia deva ser caracterizada, sobretudo, como nação-oscilante-chave na Eurásia). Poucos no ocidente parecem ter percebido isso.

Os cabeças do putsch e representantes dos interesses dos EUA/Europa na Ucrânia
O elenco de personagens inclui o ministro interino de Defesa da Ucrânia e ex-aluno no Pentágono, Ihor Tenyukh; o vice-primeiro-ministro para assuntos econômicos e ideólogo do partido (neonazista) Svoboda, Oleksandr Sych; o agro-oligarca ministro da Agricultura Ihor Svaika (a Monsanto, afinal, precisa de um propagandista-em-chefe); o chefe do Conselho de Segurança Nacional e comandante dos neonazistas do Setor Direito (Pravy Sektor) na praça Maidan, Andry Parubiy; e o vice-chefe do Conselho Nacional de Segurança, Dmytro Yarosh, fundador do Setor Direita (Pravy Sektor). Para nem falar do líder do partido Svoboda, Oleh Tyanhybok, amigo íntimo de John McCain e de Victoria “Foda-se a União Europeia” Nuland, e ativo defensor de uma Ucrânia livre da “máfia judaico-moscovita”.

Dado que o Kremlin recusa-se a negociar com essa gangue e o próximo referendo do dia 16 de março na Crimeia é dado por detonado, a Equipe “Yats” está plenamente legitimada, com honras, pela Equipe Obama, o líder incluído, em Washington. Para citar Lênin, o que fazer? Leitura atenta dos movimentos do presidente Putin sugere uma resposta: nada.

Basta esperar, ao mesmo tempo em que se terceiriza para a União Europeia uma Ucrânia em espetacular bancarrota futura próxima. A União Europeia não tem potência nem para resgatar os países do Clube Med. Inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde, ameaças de sanções ou não, a Ucrânia voltará rastejando para Moscou, suplicando “concessões”, e pode acontecer de a Rússia pagar a conta.

Entrementes, no Oleogasodutostão...

Entrementes, o Novo Grande Jogo (de ameaças) na Eurásia avança sem se deter. Moscou até cederia e aceitaria uma Ucrânia neutra – mesmo com neonazistas no poder em Kiev. Mas uma Ucrânia ligada à OTAN é linha vermelha absoluta. Por falar dela, a OTAN já está “monitorando” a Ucrânia com Sistemas Aéreos Embarcados de Alerta e Controle [orig. Airborne Warning And Control SystemAWACS] que partem do espaço aéreo polonês e romeno.

Airborne Warning And Control SystemAWACS (Esquema)
Assim sendo, o tão elogiado “reset” entre o Kremlin e o governo Obama está, para todas as finalidades práticas, enterrado sob sete palmos de terra (sem que as cartas prevejam qualquer “o retorno” à moda Hollywood); e restou só o perigoso jogo de ameaças. Lançadas não só pelo Império, mas também por vassalos.

Aquela seleção monstro de burocratas sem cara ao estilo Magritte na Comissão Europeia, fazendo avançar sem parar a ameaça de sanções pela União Europeia, decidiu adiar a decisão sobre se a Gazprom pode vender mais gás pelo gasoduto OPAL na Alemanha, e também adiou negociações sobre o estatuto legal do Ramo Sul [orig. South Stream], o gasoduto que passa pelo fundo do Mar Negro e que deve tornar-se operacional em 2015.

Como se a União Europeia tivesse algum Plano B viável para escapar à dependência do gás russo (para nem citar a possibilidade – zero – de que abra mão do jogo financeiro muito lucrativo jogado entre as principais capitais europeias e Moscou). Farão o quê?! Importarão gás em aviões da Qatar Airways? Comprarão gás natural liquefeito dos EUA – que não estará disponível ainda por muitos anos?

Grande parte do gás que abastece a Europa sai da Rússia e passa abastecendo a Ucrânia
Fato é que, no instante em que começar uma guerra pelo gás, se algum dia acontecer, a União Europeia estará pressionada por legiões de estados-membros para que mantenha (e, até, para que amplie) os acertos de gás com os russos – mesmo que contra os desejos dos “nossos filhos da puta (neonazistas)” em Kiev. Bruxelas sabe disso. E, o mais importante: Vlad, a Marreta, também sabe.
_____________________

[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política do blog Tom Dispatch e correspondente/ articulista das redes Russia TodayThe Real News Network Televison Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.

Comentários