Imprensa andando em círculos
CARTEL DOS TRANSPORTES
Por Luciano Martins Costa em 06/03/2014 na edição 788
Os jornais fazem uma cobertura irregular e bissexta do caso que envolve
a formação de um suposto esquema de propinas que, hipoteticamente, tem
atrasado e provocado o encarecimento das obras do sistema de transporte
sobre trilhos em São Paulo. Em algumas circunstâncias, o noticiário se
refere ao “cartel da Siemens”; em outras, concentra-se em denúncias
envolvendo a empresa francesa Alstom – e o leitor vai sendo conduzido em
círculos, sem que a imprensa procure o ponto central da questão.
E qual seria esse ponto?
Na quinta-feira (6/4), os jornais informam que as duas principais
empresas envolvidas no escândalo usaram firmas de fachada, sediadas no
Uruguai, para pagar propinas dissimuladas em contratos de consultoria.
No entanto, essa informação é velha, nascida em uma investigação feita
pela Polícia Federal em 2008. A novidade é a revelação de que, desde
então, o Ministério Público Federal em São Paulo tem dormido em cima do
inquérito.
O ponto que deveria estar atiçando a curiosidade dos jornalistas é: quem se beneficia com a negligência de alguns procuradores?
Os dois principais jornais paulistas demonstram maneiras diferentes de interesse em tratar dessa sonolência dos promotores: a Folha de S.Paulo
se concentra numa disputa entre a Procuradoria Geral do Estado e o
Ministério Público, citando o fato de que a Procuradoria, sob orientação
do governador Geraldo Alckmin, processou apenas as empresas acusadas de
cartel, deixando de fora da denúncia os servidores e ex-assessores do
governo suspeitos de operar o esquema das fraudes.
Já o Estado de S. Paulo foi ouvir autoridades uruguaias
responsáveis pelo combate à lavagem de dinheiro e revela que o
Ministério Público em São Paulo nunca pediu esclarecimentos sobre a
suspeita envolvendo as duas multinacionais instaladas no centro do
escândalo. Segundo a fonte citada pelo jornal, bastaria um pedido bem
fundamentado para os investigadores brasileiros terem acesso a dados
financeiros que comprovariam o uso de firmas de fachada para pagamento
de propina. Em alguns casos, a informação poderia ser obtida em questão
de horas, o que aumenta as suspeitas sobre os procuradores que
engavetaram o caso durante seis longos anos.
Um caso de amnésia seletiva
O noticiário coloca no centro dessa articulação para retardar o
inquérito o procurador Rodrigo de Grandis, que demonstra grande
disposição para o trabalho, mas tem sido citado pela imprensa como
vítima de estranho caso de amnésia: ele já “esqueceu” em suas gavetas
pedidos do governo da Suíça para investigar a Alstom, deixou no arquivo
morto uma lista de autoridades, empresários e lobistas citados em
investigações sobre o setor de energia, e agora aparece como tendo se
omitido também na tarefa de apurar as operações financeiras feitas no
Uruguai pela suposta quadrilha.
Interessante comparar a cobertura da imprensa sobre a atuação do
procurador paulista com o massacre a que foram submetidos o delegado
Protógenes Queiroz e o juiz federal Fausto Martin de Sanctis no caso
Satiagraha.
Por tudo que a imprensa informa que ele deixou de fazer, há muito o
procurador Rodrigo de Grandis deveria ter seu perfil analisado pelos
jornalistas. Por que ele é poupado?
Uma resposta grosseira, rude e nascida de pouca reflexão seria: porque
ele seria a chave para compreender o esquema que domina o governo
paulista há vinte anos, e que tem como uma de suas consequências o
sufoco que se impõe diariamente aos usuários do sistema dos trens
metropolitanos e do metrô de São Paulo.
Outra resposta poderia ser: o procurador está assoberbado de trabalho, e
alguns dos casos que lhe foram atribuídos inevitavelmente sofrem
atrasos. Mas essa alternativa exigiria um grau de candura que não
combina com o jeito de ser dos jornalistas, treinados na arte da
desconfiança – De Grandis precisaria de um apoio poderoso para obstruir
um caso dessa envergadura.
Coincidentemente, as informações que faltam supostamente conduziriam à
conclusão de que estamos diante de um escândalo de proporções
gigantescas, envolvendo personalidades do maior partido de oposição.
Colocados sobre a mesa, os fragmentos do noticiário induzem o leitor
mais desconfiado a enxergar o roteiro de um assalto sem precedentes ao
Erário, organizado e persistente, com elementos dignos de uma história
da máfia. Mas, andando em círculos, a imprensa não parece disposta a
chegar ao epílogo.
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