Escândalos podem favorecer extrema-direita nas eleições municipais francesas

Frente Nacional espera recolher os frutos do desencanto socialista e da alucinante soma de escândalos envolvendo o ex-presidente Nicolas Sarkozy e aliados

Eduardo Febbro

Arquivo

Paris - A última linha reta que conduz às eleições municipais do próximo domingo (23) é um caminho repleto de espinhos tanto para a direita como para a esquerda francesa. Escândalos financeiros, judiciais e políticos fizeram tremer o já frágil castelo do campo conservador enquanto que o Partido Socialista francês, atualmente no governo, oscila entre o medo da abstenção e o voto de protesto contra a política de um Executivo que colocou no museu dos inocentes o que era mais essencial das propostas que o hoje presidente François Hollande apresentou durante a campanha eleitoral de 2011-2012. Entre ambos os movimentos políticos, a extrema direita da Frente Nacional espera recolher os frutos do desencanto socialista e da alucinante soma de escândalos que danificaram um pouco mais a credibilidade da direita.

O olho do furacão foi o ex-presidente Nicolas Sarkozy. Uma série de escândalos muito delicados derivados de seu período na presidência paira sobre ele. Um deles levou à Justiça a grampear os celulares de Sarkozy e de dois de seus ex-ministros do Interior, Claude Guéant e Brice Hortefeux. O resultado é uma trama que não fica a dever em nada a qualquer filme político envolvendo tribunais.

Sarkozy está, de fato, encurralado pela justiça por seu suposto envolvimento em três casos que vêm sendo investigados há anos: o famoso escândalo L’Oreal, onde é suspeito de ter abusado da herdeira do império de cosméticos, Lilianne Bettencourt, na obtenção de fundos secretos destinados a sua campanha eleitoral; o suposto financiamento de sua campanha de 2007 com dinheiro facilitado pelo falecido ditador líbio Muamar Kadafi; e o caso Bernard Tapie, um fraudulento empresário que obteve uma milionária indenização (cerca de 400 milhões de euros) do Estado mediante um acordo prévio com pessoas ligadas a Sarkozy que, em tese, deveria decidir com total imparcialidade a resolução do conflito entre Tapie e o extinto banco Crédit Lyonnais. Seis pessoas já foram indiciadas sob as acusações de fraude e formação de quadrilha.

A estes três densos casos judiciais se soma uma tragicomédia de espionagem impensável nestas altas esferas do poder. Um de seus conselheiros mais próximos, Patrick Buisson, um homem da extrema-direita que conduziu o lado mais reacionário da política e da campanha eleitoral de 2007, tinha o secreto costume de gravar todas as conversas privadas nas audiências presidenciais e outras dependências do Estado. Cinco dessas gravações foram publicadas pelo portal Atlântico e pelo semanário satírico Le Canard Enchaîné. Diálogos pessoais entre Sarkozy e sua esposa, a cantora e modelo Carla Bruni, acertos de contas no interior do Executivo, negociações para nomear novos ministros, opiniões cáusticas sobre outros líderes da direita povoam estas conversas registradas por Patrick Buisson com um gravador escondido na roupa.

Sarkozy conseguiu que a Justiça proibisse a divulgação de mais gravações, das quais há horas e horas. Ninguém sabe ainda como as gravações foram aparecer na imprensa. Buisson é, segundo seu filho, um “maníaco por espionagem”. As duas publicações que revelaram parte do conteúdo das gravações disseram que o ex-conselheiro de Sarkozy ligava o gravador quando saía de casa. Daí a gravar e difundir o que se conversa no coração do Estado é um passo que, até agora, nenhum país havia dado com tanta impunidade.

Nicolas Sarkozy vem pintando com um cuidado impressionista o quadro de seu retorno à vida política. Mas os escândalos combinados representaram um duro golpe, mesmo que sua estratégia de comunicação tenha conseguido mostrá-lo como uma vítima. Neste denso prontuário de irregularidades, os três casos nas mãos da Justiça são uma sombra que persegue Sarkozy desde antes do fim de seu mandato, em maio de 2012. A ação judicial mais decisiva iniciou em abril do ano passado e atravessou seu momento mais crítico em setembro. Naquele mês, os juízes Serge Tournaire e René Grouman, encarregados da investigação sobre o financiamento ilegal da campanha eleitoral de Sarkozy com dinheiro fornecido por Muamar Kadhafi, decidiram autorizar escutas telefônicas nos telefones celulares do ex-presidente, de Claude Guéant e de Brice Hortefeux (os dois últimos ministros do Interior de Sarkozy).

No final do ano passado, o jornal Le Monde publicou parte de uma conversa comprometedora entre Hortefeux e o ex-chefe da Polícia Judiciária de Paris, Christian Flaesch. O que veio à luz agora é pior. Esse controle telefônico conectou os suspeitos de envolvimento com o escândalo L’Oreal com um magistrado do Supremo Tribunal, Gilbert Azibert. Segundo essas conversações, este último informava secretamente o ex-presidente das evoluções do caso judicial de Lilianne Bettencourt em troca de um presente no principado de Mônaco viabilizado graças ao próprio Sarkozy. O papel do Tribunal Supremo era decisivo para o enredo político financeiro da herdeira do império L’Oreal e também para o caso de Bernard Tapie. Cabia ao Supremo decidir se as agendas pessoais e oficiais do ex-mandatário constituíam ou não uma prova que podia ser incluída nos respectivos processos.

No primeiro caso, as agendas podem demonstrar quantas vezes Nicolas Sarkozy se reuniu com a senhora Bettencourt. No segundo, servem para provar que Sarkozy manteve muitas reuniões com o empresário Bernard Tapie antes de autorizar a arbitragem privada que levaria o Estado a pagar ao empresário uma indenização de 403 milhões de euros. Nestas duas tramas, o jornal Le Monde revelou que seu advogado, Thierry Herzog, sabia de antemão e acompanhou passo a passo o que estava ocorrendo no interior do Tribunal Supremo graças às informações fornecidas pelo juiz Gilbert Azibert, que tinha acesso à rede digital do tribunal.

Ao melhor estilo de Silvio Berlusconi na Itália, o contra-ataque foi desfechado rapidamente com um objetivo: acusar os acusadores. O entorno sarkozista e a direita acusam a justiça e, é claro, a maioria que está no governo. O advogado de Sarkozy assegurou que se tratava de uma manobra política destinada a manchar o retorno do mesmo. A direita, por sua vez, conseguiu desviar a atenção acusando os ministros socialistas da Justiça e do Interior, Christiane Taubira e Manuel Valls, de estarem cientes dessa vigilância telefônica. Taubira negou veementemente a acusação, mas acabou envolvida. Em uma coletiva de imprensa que convocou para explicar que não sabia de nada, a ministra da Justiça mostrou, como prova de sua boa fé, uma série de documentos nos quais podia se ler sem esforço que ela estava sim ciente de tudo. O concurso francês da má fé seguiu seu curso rutilante com uma direita que acionou a contraofensiva mediante um argumento de uma república bananeira: acusou os socialistas e os juízes de prejudicar as liberdades públicas e individuais ao colocar um ex-presidente sob controle telefônico.

Os escândalos se regeneraram como um monstro de várias cabeças. Sarkozy alvo da Justiça e vigiado pelos juízes; o chefe do partido UMP (fundado por Sarkozy), Jean François Copé, apareceu também implicado em um assunto de contratos acertados com empresas próximas. Os socialistas se deixaram absorver pelos processos obscuros da direita, nos quais não estavam envolvidos, mas para onde, com uma habilidade e uma rapidez desconcertantes, os conservadores conseguiram arrastá-los. Não sabiam, mas sabiam. O governo apareceu como um clube de amadores e a direita como uma jaula de lobos. O descrédito da classe política, esquerda e direita misturadas, é total. Em um desses corredores, a extrema-direita aguarda com impaciência para içar-se como um exemplo de virtude e neutralidade.

Diante dessa avalanche de lodo e incompetência, qualquer um que estiver fora do sistema tem coroa de santo. No entanto, a extrema-direita tampouco tem o panorama desejado diante de si. Ainda que seja potente, suas ideias e seu passado ainda constituem um obstáculo para cresça de maneira desmedida. As eleições municipais de domingo (23) são uma eleição local, mas serão uma grande prova global e não só para o presidente François Hollande. Com uma classe política desvinculada dos eleitores e das necessidades do país, mergulhada na corrupção e na desonestidade até o nariz, um desemprego em alta e um sistema global de governo de joelhos ante os imperativos da economia liberal, a França de 2014 já faz parte do indecoroso triângulo composto agora por Roma, Madri e Paris.

Decadência dos valores fundadores, cortes orçamentários drásticos, desemprego, desigualdade, corrupção nos mais altos níveis, impunidade, impugnação da Justiça e de outras instituições centrais do Estado, a Europa latina é um rio agitado e turvo.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

 

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