Em tempos de crise, estratégia do golpismo midiático se repete
Desde 1783
por Luiz Carlos Azenha
Simular a incapacidade de autoridades locais de controlar o próprio país. Simular violência cometida por autoridades locais que gere um clima de comoção internacional e justifique desde sanções a intervenções armadas. Disseminar desinformação com o objetivo de enfraquecer o inimigo. Estas são táticas razoavelmente conhecidas nos golpes midiáticos do século 21. Quando a população se dá conta de que foi enganada, não tem como voltar atrás.
Vejamos, por exemplo, o caso da Venezuela em 2002, no golpe midiático contra Hugo Chávez. Quem não assistiu ao documentário A Revolução Não Será Televisionada deve fazê-lo urgentemente, para ter conhecimento de um cenário que vai se tornar cada vez mais comum. Clique aqui para ver.
Na manhã do golpe estava programada uma grande manifestação de oposicionistas em Caracas. A certa altura do protesto, a oposição decidiu marchar em direção ao Palácio Miraflores, que estava cercado por uma concentração de chavistas. Era confronto na certa. Vários manifestantes foram mortos. Uma imagem incompleta e parcial roda o mundo. Mostra chavistas atirando com revólveres de cima de uma ponte, a Puente Llaguno. A narração dos âncoras locais, repetida por emissoras de todo o mundo, diz que milícias chavistas mataram manifestantes de oposição. Militares venezuelanos se apresentam em rede de TV anunciando a deserção. O presidente Hugo Chávez perde capacidade de se comunicar com seus seguidores. É sequestrado por militares no palácio.
O que era falso na versão acima? Não houve confronto entre oposicionistas e governistas. A marcha de oposição nunca passou perto de Puente Llaguno. Os chavistas na verdade revidavam disparos de franco atiradores. Franco atiradores que mataram tanto apoiadores do governo quanto da oposição, atirando desde prédios da região de Miraflores. Homens que nunca foram presos e identificados. Quem plantou os franco atiradores em Caracas? Os mesmos que decidiram alterar a manifestação e marchar em direção ao palácio? Os mesmos que já tinham tudo coordenado com as principais emissoras de TV para dar blecaute nas mensagens do governo?
Há um belíssimo documentário a respeito, Puente Llaguno, as chaves de um massacre, feito a partir de uma investigação do caso.
Uma das manchetes mais curiosas daquele dia foi da edição extra do jornal El Nacional, que antecipou exatamente onde se daria o confronto! Um jornal literalmente por dentro do golpe.
Felizmente, Chávez dispunha de rádios comunitárias que disseminaram a informação de que, contrariamente ao que era divulgado pela mídia local e internacional, o presidente não havia renunciado e estava preso. Foi o que bastou para que as populações descessem os morros e recolocassem Hugo Chávez no poder.
Corte para a Líbia, em 2011.
Boa parte da comoção internacional que justificou a “intervenção humanitária” foi fabricada a partir de supostos ataques de helicópteros a serviço do ditador Muammar Khadafi contra populações civis. Ataques que simplesmente não aconteceram, embora tenham sido amplamente especulados, noticiados e debatidos.
Fato: Khadafi não matou milhares de civis inocentes com os helicópteros militares de que dispunha.
Corta para a Síria, em 2013.
O ditador Bashar al Assad usou armas químicas contra os rebeldes?
Isso foi dado como absolutamente certo pelo Ocidente. Era a justificativa para a intervenção armada.
Os Estados Unidos continuam insistindo que as armas foram disparadas por apoiadores do governo. Assad nega.
Não há dados que permitam cravar com absoluta certeza uma das versões.
Nem é nosso objetivo determinar quem está certo.
O ponto é a importância da guerra da informação. Tão poderosa quanto a mais poderosa das Forças Aéreas, mas disparando torpedos noticiosos.
Corte para a Ucrânia, em 2014.
A brutalidade do regime de Viktor Yanukovich, presidente da Ucrânia, é exposta a partir do fato de que policiais ou militares supostamente ligados a seu governo disparam indiscriminadamente contra manifestantes na praça central de Kiev, a capital do país.
Foi a versão que ocupou manchetes de jornais e noticiários de TV.
No entanto, o ministro das Relações Exteriores da Estônia, Urmas Paet, confirma que teve uma conversa com a principal diplomata da União Europeia, Catherine Ashton, na qual relatou o que ouviu em Kiev: que franco atiradores teriam disparado tanto contra policiais quanto contra manifestantes.
Isso indica que alguém pode ter ficado descontente com a possibilidade de sucesso do acordo que previa a manutenção de Yanukovich no poder à espera de novas eleições.
O que disse Urmas Paet?
Que havia conversado com uma médica de uma clínica móvel, que atendia manifestantes na praça, de nome Olga:
Há um entendimento cada vez mais forte de que, por trás dos franco atiradores, não estava Yanukovich, mas alguém da nova coalizão.
Segundo, também perturbador, esta mesma Olga [Bogomolets, a médica] me disse que todas as provas demonstram que houve gente morta por franco atiradores dos dois lados, entre policiais e gente da rua, que são os mesmos franco atiradores matando gente dos dois lados.
E então ela me mostrou fotos, ela disse que como médica poderia dizer que são as mesmas assinaturas, os mesmos tipos de projéteis, e é realmente perturbador que agora a nova coalizão não quer investigar o que aconteceu exatamente.
A ligação aconteceu depois de o ministro estoniano ter visitado Kiev em 25 de fevereiro, logo depois do climax dos confrontos entre manifestantes e forças pró-governo.
Outra mentira?
A de que a Rússia tenha despachado 16 mil soldados para ocupar a Criméia.
A presença naval russa na Criméia é de 1783, diz o mesmo RT.
O mais antigo navio russo em atividade no Mar Negro navega desde 1915!
O acordo militar permite que a Rússia estacione até 25 mil homens na região.
Portanto, não houve invasão militar em larga escala da Criméia, ao contrário do que você lê por aí.
E, sim, os russos consideram suas bases na região absolutamente estratégicas.
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