Antecipar a esperança

Visivelmente, diminuiu nos últimos meses a desconfiança recíproca entre o governo e o setor empresarial
por Delfim Netto — publicado 09/03/2014
A organização social que o homem simplesticamente chama de capitalismo é a única, em todo o desenrolar da história, que permitiu até agora conciliar a liberdade de iniciativa dos indivíduos com uma relativa eficiência produtiva. Ela dá resposta aos crescentes desejos de consumo estimulados pelo aumento constante da própria liberdade. Trata-se de um processo que depende basicamente da construção de um Estado constitucionalmente organizado, capaz de garantir o funcionamento de quantos mercados forem necessários para a manifestação da liberdade de iniciativa e assegurar que os benefícios dela decorrentes possam ser apropriados pelos agentes que a promovem.

Diante desse quadro é evidente que a antinomia Estadoversus Mercado é imprópria e prejudicial: não há administração estatal eficiente se não souber utilizar os mecanismos de mercado e não há mecanismo de mercado que possa funcionar sem as garantias de um Estado suficientemente forte para controlá-lo. Isso é válido tanto para os países desenvolvidos quanto para as sociedades emergentes que pretendem ser repúblicas e democracias.
No Brasil, pela falta de compreensão adequada desse processo, segmentos de nossa economia deixaram de utilizar todo o seu potencial de crescimento nos últimos três anos, alimentando um clima de pessimismo que só agora começa a se dissipar. É evidente que isso foi consequência em parte do péssimo funcionamento da economia mundial, mas também resultado do entendimento defeituo­so dos mercados financeiros e de capitais com relação aos objetivos da ­política ­econômica do governo.
Esse sentimento já começa a ceder diante da pequena recuperação do nível da atividade ainda no fim de 2013 que surpreendeu a maioria dos críticos da política do governo. É engano pensar, entretanto, que a desconfiança que só agora começa a se dissipar entre o governo e o setor privado tinha origem num “trotskismo” enrustido. Ela foi produto de um honesto superativismo governamental derivado da crença de que poderia acelerar o tempo da correção de alguns de nossos graves problemas estruturais. Quando olhamos objetivamente para aquele ativismo, vemos apenas resquícios de uma atitude comportamental que vai sendo superada pelo aprendizado.
Visivelmente, diminuiu nesses últimos meses a desconfiança recíproca entre o governo e o setor privado empresarial, graças à iniciativa da presidenta Dilma Rousseff de ampliar o diálogo e ouvir importantes lideranças que podem influir na aceleração dos investimentos, especialmente na infraestrutura. Isso tem revelado uma nova postura do governo federal com o seguinte resultado: 1. Declara definitivamente superada a desconfiança mútua (sempre negada explicitamente) entre o governo e os setores privados mais dinâmicos e mais bem apetrechados de técnica e recursos. 2. Devolve aos programas de governo uma visão logística estratégica que incorpora os sistemas de rodovias com o ferroviário, os portos e a geração e distribuição de energia.
Apesar de que entre os programas e sua efetiva execução serão necessário pelo menos 12 meses, haverá um efeito antecipado sobre o ânimo da sociedade, que começa a ver uma pequena retomada econômica em resposta às medidas fiscais, monetárias e cambiais tomadas até agora. E vai melhorar o ambiente de negócios, com a compreensão do governo de que o setor privado não quer e não precisa de benesses e subsídios, mas sim: a) De condições isonômicas para competir; b) De leilões bem projetados não apenas para atender às carências presentes, mas, principalmente, para sustentar investimentos futuros que garantam a melhora permanente da qualidade dos serviços.
Quando a incerteza sobre o futuro é absoluta e quando o passado não fornece informação sobre o futuro, só uma ação decidida e forte do Estado pode pôr em marcha o setor privado para acelerar o desenvolvimento econômico. Essa forma de ação – correta e crível – é capaz de antecipar a esperança.
Os primeiros resultados já são visíveis: os leilões de infraestrutura mostraram que o diálogo está restabelecendo a confiança mútua. E com esta, os investimentos.

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