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A solução do FMI para a crise: mais do mesmo
Segundo
o FMI, é necessário fazer mais do mesmo para enfrentar a recessão
global. Trata-se de uma continuação das políticas que já fracassaram.
Michael Roberts (*)
Os ministros de Economia e Finanças do G20 se reuniram em Sydney, na
Austrália, no último fim de semana e anunciaram que o objetivo do G20
era aumentar a taxa de crescimento mundial em 0,5% ao ano, de modo que a
produção mundial aumente 2% ou 2,25 bilhões de dólares para o ano de
2018. Em novembro, o G20 se reunirá novamente em Brisbane, Austrália,
para delinear as medidas reais que acreditam ser necessárias para
alcançar esse ritmo de crescimento mais rápido.
Como isso será
feito? Um documento de apoio elaborado pelo FMI descreve a estratégia do
documento do FMI para a reunião do G20 em Sydney. Basicamente, tudo se
reduz à adoção de mais medidas neoliberais de desregulação dos mercados,
particularmente em serviços como financiamento, seguros e consultorias
empresariais, à “reforma” do mercado de trabalho para a redução do gasto
com aposentadorias, ao aumento de poder dos empresários para contratar e
demitir, e à redução dos direitos trabalhistas – assim como mais
investimentos em infraestrutura, isto é, que os governos proporcionem
trabalho às empresas de construção civil do setor privado com o dinheiro
dos cortes nos gastos sociais.
Em outras palavras, será mais das
mesmas políticas aplicadas antes, e que não evitaram o colapso
financeiro mundial e a grande recessão. O FMI estima que a economia
mundial cresceu apenas 3% no ano passado, e espera que cresça 3,75% este
ano e 5% em 2015. Mas, como o documento do FMI ressalta: “No entanto,
cinco anos depois da Grande Recessão, a produção se mantém muito abaixo
do nível da tendência a longo prazo, especialmente nas economias
avançadas. Em 2013 (per capta), as perdas de produção em relação à
tendência chegaram a 8% para o G-20 em seu conjunto, com uma perda maior
nas economias avançadas com déficit (11%). Os volumes de comércio
(exportações e importações reais) também estão muito abaixo das
tendências. Cabe destacar que a recuperação também foi muito mais lenta
do que o previsto na esteira da crise: em 2013, o nível do PIB real do
G-20 foi 2% abaixo da projeção do cenário preparado para o Processo de
Avaliação Mútua de 2010”.
Pior ainda: o FMI calculou que a
economia mundial se manterá em uma recuperação muito frágil e nunca
recuperará as perdas da Grande Recessão, a menos que os governos adotem
medidas específicas. “É importante destacar que, no futuro, as projeções
de referência do WEO a médio prazo sugerem uma crise permanente
relacionada às perdas de produção conjunta para o G-20, impulsionada por
grandes perdas para as economias avançadas, nais quais se prevê que o
crescimento potencial continuará sendo, em geral, fraco”. De fato, o
gráfico mostra que a perda de produção conjunta do G-20 é cada vez
maior, e não menor.
O FMI também confirmou a opinião manifestada
muitas vezes neste blog: de que o fator chave na crise mundial foi o
colapso dos investimentos, e não o ponto de vista do keynesiano
simplório, de que foi a falta de poder aquisitivo dos consumidores. “Uma
descomposição da demanda das perdas de produção mostra que os
investimentos nos países do G-20 se mantiveram muito abaixo da tendência
a longo prazo, em 18%. as perdas são especialmente grandes nas
economias com um déficit importante, mas também nas economias com um
superávit significativo ou um déficit emergente. Para o G-20 em seu
conjunto, o consumo é apenas ligeiramente inferior à tendência. No
entanto, isso mascara variações regionais, com um consumo baixo nas
economias com déficit significativo e superior à tendência nas economias
emergentes”.
O FMI chegou a afirmar que o motivo da frágil
recuperação também está relacionado ao que parece ser uma desaceleração
permanente na acumulação de capital. Aparentemente, o “efeito de
limpeza” das quebras e da liquidação dos capitais mais frágeis da Grande
Recessão não foi suficiente para reestabelecer os níveis de
investimento: “o efeito amedrontador da crise (por exemplo, a má
alocação do capital, difícil de corrigir, antes das fases anteriores à
crise, os cortes nos gastos em pesquisa e desenvolvimento) pode ter
atuado contra o 'efeito de limpeza' (o fato de que as empresas menos
produtivas sejam as primeiras a quebrar). A desaceleração da acumulação
de capital também afetará negativamente o crescimento potencial”.
Evidentemente,
o documento do FMI não explica por que o “efeito de limpeza” não foi
suficiente. Este blog argumentou que é porque a rentabilidade das
principais economias não se recuperou o suficiente e o peso morto do
capital fictício continua sendo um fardo para os novos investimentos.
Provavelmente, será necessária uma nova recessão para deixar isso mais
claro. Por sua vez, o FMI defende o mais do mesmo na política econômica.
Em primeiro lugar, as injeções monetárias dos bancos centrais devem
continuar: “A política monetária deveria continuar apoiando a demanda
nas economias avançadas, em vista das ainda grandes brechas de produção e
da consolidação fiscal em curso”.
O FMI reconhece que a
consolidação fiscal (uma frase bonita para as políticas de austeridade
de reduzir o gasto público e os serviços sociais) contribuiu para lenta
recuperação, mas ainda assim continuará apoiando a austeridade: “a
consolidação fiscal gradual deve prosseguir a médio prazo”.
Mas a
principal forma por meio da qual o FMI considera que a economia mundial
pode recuperar de novo a tendência ao crescimento é com as “reformas
estruturais”, ou reformas da oferta, que foram aplicadas no período
neoliberal anterior à Grande Recessão. Segundo o FMI, é necessário fazer
mais do mesmo.
Em primeiro lugar, “as reformas do mercado de
produtos podem melhorar a produtividade mediante o aumento da
competência e/ou melhorar o meio empresarial”. O que essas “reformas”
implicam? Segundo o FMI, a reforma do mercado de produtos significa uma
“redução de 20% na regulação das indústrias de serviços”, ao passo que a
reforma do mercado de trabalho significa uma “redução de 20% na rigidez
da legislação de proteção ao emprego”. Significa flexibilizar “uma
legislação excessivamente restritiva de proteção ao emprego”; promover o
aumento da taxa de atividade trabalhista mediante o aumento no gasto
para o cuidado das crianças; promover a reforma das aposentadorias (isto
é, cortes) e “em alguns casos, a redução das taxas de reposição dos
subsídios por desemprego”.
Quanto ao investimento em
infraestrutura, o FMI reconhece que há enormes necessidades sociais em
todo o mundo. Mas acredita que esse tipo de investimento deve ser
realizado pelo setor privado utilizando o dinheiro dos contribuintes:
“Os países também poderiam fomentar uma maior participação do setor
privado na provisão de serviços de infraestrutura, inclusive mediante
iniciativas público-privadas”, a fim de aumentar esse investimento em
apenas 0,5% em dois anos. E como isso será pago? Bem, mediante “uma
redução dos repasses gerais”, o que significa cortes em gasto social e
em outros subsídios sociais.
É isso o que temos. O FMI ressalta
que as economias do G-20 não se recuperaram das enormes perdas sofridas
na produção durante a Grande Recessão, e que o crescimento econômico
continua sendo muito inferior à tendência anterior de crescimento. O
motivo principal é que o setor capitalista não investe o suficiente para
conseguir que as economias voltem a crescer. A resposta que os líderes
do G-20 adotaram para superar esse fracasso é aumentar a
desregulamentação, reduzir os direitos dos trabalhadores e aumentar o
gasto público em infraestrutura – mas por meio de empresas privadas de
construção, e com novos cortes nos gastos sociais.
Trata-se de
uma continuação das políticas que já fracassaram. Por outro lado, é
pouco provável que sejam adotadas de modo coordenado pelos governo do
mundo. Para a mão de obra, temos o mesmo. Enquanto isso, a miséria
continuará.
(*) Michael Roberts é um reconhecido economista
marxista britânico que trabalhou por 30 anos em Londres como analista
econômico. É responsável pelo blog The Next Recession.
Tradução: Daniella Cambaúva.
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