A LICÃO DOS EMBARGOS



Vitória fácil nos embargos infringentes mostra fraquezas estruturais da AP470

O resultado dos embargos infringentes confirma aquilo que era possível saber há muito tempo. Se os réus da AP 470 tivessem tido direito a um julgamento de acordo com os fundamentos do Direito, quando todos  têm acesso a pelo menos um segundo grau de jurisdição, o resultado teria sido outro.

Iludidos por uma cobertura tendenciosa dos meios de comunicação, que fizeram um trabalho  faccioso, como assinalou mestre Jânio de Freitas há dois anos, muitas pessoas podem estar até inconformadas com o resultado. Vão reclamar pelos bares, balançar a cabeça em tom de reprovação. Errado.


Tradicional direito dos regimes democráticos, um segundo julgamento oferece, a quem foi condenado, a chance de ser examinado por outro tribunal. Outros juízes, outros olhares. Outras provas e outras testemunhas. Quem reclama do voto de dois juízes novos deve ter em mente que, num novo julgamento, haveria onze juízes novos.

Deu para entender? Eu acho que o resultado final corrigiu algumas injustiças, poucas.

Só foi possível debater as condenações que haviam obtido quatro votos em contrário, isto é, que eram tão obviamente fracas que na primeira fase foram rejeitadas por 40% de um plenário que muitas vezes tinha apenas 10 juízes. Se o STF tivesse desmembrado o julgamento, o que fez no mensalão PSDB-MG, o saldo teria sido outro, obviamente. Todos teriam direito a um segundo exame. As chances de demonstrar sua inocência -- direito de todo réu -- seriam maiores.

 Foi por isso que Joaquim Barbosa fez o possível para impedir os embargos.

O tom, nos debates sobre infringentes, era de ameaça e alerta.

Olha só: Joaquim não só tentou impedir o debate sobre embargos. Antes, conseguiu impedir que os próprios juízes debatessem o inquérito 2474, que tem  indícios e testemunhos que oferecem uma visão mais equilibrada e mais completa do caso, o que teria sido de grande utilidade para um debate com mais fundamento   sobre as provas.

Guardo na memória, conservada no Youtube, uma intervenção indignada de Celso de Mello exigindo que  o plenário tivesse acesso ao inquérito sigiloso. Quem for a internet verá Joaquim, mãos nervosas, voz fraca, frases saindo com dificuldade, dizendo que não era conveniente, não havia grandes novidades e, importantíssimo!, gravíssimo!, iria atrasar a decisão, que não poderia ocorrer no ano 2012 -- aquele, nós sabemos, em que haveria eleições municipais.

As provas usadas no “maior julgamento da história” eram frágeis demais para penas tão fortes. Escrevi isso aqui em 2012, depois de assistir ao julgamento pela TV. Ninguém tinha noção, então, das falhas e incoerências muito maiores, que temos hoje. A maioria dos analistas não queria se comprometer. Não debatia o mérito das acusações. Queria discutir o ritual, o processo.

Sabemos, agora, que não houve desvio de recursos públicos – e que isso não foi uma descoberta recente, mas estava lá, nos autos da AP 470, em auditorias, documentos e testemunhos de dezembro de 2005. Imagine você: seis meses depois da entrevista de Roberto Jefferson era possível saber que havia muito erro naquilo que dizia a denúncia.

 Também sabemos de outra falha essencial. Acreditando, ou não, que eram recursos públicos, também foi possível ter certeza de que as contas batiam e que era difícil demonstrar – tecnicamente – que houve desvio.

Analisando um período de cinco anos de campanhas da DNA, que incluíram dois anos de governo FHC, três de governo Lula, a Visanet, proprietária assumida do dinheiro, como explicou nas inúmeras vezes em que foi solicitada a se manifestar, notou uma falha de R$ 6 milhões num total de R$ 151 milhões – uma diferença que depois seria explicada pela agência. Mesmo assim, estamos falando de R$ 6 milhões. Se for um desvio, equivale a 4% do dinheiro. Lembra do julgamento?

Diziam que o desvio fora de R$ 73,4 milhões, uma conta de chegar, mal feita e improvisada. Descobriram que essa fora a verba para a DNA em quatro anos e concluíram: 100% tudo foi roubado. Não provaram, não fizeram contas, não demonstraram. Numa visão desinformada, amadora, da situaçã, imaginaram que as pessoas abriam o cofre e pegavam o que tinha dentro. Não dá para acreditar mas foi isso o que correu.
Ganharam no grito, que os meios de comunicação não se deram ao trabalho de conferir.

Perderam -- um pouco -- agora.

É por isso que a perspectiva, agora, é de obter uma revisão criminal do julgamento. Ou seja: um segundo julgamento. É uma via estreita e difícil, como disse com muita razão o ministro Marco Aurélio de Mello.

Podemos ter novas cenas de teatrinho indignado, proclamações moralistas e assim por diante. O mais importante, que é o debate sobre o mérito, o conteúdo da denúncia, já começou.  E basta abrir os olhos para entender para onde vai nos levar.


Paulo Moreira Leite
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".

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