1964 e a Batalha de Itararé

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Cenas cômicas, narradas por um general, do primeiro dia de um confronto que não houve, mas gerou uma trágica ditadura de 21 anos
O golpe que derrubou o presidente João Goulart, desferido no dia 31 de março de 1964, foi antecipado por alguns dias. O movimento era para ser desencadeado entre 2 e 10 de abril. Havia uma razão transcendental. Uma crença.
“O movimento não pode ser entre 2 e 8 porque é quarto minguante; tudo que começa em quarto minguante não dá certo. Ou será antes do dia 2 ou será depois do dia 8”, afirmou, sem disposição de recuar, o general Carlos Luiz Guedes, da 4ª Infantaria Divisionária (ID-4).

Guedes estava sob as ordens do general Olympio Mourão Filho, comandante da 
ID-4, em Juiz de Fora. Os dois, mineiros, tiveram papel determinante no golpe. O cômico gerou o trágico. Uma ditadura de 21 anos.
Esse é o trecho de uma palestra do general Antonio Carlos Muricy (1906-1999), que, somada a outras, também feitas por ele, formaram o livreto denominado Os Motivos da Revolução Democrática Brasileira.
O palestrante fardado contou suas dificuldades para articular o golpe, no qual teve papel decisivo. Não deixou de mencionar, entretanto, um “dado anedótico”, como admite, surgido nos preparativos da viagem clandestina dele para Minas Gerais: “Quando fui à casa do coronel Caracas Linhares, ele estava atrasado (...) e demorou-se botando a gravata. Disse-lhe então: ‘Deixe a gravata para depois’. Ele respondeu-me: ‘General, eu não sei andar sem gravata’. E fez toda a guerra com gravata.”
Muricy partiu após reunir alguns oficiais: “No caminho, encontramos tudo calmo, sereno, e chegamos mesmo a ficar preocupados com tanta serenidade. Será que saiu mesmo a revolução?”
Mais ou menos na divisa entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais poderia ocorrer a batalha decisiva entre as forças sublevadas e as tropas fiéis ao governo.
Ele lembrou: “Progredi em direção a 
Areal (RJ). Pouco depois, recebi notícia de que na região norte dessa localidade estava chegando tropa inimiga (...), iniciando uma instalação defensiva (...). Dei ordem para (que) se montasse um dispositivo de ataque (...)”.
“Imediatamente mandei (...) procurar entendimento (...) com o general Cunha Melo, que comandava a tropa contrária em Areal (...) dizendo-lhe também que a minha intenção era cumprir a minha missão, mas se pudesse evitar o derramamento de sangue eu o faria.”
Muricy descreve o desdobramento da batalha que não houve.
“Cerca de uma hora ou duas depois recebi a visita do major Granja (...), o general Cunha Melo mandava dizer que tinha tido a missão de me deter e que ia cumprir sua missão, mas que sua tropa declarava que não seria a primeira a atirar (...).”
Foi firmado, então, o compromisso. Nunca antes e talvez nunca depois esse acordo será repetido: “Antes de atacar avisar que ia desencadear a ação”.
Ninguém atirou em ninguém. Nada anormal. Assim ocorreu na fracassada insurreição paulista de 1932. Uma das frentes da guerra anunciada era a cidade de Itararé, na divisa com o Paraná.
Seria, enfim, o confronto entre a reação da oligarquia paulista com as forças da revolução de 1930.
Aparício Torelly, provável pioneiro do humorismo político brasileiro, batizou a guerra que não houve de “Batalha do Itararé”. E, com ironia, incorporou o título ao qual deu fama: “Barão de Itararé”.

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