PSOL não controla as manifestações, diz presidente do partido
Em entrevista à Carta Maior, o presidente da legenda, Luiz Araújo, fala sobre o que chama de ação orquestrada contra a candidatura de Marcelo Freixo no Rio
Najla Passos
Brasília - A morte do cinegrafista
Santiago Andrade, da TV Bandeirantes, atingido por um rojão durante a
manifestação contra o aumento da tarifa de ônibus no Rio de Janeiro,
reabriu o debate sobre de quem é a responsabilidade pela violência das
táticas black blocs nos protestos. No centro da polêmica, o Partido
Socialismo e Liberdade (PSOL) chegou a ser acusado, via imprensa, de
financiar as táticas dos mascarados.
Em entrevista à Carta Maior,
o presidente nacional da legenda, Luiz Araújo, fala sobre o que
classifica de ação orquestrada para enfraquecer a candidatura de Marcelo
Freixo no Rio, nega qualquer vínculo entre PSOL e black blocs, critica
tanto a violência policial quanto a dos mascarados, admite que o
partido não controla as manifestações, mas reivindica o direito de
continuar apoiando as manifestações contra os gastos excessivos da Copa e
por direitos.
Carta Maior – Quais as relações do PSOL com os black blocs?
Luiz Araújo
- Nenhuma. Se você me perguntasse quais são as relações do PSOL com as
manifestações que, desde junho, vem acontecendo, eu diria: todas. O PSOL
apoia as manifestações, nós estimulamos que nossos militantes
participem, em especial daquelas que têm como pauta reivindicar direitos
sociais. Quanto aos black blocs, nós não temos nenhuma relação com
eles. Quem for verificar a história da relação dos socialistas com os
anarquistas verá que não existe relação mais tumultuada e distante do
que essa. Nós nunca concordamos com os métodos de luta deles. Nós não
temos relações orgânicas e nem de parceria com esses grupos.
CM
– Mas até ontem estava publicado no site do PSOL um artigo do Edilson
Silva, membro da Executiva do partido, escrito em outubro do ano
passado, defendendo a atuação dos Black Blocs. Agora, este artigo saiu
do ar...
LA – Existem vários dirigentes e militantes
do PSOL que expressaram uma posição, digamos assim, pela não
criminalização deles. Mas não são artigos de concordância com os
métodos. São coisas diferentes. Nós não acreditamos que eles sejam
vândalos, como a imprensa falou. Eles acreditam que, se detonarem os
símbolos do capitalismo, do McDonalds até uma agência bancária, isso vai
despertar as pessoas para a necessidade de se acabar com o capitalismo.
Eles quebram as coisas achando que, com isso, vão despertar alguém. Nós
somos socialistas, não defendemos o capitalismo, mas achamos que uma
transformação depende de grandes mobilizações e de vontade da população
de querer mudar. E trabalhamos para que nossas ideias conquistem a
maioria da população.
CM – Mas vocês não estão juntos em várias manifestações?
LA
- O PSOL não controla as manifestações, que são autoconvocadas pelos
motivos diversos e por movimentos específicos. Ou contra o aumento da
tarifa, ou porque morreu alguém na periferia. A gente fala genericamente
manifestações, mas elas têm diversos tipos de pauta. E a ação dos black
blocs acaba ocorrendo em parte das manifestações. E a tática da Polícia
de achar que todo manifestante é violento, essa visão criminalizadora
dos movimentos sociais que tem o aparato policial, acaba provocando
conflitos de dispersão e confusões que estimulam bastante isso. Vamos
pegar o caso das manifestações dos professores no Rio, por exemplo. Você
tinha a manifestação, tinha a passeata e quando isso acabava, começavam
os problemas com os black blocs. Mas nós não temos como impedi-los de
estarem presentes e nem temos controle sobre o que eles fazem. Como eu
disse, não temos nenhuma relação de parceria com eles. Mas também não
somos favoráveis a criminalizá-los, porque isso levaria a se justificar
posturas autoritárias da Polícia contra todos. Então, nem tanto ao céu,
nem tanto ao mar, neste caso.
CM – Mas esta postura de não criminalizar as ações dos black blocs não encobre a violência que de fato é praticada por eles?
LA
– Não dá para trata-los como terroristas, como querem algumas pessoas.
Agora mesmo, aqui no Congresso, nós estamos debatendo um projeto,
chamado de Lei Antiterrorismo, que reedita o AI-5, na medida que
criminaliza qualquer manifestação. Hoje, ocorreu uma manifestação dos
sem-terrinha, que ocuparam o MEC [Ministério da Educação] para denunciar
o fechamento de 37 mil escolas do campo. Pelo teor do projeto discutido
aqui, eles constrangeram os funcionários e, por isso, poderiam ser
enquadrados como terroristas. Então, o que ocorre é que se aproveita
essa postura dos black blocs para colocar todo mundo no mesmo balaio e
se livrar das manifestações. E quem está interessado nisso são os
governos que temem as manifestações.
CM – Então, qual seria, na concepção do PSOL, a estratégia correta para os governos lidarem com a violência nas manifestações?
LA
– A ação da Polícia não é só defensiva. É uma Polícia despreparada para
lidar com manifestações no Brasil. Ela encara a manifestação como ato
criminoso. Os problemas com os black blocs só criaram uma desculpa para
uma violência policial que já ocorria antes. Nos primeiros conflitos
entre Polícia e manifestantes pelo Passe Livre, em São Paulo, os black
blocs nem estavam. Então, digamos assim, começaram a usar os black blocs
como símbolo de todas as manifestações que têm conflito com a Polícia. E
isso não é verdade. A Polícia age com violência como regra. E, ao agir
com violência, angariou a simpatia de muitas pessoas que vão às
manifestações para os black blocs, porque eles enfrentam a Polícia. A
Polícia transformou os black blocs em ídolos de muitos outros jovem por
conta da sua postura também. A Polícia não tem um Setor de Inteligência?
Se ela afirma que havia várias pessoas com rojões, por exemplo, na
manifestação em que ocorreu essa tragédia com o cinegrafista da Band,
por que não visualizou isso e não desarmou as pessoas? A gente fica com a
impressão que a Polícia, às vezes, propositalmente não age
preventivamente porque ter a confusão é uma forma de afastar outras
pessoas das manifestações.
CM – Esta relação estabelecida
entre os responsáveis pela morte do cinegrafista da Band e o deputado
Marcelo Freixo, que é do PSOL, foi uma ação orquestrada pela mídia?
LA
– Eu acho que foi uma tentativa de se aproveitar indevidamente de uma
tragédia para atacar um adversário potencial no Rio de Janeiro, que é o
PSOL e o Marcelo Freixo. Há alguma coisa mal contada em relação a esse
advogado dos suspeitos de dispararem o rojão. Um advogado que já
defendeu um desafeto do Marcelo Freixo, um banido que está na cadeia,
colocado pela CPI das Milícias, e agora surge do nada para defender
esses manifestantes, mas parece estar muito pouco preocupados em
defender seus clientes. Os nossos advogados, como regra, atendem as
pessoas presas em manifestações. Então, é natural que um advogado que
assessore o Marcelo Freixo, exercendo sua carteira da OAB, defenda
pessoas presas nas manifestações. O que é estranho é que um advogado que
defendeu milicianos gaste seu próprio dinheiro para defender as duas
pessoas que cometeram este crime. E, primeiro plantando uma notícia, que
ele mesmo desmentiu, de que há vínculos de seus clientes com o PSOL.
Depois, insistindo que tem gente financiando esses black blocs e que
essas relações precisam ser investigadas.
CM – Mas, na avaliação do PSOL, quem estaria por trás desse advogado? Quem estaria orquestrando isso?
LA
– Eu acho que tem vários suspeitos. O governador Sérgio Cabral, o
prefeito Eduardo Paes... as pessoas que se sentem ameaçadas pelo
crescimento do PSOL no Rio são os primeiros suspeitos de patrocinar esse
tipo de coisas. Eu acho que o governo [federal], que não quer que
tenham manifestações durante a Copa, também quer intimidar as pessoas
para não fazerem manifestações. Porque quanto mais se associar as
manifestações aos black blocs e à violência, mais ele poderá reprimir
essas manifestações. De forma generalizada, o recado é: “Não saiam às
ruas porque vai ter morte”, “ Os Black Blocs vão matar e vocês estarão
envolvidos”, “Guardem seus filhos em casa”. É uma reedição do medo que
justificará, por exemplo, uma legislação ainda mais severa do que o
assassinato, a partir da Lei Antiterrorismo. Se o cara mata alguém, pega
12 anos. Se fez manifestação, pega 40 anos.
Então, há uma
orquestração para criminalizar os movimentos sociais e para culpabilizar
o PSOL por atos com os quais não concordamos e não somos responsáveis,
mas principalmente para enfraquecer as manifestações e o crescimento do
partido, especialmente no Rio de Janeiro. O ataque ao Marcelo Freixo é
uma tendência daqueles que mais perderam desde as manifestações de
junho: o Cabral e o Eduardo Paes. O Cabral estava muito bem antes das
manifestações, esperava eleger seu sucessor e agora nem sabe se saíra
mais candidato. E quem capitaliza isso? Quem, aos olhos das pessoas
insatisfeitas, não está misturado com a corrupção, com a bandidagem, com
as milícias. E o Freixo representa essa esperança no Rio de Janeiro.
Então, atacá-lo é o mesmo que dizer que todo mundo é igual, que todo
mundo é violento, que todo mundo é terrorista.
CM – O PSOL não
errou ao não deixar essa posição em relação aos black blocs bem clara
desde o início? A primeira nota do partido que trata do assunto foi
publicada ontem...
LA – Não houve demora. Todas as
nossas lideranças do Rio de Janeiro já vem dizendo que a gente se
solidarizava e não concordava com esta violência. A nota que saiu foi
para responder os ataques contra o Freixo. E, na verdade, ela não
poderia sair antes dos ataques. A nota é sobre as mentiras colocadas na
imprensa em relação ao Freixo. Ela é para responder aos ataques que nós
sofremos.
CM – Então, já existia um posicionamento público anterior em relação aos black blocs?
LA
– Não um específico, porque nós já havíamos nos manifestado, através
das nossas lideranças, em relação ao nosso posicionamento sobre as
manifestações. Várias vezes o próprio Freixo falou, outros parlamentares
também falaram que nós apoiamos as manifestações, mas não apoiamos atos
típicos dos black blocs. Isso desde o início, no ano passado. Agora,
respeitamos que outras pessoas pensem diferente, que critiquem a
criminalização, porque há essa confusão de se colocar todo mundo no
mesmo saco, com afirmações do tipo “as manifestações são feitas por
vândalos”. E isso não é verdade. Nem todas as pessoas que participam
querem quebrar.
Desta vez, foi um artefato lançado por
manifestantes que atingiu o jornalista. Mas lá no início, em São Paulo,
um artefato disparado pela Polícia também atingiu um jornalista e o
deixou cego. Portanto, a probabilidade de ocorrer uma morte ou de uma
pessoa ficar com sequelas graves devido a sua participação em
manifestações é a mesma seja devido ao despreparo da Polícia ou seja em
função do despreparo de alguns manifestantes.
E por que o PSOL
teria que lançar uma nota sobre os black blocs? Qual a nossa
responsabilidade de fazer um juízo sobre eles se nem temos relações com
eles? A nossa principal preocupação, hoje, como partido político, é
discutir porque as manifestações retornaram, ou seja, porque as pautas
ainda não foram atendidas.
A presença dos black blocs é um
aspecto do problema. Tem que se tomar providências, claro, prender as
pessoas dentro dos limites da lei. Mas tem que considera-las
terroristas? Não. Eles devem ser julgados de acordo com o crime que
cometeram. Por que mesmo que se colocasse os black clocs na
clandestinidade, não iam acabar as manifestações e nem os conflitos com a
Polícia. O comportamento da Polícia não começou com os black blocs.
Essa é uma visão equivocada do que aconteceu. Temos uma polícia
despreparada, que trata manifestante como se fosse bandido. E quem mais
deve comemorar a existência dos black blocs é o governo, porque está
doido para que não tenham manifestações na Copa.
CM – E qual será o papel do PSOL na Copa? O partido vai participar, vai convocar manifestações?
LA:
Nós vamos apoiar todas as manifestações que questionem os gastos
excessivos da Copa. Não podemos nos esquecer que a Lei Geral da copa
flexibilizou as licitações, favorecendo as maracutaias que tanto
indignam o povo brasileiro. Governo e oposição votaram favoráveis, mas
nós não. Também vamos apoiar manifestações de demandas de
questionamentos, sobre porque se gastou tanto dinheiro na copa, mas não
se garantiu demandas de saúde, educação e transporte de qualidade. O
partido vai apoiar, obviamente. Agora, isso não tem nada a ver com
concordar ou apoiar atos típicos de black blocs.
CM – O
partido vai apoiar essas manifestações mesmo com o perigo de que sejam
apropriadas pelos Black Blocs e resultem em violência?
LA:
A saída, digamos assim, seria proibir manifestações durante a Copa para
que a Fifa não tenha nenhum problema? Não concordamos com isso. O povo
tem o direito de ir à rua, tem direito a se manifestar. E o Estado deve
garantir a segurança dentro do estado democrático de direito, sem
criminalizar os movimentos. Nós não apoiaremos esses atos típicos dos
black blocs, essa gente não contribui com quem tá lutando por direitos,
mas também não vamos deixar de nos manifestar. Uma parte de nós – porque
no PSOL também tem muita gente jovem – faz parte de uma geração que foi
às ruas lutar para que nós tivéssemos direito à manifestação. Assim
como a própria presidenta da república e outros companheiros de outros
partidos, nós lutamos contra a Lei de Segurança Nacional.
Pessoas
foram presas, foram torturadas e nós não nos intimidamos. Agora, nós
vamos comemorar, vamos torcer pela seleção brasileira como fizemos até
mesmo na ditadura, quando companheiros estavam presos. O que não podemos
permitir é que este governo aja como o Médice, ao estilo “Brasil: ame-o
ou deixe-o”. Parece que o governo quer reeditar aquela máxima: ou se
ama o Brasil, fica quieto em casa e aceita comemorar a Copa sem
direitos, ou então vai embora para não se misturar! Nós não vamos nos
misturar com os black blocs, mas vamos apoiar todas as manifestações com
pautas justas, contra os gastos abusivos e favoráveis aos direitos que a
população expressou. E vamos trabalhar para que as manifestações sejam
pacíficas, dentro da ordem, sem violência policial e sem atos
extremistas de black blocs.
Créditos da foto: PSOL
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