Para Alckmin, usuário que passa mal é vândalo. E ninguém contesta
Conjunto corrupção + risco de vida para a população deveria ser escândalo nacional, mas não recebe devida atenção |
por Thalita Pires
Os trens da linha 3-Vermelha do metrô ficaram parados ontem por cerca de cinco horas, das 18h às 23h, aproximadamente. Uma composição apresentou falha na porta e parou na estação Sé e paralisou a circulação no sentido Itaquera. De acordo com informações do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, para que o problema fosse resolvido a eletricidade dos trilhos foi desligada, fazendo com que os trens parados ficassem sem ar-condicionado ou ventilação. Numa sucessão de acontecimentos bastante previsível num dia de calor de 35°C, pessoas passaram mal nas composições e acionaram o botão de emergência de vários trens. A linha 4-Amarela também apresentou problemas no meio da tarde.
Que o sistema metroviário de São Paulo está entrando em colapso parece um fato irrefutável. O número de falhas nas composições vem aumentando nos últimos meses. Em um levantamento rápido, desde agosto do ano passado foram pelo menos sete os dias em que incidentes graves prejudicaram a circulação dos trens e, pior, colocaram a vida de passageiros em perigo. Os dados são inexatos, pois a Companhia do Metropolitano não fornece ao público dados dos incidentes.
Mas o problema não é novo. As falhas acontecem há mais tempo. Durante as eleições municipais de 2012, houve episódios semelhantes ao de ontem. Os incidentes acabaram virando objeto de disputa eleitoral. “Sabotagem”, bradavam o então candidato José Serra e seus aliados. Os problemas continuaram se agravando desde então mas, passadas as eleições, o discurso continua o mesmo.
Hoje o governador Geraldo Alckmin afirmou que desconfia de ação orquestrada para desestabilizar o sistema. “O fato é que houve problema em uma porta, que seria resolvido em menos de dez minutos e que acabou causando esse grande transtorno à população em razão da ação inicial de um grupo de pessoas e depois de vândalos que acabaram atacando estação, o trem e destruindo o patrimônio”, afirmou o governador. O secretário estadual dos Transportes, Jurandir Fernandes, já tinha dito coisa parecida ontem. O depoimento de usuários – ou vândalos – descrevendo o desespero de ficar preso em um vagão lotado sem ventilação por pelo menos 10 minutos não serviu para controlar a sanha acusatória oficial.
A desfaçatez com que esse tipo de afirmação é feita pelos administradores do Estado e a complacência bovina da imprensa que não questiona e sequer critica os responsáveis são difíceis de entender. Jornalismo digno desse nome buscaria as informações sonegadas pelo governo por outras vias. Governantes sérios teriam mais cautela a atribuir a grupos organizados falhas recorrentes no sistema que administram, ainda mais sem a abertura de qualquer investigação nesse sentido.
Há que se ressaltar ainda o fato de que o contrato para a reforma dos trens das linhas 1-Azul e 3-Vermelha foi suspenso pela própria companhia. O Ministério Público Estadual considerou o contrato danoso para o Estado, já que os trens reformados vêm apresentando falhas consecutivas. De acordo com o Sindicato dos Metroviários, o trem que apresentou problema faz parte da frota reformada pela Alstom/Siemens, envolvidas no escândalo de corrupção que envolve bilhões de reais e cujas investigações avançam a passos de tartaruga.
Com tantas evidências de problemas aparecendo, é de se perguntar por que o assunto não é investigado com rigor. Na Assembleia Legislativa do Estado não há esperanças de que isso aconteça. Não há Comissão Parlamentar de Inquérito que seja aprovada se o objeto de investigação for o governo, uma vez que a base aliada é maioria. No Ministério Público, a perda de prazos fez com que investigações sobre a Alstom fossem paralisadas. Esse tipo de desatenção é inadmissível. O conjunto corrupção + risco de vida para a população deveria ser um escândalo nacional, mas não recebe a atenção que deveria. Que ninguém precise morrer para que essa situação mude. Até porque é de se desconfiar que nem isso adiante para que medidas sérias sejam tomadas.
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