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Os sem-vergonha
Que
autoridade moral Obama ou Kerry têm para julgar a democracia de nossos
países quando, nos EUA, os presidentes chegam ao cargo com o voto de
20%.
Hernán Patiño Mayer, Página/12
Não se deve ter vergonha alguma de pedir a libertação dos “presos
políticos” venezuelanos, enquanto Obama, apesar das promessas
eleitorais, mantém a prisão de Guantánamo com presos que ninguém sabe
quem são, nem porque estão privados de sua liberdade. Nem de onde vêm,
nem para onde vão.
Maduro pode não ser o melhor presidente que a
Venezuela e a região merecem, mas seu povo o elegeu. E para aqueles que
dizem que a democracia não se esgota com o voto, digo que têm razão,
mas os presidentes, na democracia, só são alterados com os votos ou com
procedimentos previstos na Constituição. No caso da Venezuela, ademais,
cumprida a metade do período, pode-se convocar um plebiscito revogatório
e ganhá-lo (não faltarão desorientados que perguntem “Ah, também
precisa ganhar?”), podendo, então, forçar a renúncia presidencial por
falta de autenticidade do mandato popular.
Qualquer outra coisa é
“golpismo” puro, duro ou brando, mas, ao fim, golpismo. Além do mais,
que autoridade moral Obama ou Kerry têm para julgar a qualidade
democrática de nossos países quando, nos EUA, os presidentes chegam ao
cargo com o voto de menos de 20% dos cidadãos em condições de votar? E o
que dizer dos direitos humanos quando, em seu país, rege a pena de
morte e não aderiu a nenhum dos instrumentos do sistema interamericano
que os protege e os promove. Chega de hipocrisia! Aqui, o que se quer
não é nem mais, nem menos do que deter a evolução do processo
democrático na América do Sul porque, de tão distraídos que os gringos
estavam, os governos deixaram de ser seus empregados ou testas de ferro
para se tornarem representantes de seus próprios povos.
Melhor
ou pior, com mais ou com menos corrupção, mais ou menos eficientes, com
maior ou menor vocação transformadora, foram todos votados por seus
povos. A democracia trata também de que estejamos de acordo em relação a
isso. Já até posso escutar a dona Rosa me lembrando de que Hitler
também foi eleito pelo povo alemão e, como costuma acontecer com dona
Rosa, tem sempre um pouco de razão, mas nunca em tempo de chegar a
conclusões sustentáveis.
Isso, o que me faz lembrar a dona Rosa,
é tão certo como o fato de que, se os vencedores da Primeira Guerra não
tivessem humilhado os povos vencidos e imposto a eles custos morais e
econômicos insustentáveis, Hitler provavelmente nunca teria chegado ao
poder. A humanidade, então, teria evitado suportar tal monstruosidade
contra o povo judeu, com a qual o governo norte-americano soube se
distrair em excesso.
A avareza capitalista não apenas não tem
limites, como não mede suas consequências e todos acabam pagando,
especialmente os mais fracos. Que ninguém se equivoque, porque já não
temos direito à ignorância e, menos ainda, à ingenuidade. A verdade nada
importa para a grande potência ocidental.
Ou não mentiram para o
mundo sobre as armas de destruição em massa no Iraque? E já que estamos
no assunto, alguém se lembra de que o único país na Terra a usar armas
nucleares contra a população civil, e não em uma, mas em duas ocasiões,
foram os Estados Unidos da América?
Porém, a qualidade
democrática dos nossos governos não importa aos Estados Unidos, como
demonstraram apoiando o terrorismo de Estado em nosso continente
mestiço. E a liberdade de imprensa muito menos. Recordem a reação do
governo norte-americano e de seus organismos diante do desaparecimento
de quase uma centena de jornalistas durante a ditadura cívico-militar na
Argentina. Ou diante da associação do Estado totalitário com os três
jornais mais importantes da Argentina para controlar a produção da Papel
Prensa. O que lhes preocupa – e muito – é que os governos levem a sério
a defesa dos interesses populares e deixam de servir às insaciáveis
ambições das minorias apropriadoras.
Estão decididos a
substituí-los por governo aliados aos seus interesses e, em especial no
caso da Venezuela, para poder fazer o controle da segunda reserva
mundial de petróleo, localizada a apenas três dias de navegação das
refinarias norte-americanas. É possível que nos vençam, porque têm o
poder para fazê-lo, ou também que voltem a nos dominar por meio de seus
gestores locais. Mas, que nos façam de bobos e que nos peçam silêncio e
cumplicidade depois do que nos fizeram sofrer, é uma concessão que não
podemos outorgar, sem perder definitivamente nossa dignidade.
Tradução: Daniella Cambaúva
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