Os bastidores da prisão de Pizzolato

Conheça os detalhes que cercaram a fuga e a detenção pela polícia italiana do ex-diretor do Banco do Brasil, em Maranello, uma cidade de 15 mil habitantes na Itália Paulo Moreira Leite, Janaina Cesar, enviada especial a Modena (Itália), e Josie Jeronimo


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FIM DE LINHA
Na quarta-feira 5, Henrique Pizzolato foi encontrado pela polícia italiana em
Maranello, na Itália, portando documentos do irmão Celso, morto há 36 anos
Henrique Pizzolato – ex-diretor de marketing do Banco do Brasil e um dos condenados no processo do mensalão – tomou a decisão de fugir do Brasil, na noite de 9 de setembro de 2013, em sua espaçosa cobertura em Copacabana, no Rio de Janeiro. A fuga foi resolvida numa conversa entre três pessoas, logo depois que, por unanimidade, o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu rejeitar seus embargos declaratórios, a última chance de reduzir uma pena de 12 anos e 10 meses por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Agora, ele está recolhido em uma cela na Casa Circondariale di Modena, no norte da Itália, desde a última quarta-feira 5, quando foi encontrado pela polícia italiana no apartamento de um sobrinho, engenheiro da Ferrari.


Entre os presentes na reunião em que Pizzo­lato decidiu deixar o País, na condição de foragido, estava a arquiteta Andrea Haas, mulher dele,  pequena e enérgica, que passou os últimos oito anos debruçada sobre cada um dos documentos do processo do mensalão. Ela foi a que defendeu a fuga com mais veemência. Em entrevista exclusiva à ISTOÉ, além de contar detalhes da trama, Andrea Haas falou sobre as angústias, os medos e contou como foram os dias na Itália que antecederam à prisão de Pizzolato. “Quando começou tudo isso, a gente caiu num mundo que não conhecia. Não temos mais controle. O Henrique espera que a Justiça italiana seja mais correta e íntegra”, afirmou à ISTOÉ. (leia mais nas páginas 38 a 41)

No encontro decisivo, em Copacabana, há cinco meses, com a voz rouca, Andrea , claro, ainda não sabia o que viria pela frente, embora todos estivessem cientes dos inegáveis riscos. Em dado momento, perguntou: “Vocês acham que temos chance de conseguir alguma coisa aqui?” Quem respondeu, no mesmo timbre, foi Alexandre Teixeira, terceiro presente no encontro, um sindicalista aliado de Pizzolato nas lutas no Banco do Brasil desde a década de 1980: “Do ponto de vista da Justiça, não há mais nada. Acabou.”
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 Naqueles dias, réus que não tinham direito a apresentar recursos olhavam para o calendário. O ministro Joaquim Barbosa poderia expedir o mandado de prisão para que fossem levados imediatamente para a cadeia. Ou poderia aguardar a etapa seguinte, sobre a aceitação dos embargos infringentes, para tomar uma decisão envolvendo todos os condenados ao mesmo tempo. Quando Pizzolato deixou claro que não iria se manifestar, Andrea não perdeu tempo: “Vou falar como homem. É hora de colocar as cartas na mesa. Pizzolato precisa ir embora.”

Alexandre achava que seria possível aguardar um pouco, mas Pizzolato decidiu acompanhar a mulher. A fuga acabou resolvida, assim, por 2 votos a 1, numa viagem de carro que teve início às 3 h da madrugada do mesmo dia. Incluiu uma dieta de água mineral, bananas e barra de cereal, para encerrar-se depois, em Dionizio Cerqueira, cidade de Santa Catarina na fronteira da Argentina.

Naquele momento, o plano de deixar o País frequentava as conversas fechadas de outros  condenados, surpreendidos pelas penas duras do STF. Vários amigos disseram a José Dirceu que ele deveria aprontar-se para fugir. Mas Dirceu tivera quatro votos favoráveis no item formação de quadrilha, o que dava esperanças de passar para o regime semiaberto quando os embargos infringentes fossem julgados. Condenado por unanimidade, Pizzolato era um réu em estado juridicamente terminal.
A OPINIÃO DA MULHER ANDREA HAAS FOI
DETERMINANTE PARA A FUGA DE PIZZOLATO DO
BRASIL, DECIDIDA EM 9 DE SETEMBRO DE 2013
Namorados desde o tempo em que cursavam arquitetura, Pizzolato e Andrea passaram mais de 30 anos na vida sólida de um casal sem filhos para criar e múltiplos sobrinhos para cuidar. Mas tiveram uma crise conjugal feia, durante a CPMI dos Correios. A separação deixou tanto os Haas, gaúchos-alemães, como os Pizzolato, paranaenses-italianos, preocupados e inconsoláveis. Na reconciliação, ocorrida quando Pizzolato não tinha vontade de levantar-se da cama e era humilhado quando ia à padaria, Andrea deixou os afazeres para cuidar do marido. Seu pai, João Haas, advogado, tornou-se um militante em pesquisas sobre a Ação Penal 470, mergulhando em arquivos para procurar contradições e novidades e até publicou textos a respeito.

Após viagens frequentes ao Exterior, Pizzolato e Andrea começaram a se desfazer de um patrimônio de 11 imóveis, formando reservas que seriam transferidas – por vias legais, segundo eles, – para fora do País. Certa vez, Pizzolato ouviu uma ideia alternativa: em vez de deixar o País, poderia residir clandestinamente nele, mas rejeitou a ideia imediatamente. Queria opções para chegar à Itália em segurança.   

Sem saber qual era a pessoa física a quem se destinava a consulta, um diplomata italiano do Rio de Janeiro sugeriu que, na hora de fugir,  ele deixasse o País munido de sua carteira de identidade italiana e, em Assunção,  providenciasse a documentação para entrar num voo internacional. Outra possibilidade surgida em conversas era recuperar os documentos de um irmão morto em 1978, Celso, e assumir sua identidade. Prudente ao extremo, Pizzolato fez segredo sobre a opção escolhida.

A fuga de Pizzolato foi tão bem-sucedida, no início, que só seria descoberta em 16 de novembro, quando, em vez de apresentar-se à Polícia Federal, como os outros réus, ele divulgou uma carta na qual dizia que se encontrava na Itália, onde tentaria um novo julgamento, pelas autoridades locais.
VIZINHOS DO SOBRINHO DE PIZZOLATO GARANTIRAM QUE
ELE ESTAVA NA CASA DE MARANELLO HAVIA DOIS MESES
Mas, desde então, o cerco a Pizzolato só se fechou. Sua localização foi facilitada quando, a  pedido da Polícia Federal brasileira, autoridades argentinas localizaram um “Pizzolato” num voo Buenos Aires-Barcelona em 12 de setembro. O primeiro nome era Celso, e não Henrique, mas a foto tirada na passagem pela alfândega não deixava dúvida: era o condenado da Ação Penal 470 – até com seu bigodinho. Já na Europa, compras com cartão de crédito e outras operações permitiram à polícia italiana chegar cada vez mais perto, até que, na quarta-feira 5, ele foi encontrado e preso por volta das 11 h da manhã pela polícia italiana. Encontrava-se escondido na casa do sobrinho Fernando Grando, que fica na rua Vandelli, em Maranello, uma cidadezinha de 15 mil habitantes localizada na província de Modena. Com ele foram encontrados os documentos falsos, incluindo o passaporte apresentado à polícia contendo a identidade de seu irmão Celso, morto há 36 anos.

Segundo o coronel Carlo Carrozzo, do departamento operacional de Modena, existiam muitas pistas sobre o paradeiro de Pizzolato. Inicialmente, acreditou-se que estava em Siena, mas era uma informação falsa. Depois, foi identificada uma casa alugada em Porto Venere, na Spezia, onde ele esteve por um determinado tempo. A casa foi alugada em nome de outra pessoa. Por pouco, Pizzolato não era preso lá. Isso só não ocorreu porque a polícia local não tinha certeza de que estivesse na cidade e não queria queimar uma oportunidade. Ainda de acordo com Carrozzo, não foi tão fácil confirmar que Pizzolato residia na casa do sobrinho. “O único movimento era o dele (sobrinho), que entrava e saía todos os dias para ir ao trabalho”, diz Carrozzo. A polícia, então, descobriu que os contadores de água e luz continuavam a funcionar, mesmo com o sobrinho de Pizzolato fora do imóvel. Foi aí que surgiu a ideia de cortar o fornecimento de luz. Naquele momento Andrea Haas, mulher de Pizzolato, abriu a janela e a polícia teve certeza de que estava lá. Segundo Stefano Falvo, comandante da polícia de Maranello, flagrado, Pizzolato ainda resistiu a assumir quem era de fato: “eu sou o Celso, eu sou o Celso”, afirmou. Após constatar que o haviam descoberto, o ex-diretor do Banco do Brasil percebeu que não teria outra saída senão confirmar a verdadeira identidade.

Pela lei italiana o proprietário do imóvel deve estar presente no momento da averiguação da residência. Por isso, uma viatura da polícia ainda teve de buscar Fernando na Ferrari, antes de promover uma devassa no apartamento onde estava Pizzolato. Andrea Haas foi a primeira a ser levada para a estação da polícia. Assim que Fernando entrou em casa, Pizzolato também foi encaminhado à penitenciária. Somente neste momento, a polícia começou a perquisição no apartamento. No imóvel, foram encontrados 14 mil euros, duas malas de roupas, muita comida – como pasta, biscoitos, frutas e cerveja –, dois computadores com acesso à internet e uma dezena de documentos, alguns verdadeiros e outros falsos, entre eles carta de identidade italiana e brasileira, uma carteira de motorista feita na Espanha, alguns cartões de crédito e o passaporte falso.
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Pela apuração da polícia, fazia uma semana que Pizzolato se escondia na casa. Mas vizinhos ouvidos por ISTOÉ garantem que a estada já durava ao menos dois meses. O sobrinho, engenheiro da Ferrari, morava ali desde setembro do ano passado. Pizzolato no tempo em que esteve foragido na casa do sobrinho, não cumpria uma rotina. Saía pouco. “Ele parecia ser muito reservado, não chamava a atenção”, afirmou Giordana Ricchieri, uma das moradoras da vizinhança. Gaetano Ti., dono do supermercado Sigma, que fica em frente ao prédio do sobrinho de Pizzolato, diz que o brasileiro foragido fazia compras em seu estabelecimento desde outubro do ano passado.

O fato de Pizzolato ter sido apanhado com passaporte do irmão, na Itália, pode ter influenciado na decisão da Justiça italiana, na sexta-feira 7, quando negou seu pedido para aguardar o julgamento da extradição em liberdade. Pelo retrospecto, no entanto, Pizzolato tem chances de obter o que pretendia ao chegar a Itália. Os dois países não costumam atender a pedidos de extradição quando envolvem pessoas que têm cidadania no local onde se refugiaram. O advogado Lorenzo Bergami, que defende Pizzolato na Itália, disse, na sexta-feira 7, que o ex-diretor do Banco do Brasil explicou à Justiça que foi condenado no Brasil em um “processo político”.
fotos: Alexander Tihonov/shutterstock; Jamil Chade/estadão conteúdo; Graciliano Rocha/folhapress
fotos:Jamil Chade/estadão conteúdo; reprodução; Andre Dusek

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