Operação na Amazônia visa sobrevivência da etnia mais ameaçada do mundo
Para indigenista, a ocupação irregular da terra awá-guajá provoca o mais próximo do que se pode chamar de genocídio, hoje, no Brasil.
Najla Passos
Brasília - Está em curso no Amazônia
maranhanse uma das maiores operações já realizadas pelo Estado
brasileiro para desintrusão de uma terra indígena. Trata-se da
desocupação de uma área de 116 mil hectares destinada à etnia awá-guajá
desde 1992, onde atividades ilegais como a extração de madeira e até o
plantio de drogas já consumiram mais de 40% da cobertura florestal e
colocam em risco a existência da etnia que está entre os últimos
remanescentes dos povos amazônicos sem contato com o que é chamado de
“civilização”. Em 2012, a ONG Survival Internacional a classificou como a
mais ameaçada do planeta.
Nômades, coletores e caçadores, os
awá-guajá são classificados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) como
índios isolados, que demandam farto território para preservar seu modo
de vida tradicional. Entretanto, com as ocupações irregulares dos
últimos anos, vêm sofrendo um extermínio progressivo, causado pelas
doenças provenientes do contato. Há suspeitas até mesmo de execuções
sumárias comandadas pelo crime organizado que atua na região. “A
situação da etnia é de vulnerabilidade extrema. É o processo mais
próximo do que se pode chamar de genocídio, hoje, no Brasil”, alerta o
chefe da Coordenação Geral de Índios Isolados da Funai, Carlos
Travassos.
Embora as terras dos awá-guajás tenham sido destinadas
aos índios há duas décadas, ela só foi demarcada oficial por ato do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003. A luta judicial pela
posse da terra se arrastou por dez anos, e a decisão que determinou a
desintrusão tramitou em julgado somente em 2013.
Para
cumpri-la, o governo federal destacou para a área um contingente não
divulgado de servidores públicos de diferentes áreas, incluindo Incra,
Ibama, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Abin e Forças
Armadas, além da Funai e da Secretaria Geral da presidência da
República, que coordenam a operação.
Mesmo assim, a tarefa não
tem sido fácil. Além das dificuldades geográficas inerentes à mata
fechada, a força econômica que se impôs no local resiste. E usa, para
tal, centenas de brasileiros simples, humildes, que se estabeleceram na
área em busca do sonho de ter seu próprio pedaço de terra. Segundo o
coordenador-geral dos Movimentos do Campo da Secretaria Geral da
Presidência da República, Nilton Tubino, os invasores entraram ali
ciente de que as terras pertenciam aos índios. Portanto, não têm direito
a nenhum tipo de indenização.
O Estado, porém, reconhece entre
eles uma maioria de brasileiros simples - pequenos agricultores que
vivem da plantação de mandioca, do extrativismo na floresta ou que
trabalham nas grandes fazendas vizinhas. Por isso, o Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária (Incra) acompanha a operação com o
intuito de identificar e cadastrar possíveis beneficiários da reforma
agrária, que serão inseridos em lotes vagos de assentamentos já criados e
em outros, em estudos, em terras a serem adquiridas na região ou em
terras devolutas da União e do Maranhão. Mas na área também há médios e
grandes grileiros, inclusive na atividade pecuária, que terão que deixar
o local.
Na semana passada, o governo concluiu a notificação
para retirada voluntária das 427 famílias que vivem na área. O prazo
termina no final de fevereiro. Até o momento, só 235 famílias
requisitaram cadastramento no Incra. De acordo com Tubino, os motivos da
baixa adesão vão desde a falta de documentos pessoais até a
incredulidade de que o governo irá levar a cabo a missão de desobstruir à
área. O problema da falta de documentação, mais fácil de resolver,
levou outras equipes de servidores públicos à regiçao. Até o início
desta semana, foram expedidas 105 carteiras de trabalho e 75 CPFs. E 28
famílias foram inscritas no Bolsa Família, o principal programa social
do governo. A campanha termina nesta sexta (7).
Já o problema da
desinformação é mais grave. Os madeireiros que lucram com a devastação
da área não querem abrir mãos de suas atividades criminosas e, por isso,
incitam os pequenos a permaneceram na terra indígena, prometendo que a
terra deles será regularizada. Informação oficial e contrainformação do
poder econômico local disputam corações e mentes de pouca instrução e
pouca fé em um Estado que demorou décadas para se fazer presente.
Histórico awá-guajá
De
acordo com Carlos Travassos, há relatos da presença dos índios
awá-guajá na região desde o século XVII. O primeiro contato oficial,
entretanto, ocorreu em 1979, quando a política indigenista da ditadura
promovia a atração dos grupos classificados como arredios, com o
objetivo de fixá-los em uma área específica e, assim, facilitar o
atendimento médico e a segurança alimentar do grupo. O pano de fundo,
entretanto, era a necessidade de extinguir os conflitos na Amazônia para
a construção dos grandes projetos do regime, como a Estrada de Ferro
Carajás.
Nos anos seguintes, mais seis contatos foram realizados.
Deles, resultaram a criação de duas aldeias awá-guajás que possuem hoje,
juntas, 400 índios. “A desintrusão chega em um momento em que a aldeia
Juriti, por exemplo, tem seu espaço de caça restrito há 6 km, enquanto
antes era de vários dias de caminhada.Se o Estado não intervir, eles
morrerão de fome”, explica Travassos.
Há também outros grupos
que, para evitar o contato com as frentes de atração, embrenharam-se
cada vez mais na mata. O número de indivíduos nessas condições é
impreciso. Monitoramento que vem sendo realizado pela Funai, desde 1997,
aponta que pelo menos dois grupos familiares ainda vagam pela região.
Entretanto, suas condições de sobrevivência estão cada vez mais difíceis.
O
coordenador da Funai lembra também que, desde o fim da ditadura, a
política indigenista brasileira mudou. Se antes a meta era o aldeamento
forçado, o objetivo hoje é respeitar o modo de vida tradicional das
etnias, demarcando território suficiente para que possam viver isolados,
se assim o quiserem. “O contato traz, historicamente, uma média de
perda de 50% da população”, justifica o indigenista.
Planos futuros
De
acordo com o coordenador-geral dos Movimentos do Campo da Secretaria
Geral da Presidência da República, a previsão inicial é que a operação
de retirada dos não-índios esteja concluída até o final de março,
inclusive com a destruição de todas as construções erguidas na área. A
etapa seguinte constará do fechamento de todas as estradas abertas por
madeireiros e plantadores de drogas, o que dificultará o acesso ao
local.
O chefe da Coordenação Geral de Índios Isolados da Funai
acrescenta que há planos também para a construção de uma estrada
perimetral, no contorno da terra indígena, que permita ao poder público
efetuar um monitoramento mais intenso da área. Além disso, está em
andamento a construção de uma base de operações do poder público na
área. Há ainda, projetos de reflorestamento da área descoberta da
floresta que envolve, inclusive, índios que vivem em aldeias vizinhas.
Uma
outra ação prevê uma campanha de educação etnoambiental a ser efetivada
nos quatro municípios em que a terra indígena está cravada, além de
outros cinco do entrono. “São municípios pobres, que vivem basicamente
da madeira. Se não houver uma ação pontual do poder público federal em
parceria com estado e municípios, as invasões vão continuar e as doenças
e outros problemas sociais, como alcoolismo e drogas, acabarão
atingindo os awá-guajás”, afirma Travassos.
Créditos da foto: Arquivo
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