O Roberto Marinho da Venezuela chamava os chavistas de ‘macacos’

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Gustavo Cisneros, bilionário venezuelano, ocupa uma posição semelhante à de Roberto Marinho e de Murdoch.
"Cisneros sempre considerou o seu próprio país demasiado pequeno para os seus talentos e demasiado inseguro para a sua fortuna."
“Cisneros sempre considerou o seu próprio país demasiado pequeno para os seus talentos e demasiado inseguro para a sua fortuna.”
O texto abaixo é de autoria do jornalista e escritor inglês Robert Gutt, que foi correspondente em Caracas e hoje escreve artigos para jornais como Guardian e Independent.
Com uma fortuna de mais de 4 bilhões de dólares, Gustavo Cisneros gosta de promover-se como o homem mais rico da América Latina e o mais poderoso barão da mídia do continente, um equivalente latino a Murdoch ou a Berlusconi. Desde 1961 a Organización Cisneros possui a Venevisión, o principal canal comercial de TV da Venezuela — mais conhecida no estrangeiro pela sua raivosa oposição a Chávez durante o golpe de 2002 e pela denúncia incessante dos seus apoiadores como ‘arruaceiros’ e ‘macacos’.

A partir dos anos 80 ele estendeu seu império pela América Latina incluindo a Chilevisión do Chile e a TV Caracol da Colômbia, com uma grande participação na DirectTV latino-americana, cujo satélite emite uma programas de esportes, shows de jogos, telenovelas e notícias leves para 20 países latino-americanos. Ele também tem uma participação lucrativa na Univisión, o principal canal em língua castelhana dos Estados Unidos, e uma empresa conjunta latino-americana de conexão de internet com a AOL-TimeWarner.
Tal como muitos latino-americanos ricos, Cisneros é um camaleão no que se refere à nacionalidade. Nominalmente venezuelano — nasceu em Caracas em 1945, de um pai empresário cubano e de uma mãe venezuelana — foi educado e fez sua aprendizagem de mídia nos EUA. Mas também é cidadão da Espanha, a pedido pessoal do rei Juan Carlos, americano em Nova York, cubano em Miami e dominicano na República Dominicana, onde a sua principal base — a Casa Bonita, próxima à estância balneária de La Ramona — está no lugar dos refúgios de outros bilionários de origem cubana, enriquecidos com os lucros do açúcar, do rum e dos negócios imobiliários.
O estilo de vida cosmopolita de Cisneros permite-lhe escapar aos horizontes limitados de um país latino-americano que tradicionalmente joga na segunda divisão. Um venezuelano, de acordo com uma antiga e desrespeitosa piada latino-americana, é um panamenho que pensa que é argentino. Tal como muitos hispano-americanos ricos, Cisneros sempre considerou o seu próprio país demasiado pequeno para os seus talentos e demasiado inseguro para a sua fortuna. Como uma das figuras sombrias que proporcionam aos americanos força local fora dos Estados Unidos, Cisneros está atado de pés e mãos a Washington, e tem sido bem pago por isso.
Sem esquecer a auto-promoção, Cisneros agora pode apregoar uma reluzente biografia escrita por Pablo Bachelet, acrescida deuma introdução panegírica do novelista mexicano Carlos Fuentes, morto em 2012. Os motivos de Bachelet neste projeto — ele é um meio-chileno, jornalista financeiro com base em Washington, ex-Dow Jones, actualmente Reuters — dificilmente podem ficar em dúvida. Bachelet teve acesso privilegiado à família Cisneros, e a maior parte do seu relato — uma leitura não exigente — é retirada literalmente das visões de Gustavo acerca de si próprio.
Gustavo foi o quarto filho de Diego Cisneros, um importante empresário em Caracas.  A fortuna dos Cisneros decolou no princípio da Segunda Guerra Mundial quando a família adquiriu o direito de engarrafar e distribuir a Pepsi. Segundo uma lenda local (Bachelet não menciona o episódio), homens de Diego empurraram caminhões da Coca Cola num despenhadeiro, privando assim o seu rival das suas inimitáveis garrafas com saias rodadas, impossíveis de obter até que fosse declarada a paz. A Pepsi moveu-se suavemente para o Número Um e — caso único na América Latina — permaneceu nesta posição na Venezuela nos anos seguintes.
Cisneros e o filho com o companheiro Roberto Marinho numa visita ao Brasil em 1995
Cisneros e o filho com o companheiro Roberto Marinho numa visita ao Brasil em 1995
Na década de 1950, Diego moveu-se para o rádio e para a embrionária indústria da televisão, e em 1961 fundou um novo canal, a Venevisión, que veio a tornar-se a preocupação especial de Gustavo. A companhia Cisneros das décadas de 1950 e 1960 estava centralmente colocada para atuar como uma representante do capital americano. Como tal, tornou-se parte de uma nova elite na Venezuela que floresceu através da distribuição liberal por meio do estado (mais propriamente, por meio dos partidos políticos) dos rendimentos crescentes do petróleo. A oligarquia agrária diminuía de riqueza e poder desde os princípios do século XX, pois a agricultura principiava um declínio acentuado.
Com a expansão da urbanização e do emprego no setor público, os lucros privados no período do pós-guerra estavam ligados ao crescente comércio em bens — sobretudo americanos — importados. O projeto dos Cisneros, como aqueles de outros empresários de famílias colonizadoras brancas em muitos países latino-americanas, era levar os confortos da civilização anglo-saxã — seus alimentos, sua cultura, suas formas de descanso, seus produtos de beleza — às camadas médias em crescimento na América Latina.
Diego Cisneros era um bom amigo de Rómulo Betancourt, líder fundador da Acción Democrática, partido que o ajudou a lançar a Venevisión. A família manteria contato estreito com os líderes seguintes da Acción Democrática quando eles se revezavam com os do Copei, o outro principal partido, nas rotações que constituíram a democracia venezuelana durante as quatro décadas pós 1958, e em particular com o notoriamente corrupto Carlos Andrés Pérez, presidente tanto nos anos de boom dos meados de 70 e nos de crise dos de 90, quando foi expulso do gabinete por apropriação indébita de fundos.
Outro aliado vital era o poderoso banqueiro da Acción Democrática, Pedro Tinoco, cujo papel era de conselheiro da família Cisneros nos seus negócios com companhias americanas. Tinoco atuaria como ministro das Finanças da Venezuela de 1969 a 1972, e como presidente do Banco Central no governo Pérez de 1989 a 1992. Ele morreu pouco antes da queda do Banco Latino, do qual fora presidente, desencadeada pela crise financeira venezuelana de 1994.
Com 25 anos, em 1970, Gustavo assumiu os negócios da família quando seu pai ficou incapacitado por um derrame cerebral. Ele havia se diplomado no Babson College em 1968, e a seguir passou dois anos trabalhando na ABC Television em Detroit, Chicago, Los Angeles e Nova York. Em 1970, numa ‘cerimônia simples’ na Catedral de St. Patrick, em Manhattan, fez um feliz casamento dinástico com Patty Phelps, cujo pai americano, tal como Diego Cisneros, tinha se estabelecido em Caracas como vendedor da Ford Motors, máquinas de costura Singer e máquinas de escrever Underwood. Os Phelps eram também os proprietários da Rádio Caracas, cujo ramo de TV, a RCTV, era o principal competidor da Venevisión.
Durante a década de 1970 a Venezuela foi inundada de petrodólares. As conexões políticas não podiam garantir suficientemente o ambicioso lance de Cisneros por uma série de fábricas petroquímicas, a serem financiadas parcialmente pelo estado. Bachelet, tristemente, relata que não foi suficiente ter convencido o presidente: apesar do apoio de Carlos Andrés Pérez, o projeto Pentacom de Cisneros foi bloqueado por uma forte oposição de deputados — cujos nomes não foram mencionados no opaco relato de Bachelet — os quais sentiram que isto entregaria uma indústria venezuelana estratégica a companhias transnacionais.
Mas casualmente, em 1976, o império dos supermercados latino-americanos da família Rockfeller foi rompido sob as regras do Pacto Andino. Com a ajuda de Tinoco, a família de Cisneros comprou rapidamente o ramo venezuelano, adquirindo 48 supermercados e uma dúzia de bares de soda de um só golpe. Eles agora era capazes de integrar os vários interesses Cisneros, utilizando um para promover o outro. Produtos disponíveis nos seus supermercados Cada eram logo anunciados na Venevisión, nessa altura o principal canal de TV do país. Estrelas das telenovelas da Venevisión eram mobilizada para beber o champanhe de Cisneros e usar o shampoo de Cisneros.
Os casais Cisneros e Bush: conexões fortes com os Estados Unidos
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Sempre moderna e americana, a família Cisneros foi uma das primeiras promotoras da pornografia suave, adquirindo a ‘Organização Miss Venezuela’ que cuidava das modelos aspirantes a competições nacionais e internacionais. As mulheres escassamente vestidas, todas estranhamente brancas num país de índios e negros, não só apareciam regularmente na Venevisión como também eram veículo para promover os produtos dos Cisneros disponíveis nos supermercados Cisneros. Como diria Carlos, sobrinho de Cisneros, ao comprar os direitos da Playboy TV: ‘Nós entendemos que [a Playboy] era o único grande tesouro que não fora levado dos Estados Unidos para a América Latina, porque todo mundo achava que este era um continente muito católico”.
Os maciços rendimentos do petróleo da década de 1970 haviam sustentado uma vasta rede de patrocínios para a elite da Venezuela, bem como a disseminação de projetos infraestruturais de fachada. Quando os preços do petróleo começaram a cair, o governo Pérez e depois o Herrera tomaram empréstimos no exterior. A dívida externa do país subiu dramaticamente após o aumento das taxas de juro americanas em 1979, atingindo 32 bilhões de dólares em 1982 — quase o dobro do número de 1978.
A economia contraiu-se agudamente, a inflação ascendeu e a fuga de capitais acelerou-se, criando pressões que o bolívar supervalorizado não podia aguentar. Os resultados foram os controles de câmbio e a desvalorização de 1983, que Bachelet discute apenas em termos do impacto — ‘um golpe duro’ — sobre as elites, cuja cupidez ajudara a provocar isto. Durante os seis anos em que houve controle de câmbio os salários reais caíram 20 por cento, os gastos públicos entraram em colapso, o desemprego aumentou para dois dígitos e a inflação atingiu 40 por cento. Em 1978 apenas 10 por cento dos venezuelanos viviam na pobreza; em 1998 o número era de 39 por cento.
A resposta de Cisneros foi, naturalmente, a fuga de capital. Citando com energia o lema de Cisneros  –‘as maiores e melhores oportunidades vêm das crises’ — Bachelet pormenoriza os investimentos dele fora do país. Em 1984 comprou a Spalding, a cadeia gigante de esportes, e a seguir as Galerías Preciados em Madri, outra rede importante.
Em 1988 os salários reais haviam caído 40 por cento, e o custo do serviço da dívida havia ascendido a 5 bilhões de dólares por ano. Em dezembro daquele ano Carlos Andrés Pérez foi reeleito presidente após uma campanha concebida para evocar os anos do boom com gastos desenfreados do seu mandato na década de 1970. Contudo, uma vez empossado, Pérez mudou o rumo, comprometeu-se com um Programa de Ajustamento Estrutural ditado pelo FMI e implementou uma série de medidas neoliberais, cortando subsídios a serviços públicos e liquidando os controles de preços.
Um ano depois a economia contraíra-se 8 por cento. A pobreza geral ascendeu dos 44 por cento de 1988 para 67 por cento em 1989, e a pobreza extrema de 14 para 30 por cento no mesmo período. Quando os preços dos carros dispararam a fim de refletir o custo crescente do combustível, em fevereiro de 1989, Caracas explodiu numa festa de saques e tumultos. Quatro dos supermercados de Cisneros foram saqueados. O protesto, conhecido como Caracazo, acabou por ser esmagado pelo exército, com mais de mil mortes.
O povo devolve Chávez ao poder em 2002: a emissora de Cisneros chamava os chavistas de "macacos"
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Defendendo o ‘sóbrio pacote de medidas’ de Pérez, Bachelet admite que ‘a Venezuela não fora preparada durante a campanha eleitoral para confrontar-se com a verdade’. Mas sua principal preocupação é a fortuna do seu herói. O Caracazo foi um ponto de viragem para Cisneros. Aquilo fê-lo perceber que a sua riqueza já não estava segura em Caracas. Seu simples e lucrativo papel como criado do capitalismo americano estava sob séria ameaça. O próprio estado venezuelano estava  entrando em colapso. Ele decidiu que teria de mudar o grosso da fortuna da família para fora do país.
Como a terapia de choque continuava, a economia contraía-se novamente e as taxas de pobreza continuavam a piorar. Em fevereiro de 1992 o então coronel Chávez lançou um golpe de estado sem êxito destinado a deter a força destruidora do modelo que Pérez pusera em movimento. Cisneros colocou a Venevisión à disposição de Pérez, e a transmissão do presidente no dia do golpe salvou sua vida política.
Mas era tamanha a impopularidade de Pérez que aquilo desgastou a estação de TV. Os números de audiência afundaram dramaticamente, com uma consequente perda de receita publicitária, e a estação só recuperou a posição dominante quando transmitiu a Copa do Mundo de futebol dos Estados Unidos em 1994.
Na primavera de 1993 o governo Pérez entrou em colapso em meio a acusações de que se havia apropriado indevidamente de 250 milhões de bolívares (2,8 milhões de dólares) de fundos governamentais.
Os movimentos de Cisneros para retirar os seus bens da Venezuela agora estavam à velocidade máxima. Desta liquidação, a Venevisión ficou dispensada. Ela havia provado seu valor através dos êxitos internacionais das suas telenovelas, as quais na decada de 90 escaparam ao limitado mercado latino-americano e encontraram um nicho por todo o globo.
Sua fórmula pegajosa demonstrou-se irresistível: uma história, lágrimas com soluços, drama emocional e blocos de pornografia suave. Com base neste triunfo, Cisneros tinha grandes esperanças de se estabelecer no mercado americano de televisão, com sua audiência de milhões de latinos. Seu amigo Emilio Azcárraga, dono da Televisa do México, já havia feito uma entrada naquele mercado na década 80, montando uma companhia conhecida como Univisión. Quinze anos mais velho que Cisneros, Azcárraga era aliás uma figura semelhante a ele: filho de um magnata local, que consolidou e expandiu o negócio da família numa operação pan-latino-americana. Bachelet menciona as frequentes viagens em iate de Azcárraga para ver Cisneros na República Dominicana.
Cisneros agora propunha uma sociedade entre ele próprio,  Azcárraga e um parceiro americano. O negócio foi rematado em 1992, e a Univisión começou a difundir para latinos nos EUA o cardápio — telenovelas, talk-shows vazios, ‘notícias’ — que se originara na Venezuela e no México.
Isto pode ser considerado imperialismo cultural em reverso, mas na prática a programação já estava altamente americanizada, e agora era simplesmente vomitada sobre uma audiência latina já familiarizada com a receita. Ironicamente, a Venevisión agora era obrigada a introduzir uma dimensão multiétnica nos seus programas — totalmente inabitual na atmosfera racista branca de Caracas, mas uma condição sine qua non na cultura contemporânea dos Estados Unidos.
Em 1996 o governo de Caldera foi forçado a virar-se para o FMI. O brutal ‘Acordo Venezuela’ eliminou controles de preços, entre outras coisas, e a inflação subiu para mais de 100 por cento. No fim do ano a pobreza generalizada era de 86 por cento e a pobreza extrema de 65 por cento. Foram dias de insegurança para Cisneros. Ele logo tomou o comando da Univisión partilhada com Azcarraga e, com os Estados Unidos na cintura, começou a comprar estações de TV na América Latina, nomeadamente a Chilevisión no Chile e a Caracol na Colômbia.
Em 1995 montou a DirectTV como uma joint venture com a Hughes Communications, um ramo da General Motors. Apesar de entrar no mercado ao mesmo tempo que a Sky de Rupert Murdoch, o qual já fizera um acordo com a Televisa e a Globo de Roberto Marinho, no Brasil, dentro de cinco anos a DirectTV tinha mais de uma milhão de assinantes.
No momento das eleições de 1998 a elite política venezuelana já estava totalmente desacreditada. Preso durante dois anos após o golpe fracassado, Chávez havia ganho considerável apoio popular devido à sua rejeição da ortodoxia neoliberal e defesa aberta dos pobres — nessa altura a massa da população. Ele ganhou o poder em dezembro de 1998, com 56 por cento dos votos. Cisneros estava entre os oligarcas financeiros do país com a esperança de que aquele oficial não experimentado pudesse ser curvado à sua vontade. Na noite das eleições eles encontraram-se de modo amistoso nos estúdios da Venevisión, e Bachelet relata conversações posteriores com o novo presidente nas quais Cisneros manifestou seu apego à solidariedade social. Numa reunião que Bachelet não menciona, Cisneros sugeriu que um dos seus homens tomasse conta da Comissão Nacional de Telecomunicações, um organismo regulador do Estado que podia fazer muito para ajudar os esquemas da Organización Cisneros.
Chávez recusou a oferta. Ele planejava impulsionar o seu programa para regenerar o país sem a assistência dos seus tradicionais dominadores, políticos ou financeiros.  Cisneros juntou-se logo à cada vez mais estridente oposição da elite, queixando-se que o país fora tomada por um populista autoritário, e prognosticando desgraças econômicas contínuas — provocadas, muito antes da eleição de Chávez, por uma série de governos que eles haviam apoiado.
Cisneros foi um membro central do grupo que planejou a derrubada de Chávez em abril de 2002. Na noite de 11 de abril, depois de Chávez ter sido removido do Palácio de Miraflores na ponta de armas, os principais conspiradores reuniram-se no apartamento de Cisneros. No princípio da manhã seguinte Pedro Carmona, chefe da confederação de empresários, anunciou na TV que era o novo presidente. Carmona comunicou o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal, bem como a supressão da Constituição.
Cisneros  sugeriu que a estratégia de comunicações do novo governo deveria ser deixada nas suas mãos. Carmona aceitou agradecido. Poucos minutos depois de a delegação de Cisneros deixar o Palácio, contudo, os soldados da Guarda Presidencial retomaram-no, detendo alguns dos líderes do golpe enquanto Carmona escapava.
Cisneros deu ordens aos seus canais para não apresentarem notícias do contra-golpe, nem mostrarem imagens das dezenas de milhares de pessoas a descerem dos morros para assegurar o retorno do ‘seu’ presidente. Durante todo o dia, a programação de Cisneros foi preenchida por velhos filmes e desenhos animados. As notícias dos eventos na capital eram apresentadas só pela CNN.
“Chegará o dia”, declarou Chávez em maio de 2004, “em que teremos juizes sem medo que atuarão de acordo com a Constituição e aprisionarão estes senhores da máfia como Gustavo Cisneros.”  Visto através dos binóculos servis de Fuentes, Cisneros é um modelo de cidadão, um visionário e empreendedor ‘global’. O vendedor de novelas, loiras e shampoo é louvado por criar um negócio cultural na América Latina ‘comparável em profundidade e resiliência’ à estética e tradições literárias do continente. Seus prosaicos negócios imobiliários em Madri ‘aboliram o oceano’. Foi ‘um defensor da língua castelhana no coração da América anglófona’.
Em retrospectiva, o entusiasmo de Fuentes por Cisneros não é de todo surpreendente. Como filho de um diplomata mexicano, Fuentes pertenceu ao mesmo mundo transcultural do empreendedor venezuelano. Sua visão preconceituosa das tradições revolucionárias da América Latina tornou-se mais pronunciada com o passar dos anos e tingiu claramente sua atitude em relação a Chávez, muitas vezes com um toque abertamente racista ou elitista.  Tal antipatia é bastante comum entre a elite americanófica da América Latina e também entre alguns da sua esquerda intelectual.
A ameaça de Chávez sempre repousou na sua capacidade para apresentar uma alternativa ideológica ao Consenso de Washington.  Suas medidas redistributivas mal tocaram as fortunas que Cisneros e seus afins colheram dos venezuelanos comuns, através de décadas de corrupção estatal.  Em 2004, Cisneros combinou uma reunião com Chávez por intermédio de Jimmy Carter. Se Chávez organizasse uma entrada para Cisneros junto ao governo Lula no Brasil, a propaganda antigoverno da Venevisión seria acalmada.
Cisneros desde então avançou suas obras de semicaridade na Venezuela. E reduziu a campanha contra o chavismo.
Sobre o Autor
Richard Gott é escritor e historiador. Foi correspondente e editor do jornal inglês The Guardian.

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