O fracasso do “critério técnico”
Helena Chagas |
A versão de Helena Chagas sobre sua saída da Secom, logo endossada pelos admiradores, não coincide com a nossa
por Mino Carta
Helena chagas acaba de deixar a Secretaria de Comunicação da Presidência da República e logo se esmera na divulgação das razões que teriam determinado sua saída. É a versão, está claro, da ex-secretária. Nós aventamos outra, a partir da análise dos resultados da sua gestão. A qual, à luz da verdade factual, como diria Hannah Arendt, foi um desastre.
Então, vejamos. Qual haveria de ser a tarefa da Secretaria de Comunicação? Comunicar-se com a mídia de sorte a produzir um clima de respeito, quando não de boa vontade, em relação a quem ocupa a Presidência da República, no caso Dilma Rousseff. Boa vontade não significa apoio automático, indica apenas um propósito de isenção no livre exercício da crítica, positiva ou negativa, de acordo com as situações.
Não é necessário espremer as meninges para concluir que, segundo a mídia nativa, a presidenta Dilma e seu governo, à sombra do lulopetismo, não dão uma dentro. Nunca, e sublinho nunca, acertam. Pergunto aos meus atentos botões: será possível? Mas nem mesmo uma vezinha? De quando em quando, os botões me reputam ingênuo, como se dá agora. E respondem: é inadmissível que o verdadeiro partido de oposição brasileiro se disponha, até esporadicamente, a louvar o inimigo.
Dona Helena diz pelos corredores ter sido substituída para permitir que a claque jornalística governista ganhe o favor de uma larga contribuição publicitária, até hoje obstada pela aplicação pontual, rigorosa e altamente democrática, de um salutar “critério técnico” por parte da Secom. Segundo dona Helena, ela se vai e chegam os hunos. Resultado: a festança dos bajuladores e dos asseclas da presidenta.
Não sei se foi por obra do “critério técnico” que o gabinete da Secretaria, durante três anos de gestão de dona Helena, se tornou uma espécie de antessala da Globo. A qual nunca foi tão favorecida pela publicidade governista, embora habilitada pelo critério em questão a atacar sistemática e inexoravelmente as ações da presidenta e de alguns dos seus ministros. Poupado sempre, óbvio tonitruante, o ministro Paulo Bernardo, do plimplim e do trim-trim.
De todo previsível a pronta adesão de ilustres colunistas à versão de dona Helena. Os sabujos autênticos militam todos deste lado. Já do outro, onde se amoitariam os escribas de fé petista, convém convocar Diógenes e sua lanterna para identificar esta armata brancaleônica, essa turma exígua, a se espraiar entre as ideias vetustas de marca obsoleta e a prática de, nada mais, nada menos, que o jornalismo honesto.
De nada adiantaram as mesuras e as benesses proporcionadas por dona Helena, o bombardeio midiático sequer arrefeceu. Há um toque de masoquismo nessa operação, neste “critério técnico” executado até as últimas consequências, a não ser que fosse este o objetivo da ex-secretária. Apanho o Estadão de quarta-feira passada. Dos três editoriais da página 3, um malha a presidenta, outro o lulopetismo. Isso tudo, creio eu, merece é psicanálise.
Neste país, o festival da desfaçatez dos senhores não se aplaca. Neste país de democracia incipiente e incerta. Neste país pronto a entregar um Mundial da bola a uma das mais atuantes máfias internacionais, e a gastar bilhões, em boa parte suspeitos, para construir estádios onde não é preciso. Neste país em que 40% do território não é alcançado pelo saneamento básico. Neste país onde rico não vai para a cadeia e mais de 50 mil brasileiros morrem assassinados todos os anos. Neste país onde as cabeças rolam e não são as de Luís XVI e Maria Antonieta. Neste país onde uma torcida quer enforcar os seus ex-heróis e onde a vizinhança prende um ladrãozinho e, nu em pelo, o amarra a um poste em praça pública. Neste país em que os desequilíbrios sociais ainda são insuportáveis apesar de algum avanço conseguido por políticas praticadas pelos últimos dois governos. Neste país, etc. etc. etc.
Pois é, neste país os cidadãos capazes de espírito crítico até hoje são obrigados a assistir a um espetáculo de hipocrisia único e exemplar na sua ferocidade e na sua insensatez.
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